Um bom sorteio
A Liga dos Campeões já tem os 32 participantes definidos e espelha na perfeição quase absoluta o panorama dos últimos dois anos. Aqui chegados, o que seria um bom sorteio para os nossos clubes?
Portugal tem, pela terceira época consecutiva, três emblemas nos 32 clubes participantes na Liga dos Campeões – a diferença é que este ano haverá SC Braga e não Sporting. Por ter sido campeão, o Benfica garantiu acesso ao Pote 1 do sorteio, mas a verdade é que não há grande diferença entre estar ali ou no Pote 2, a que acede o FC Porto por causa do seu próprio ranking – e os dragões são a sétima de oito equipas presentes neste agrupamento de gigantes vindos das quatro grandes Ligas. Quem pode ter mais dificuldades é o SC Braga, que aparece no Pote 3, que é onde na verdade para os outros se faz a separação entre um bom sorteio e um pesadelo. Se cada grupo apurará duas equipas para os oitavos-de-final, já se vê que o segredo para se ter boas expectativas passa por evitar os tubarões que possam aparecer vindos da terceira ou até da quarta faixa, onde também há equipas que são apetecíveis. Mas vejamos, caso a caso, como é que as coisas podem correr bem – e mal. Para o Benfica, cabeça-de-série, a escolha no Pote 2 não é muita. Ainda assim, a ideia que fica é a de que o Borussia Dortmund – eliminado pelo Sporting há dois anos – pode ser o adversário mais fácil de um lote onde, porém, o Inter Milão será o mais apetecível. Porquê? É que se de lá vier o Inter fica desde logo a garantia de que não sairão o Milan ou a Lazio no Pote 3. E já vos disse que é no Pote 3 que verdadeiramente se joga este sorteio. Na terceira categoria, ao Benfica conviria um FC Copenhaga ou até mesmo um Shakhtar Donetsk repentinamente sem estrelas internacionais e impedido de jogar em casa – nem o Estrela Vermelha seria visto com maus olhos. Por fim, o Pote 4 tem equipas capazes de lutar pelo apuramento, como a Real Sociedad ou o Newcastle United – e são essas que convém evitar. Os suíços do Young Boys e os belgas do Royal Antuérpia são o que de mais próximo há de um refresco na competição. É diferente o cenário para o FC Porto. Não necessariamente mais complicado, porque não há uma diferença abismal entre o Pote 1 e o Pote 2, mas diferente. Por exemplo, é evidente que o FC Sevilha e até o Feyenoord são os mais frágeis dos cabeças-de-série – mais os espanhóis, certamente fixados num terceiro lugar que lhes dê acesso à sua predileta Liga Europa – mas isso não quer dizer que sejam os mais apetecíveis. Mais uma vez se coloca a importância de fugir a Milan e Lazio no Pote 3, o que torna o SSC Nápoles ainda por cima privado da condução de Luciano Spalletti a melhor opção entre os cabeças-de-série. Daí para baixo, funciona como para o Benfica: venham o FC Copenhaga ou até o Shakhtar e o Estrela Vermelha no Pote 3 e o Young Boys ou o Royal Antuérpia no 4. Verdadeiramente complicado será o sorteio do SC Braga, que à partida sabe que terá dois fortíssimos candidatos ao apuramento vindos das duas primeiras faixas. Para ter opções reais de entrada nos oitavos-de-final precisaria de apanhar pelo menos uma equipa menos poderosa: o FC Sevilha ou Feyenoord no Pote 1 e o RB Leipzig ou o Borussia Dortmund no 2. Complicado será levar com o Manchester City ou o Bayern e depois com o Real Madrid ou o Manchester United. A não ser que a ideia seja a de garantir o terceiro lugar e a entrada na Liga Europa com glória, caso em que um grupo com City e Real Madrid, por exemplo, já garantiria que se evitava a complicação que seria ter de enfrentar Newcastle United ou Real Sociedad.
Está tudo na radiografia. A comunidade presente ao sorteio de hoje tem semelhanças que serão muito mais do que mera coincidência com as duas últimas temporadas e que vão muito para além da presença de três equipas portuguesas. Nos últimos três anos, houve sempre 15 nações participantes na fase de grupos, das quais dez marcaram sempre presença: as Cinco Grandes Ligas, mais Portugal, Países Baixos, Bélgica, Áustria e Ucrânia. É curioso, porém, que à frente do nosso contingente apareçam sempre apenas quatro dos cinco grandes – Inglaterra, Espanha, Alemanha e Itália –, porque são os que qualificam diretamente os quatro primeiros classificados dos seus campeonatos, sem terem de passar pelas preliminares. Um deles (o que ganhou a Liga Europa) mete cinco clubes e os outros metem quatro. O terceiro classificado francês baqueou sempre nas pré-eliminatórias, enquanto que o nosso chegou sempre à fase de grupos. Este ano o SC Braga salvou-se e o Olympique Marselha caiu e nas duas últimas épocas foi o Benfica que lá chegou, tendo o AS Mónaco fracassado. A França teve sempre um par de equipas na fase de grupos, aspeto em que foi sempre acompanhada de mais um país – este ano são os Países Baixos, no ano passado foi a Escócia e há dois anos a Ucrânia. Ora isto poderia prefigurar a conclusão de que o futebol português é a quinta potência europeia em termos de clubes, mas depois esbarra de cabeça com a nossa queda nos rankings, motivada pela incapacidade da nossa segunda linha acompanhar os resultados dos mais fortes e de ir somar pontos à Liga Europa e à Liga Conferência. Podemos queixar-nos à vontade de alguma injustiça na forma como os rankings são elaborados, mas ainda ontem, no Futebol de Verdade, voltei a dizer que aquilo é tão mal feito que não pode ser de propósito, que há ali a intenção política de valorizar os contributos de equipas de segunda linha, quanto mais não seja para se combater a hegemonia interna dos clubes grandes, castigando as Ligas que não favorecem a competitividade – como é o caso evidente da nossa – e impedindo que esses grandes sejam tão avassaladores que comecem a pensar apenas no panorama internacional e na criação de uma Superliga. Visto isto, podemos entreter-nos a discutir se com a centralização dos direitos audiovisuais e uma maior igualdade na distribuição da receita não estaremos a prejudicar a capacidade dos nossos grandes serem competitivos na divisão de topo – e acho que a médio prazo não acontecerá –, mas essa é uma guerra de alecrim e manjerona, porque a não ser que ataquemos esse problema já, a porta de entrada ficará tão estreita que não caberemos nela. Depois, contudo, é que vem a parte complicada, que é convencer os nossos clubes de que há vida na Europa do futebol para além da Liga dos Campeões. Porque muitos continuam a ser afastados por adversários de menor potencial, menor orçamento e menor qualidade. É por manifesto desinteresse. E se isso se vê tudo na radiografia, há que ter consciência para que não acabe por surgir tudo na autópsia.
O drama de A Bola. O jornal A Bola, que me animava os serões em termos de leituras durante a infância – líamos, eu e o meu pai, em voz alta, um parágrafo cada um, à vez... –, está a viver um período particularmente complicado, havendo até notícias de propostas de rescisão para quase metade dos seus trabalhadores. Há, aqui, duas componentes importantes para mim, que nunca lá trabalhei mas conheço pessoalmente muitos dos potenciais afetados. Uma é a manifestação de solidariedade para com os profissionais que foram vendo as suas condições de trabalho degradar-se ao longo dos anos e que agora verão o desemprego como única saída para um problema do qual não são os principais responsáveis. Ainda me lembro de ir ao terreno como jovem repórter e de toda a gente ficar num silêncio misto de respeito e admiração no momento em que chegavam os jornalistas de A Bola. E esta memória conduz-me à segunda conclusão, que é mais uma acha para a fogueira da falência do modelo de negócio em que se deixou cair o jornalismo – e mais o desportivo. Apesar da degradação gradual de qualidade que deixou acontecer-lhe nos últimos 30 anos, A Bola tem uma marca, um acervo e um historial que lhe permitiriam ser a ponta-de-lança da retoma no momento em que se libertasse das algemas que a aprisionavam e que a afastavam do jornalismo em direção ao viralismo. Aparentemente, depois de fazer contas, quem gere terá concluído uma coisa que já todos sabemos. Que há dois caminhos, que o jornalismo custa dinheiro e que é mais barato apertar ainda mais o garrote que ele tem ao pescoço para acabar de o estrafegar, de forma a substituí-lo de vez por coisas giras, fofas ou revoltantes em que as pessoas cliquem e que qualquer estagiário não remunerado pode descobrir nas redes sociais. Tenho pena. De verdade.