Uma equipa de homens
As quatro vitórias do SC Braga na caminhada até à fase de grupos da Liga dos Campeões são fruto de uma aposta clara. O que Artur Jorge tem é uma equipa de homens feitos.
O SC Braga conseguiu ontem, em Atenas, a sua terceira qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões, garantindo que pelo terceiro ano consecutivo Portugal terá três clubes em prova até ao Natal. E se contra o TS Backa Topola a coisa não chegou sequer a ser renhida, os dois desafios contra o Panathinaikos mostraram qual é a maior arma da equipa comandada por Artur Jorge. É uma equipa de homens feitos, capazes de impor a sua lei no faroeste que é um campo de futebol, independentemente dos ambientes adversos, dos petardos e dos raios laser a eles apontados. O SC Braga ganhou os dois jogos aos gregos (2-1 em casa e 1-0 fora) apesar de, na soma de todas as situações criadas nos 180 minutos, ter saído em desvantagem no índice de golos esperados (xG), de 2,80 para 3,11 (dados do FlashScore). Esta eliminatória mostra os méritos da aposta na experiência feita por António Salvador a partir da noção de que é importante ter gente que já saiba como as coisas correrão, que reaja de acordo com o que lhe dita a memória e não o improviso. Nos 16 jogadores que levou ao campo ontem, o SC Braga somava 89 internacionalizações por três seleções diferentes, divididas entre Fonte (50), Pizzi (17), Bruma (9), Ricardo Horta (9), Abel Ruiz (2), Zalazar (1) e Paulo Oliveira (1). E, mesmo sem contar com os quatro desafios desta época, acumulava 99 partidas de Champions, entre as 51 de Pizzi, as 25 de Bruma, as 12 de Fonte, as nove de Paulo Oliveira e as duas de André Horta. A estes números haverá ainda a juntar os de João Moutinho (146 jogos na seleção e 71 na Liga dos Campeões), não inscrito nesta fase da competição por ter acabado de chegar, mas já no relvado a festejar com os companheiros e disponível para o futuro próximo. Em Atenas, o SC Braga mostrou ao que vem, evidenciou que é uma equipa de homens feitos, experientes, conhecedores das realidades mais exigentes. Nas próximas semanas se verá se há um preço a pagar, porque se são mais experientes serão também menos capacitados para o ritmo louco que terão de imprimir à época, com dois jogos de elevada exigência por semana e sem terem a vantagem do adiamento de que beneficiaram agora. Na Champions, todos os adversários serão de topo, mas a Liga Portuguesa também não está para brincadeiras, como o próprio SC Braga percebeu nos dois jogos que já fez, a derrota em casa com o FC Famalicão e a vitória de virada no final em Chaves. O grupo à disposição de Artur Jorge é bastante extenso, parece ter pelo menos duas opções da mesma qualidade para todas as posições – talvez com a exceção da baliza e da lateral direita, sendo que à esquerda nenhuma das possibilidades se mostra particularmente excitante –, mas a própria noção de rotatividade a que o calendário obrigará o plantel é desafiadora. A festa do apuramento, fundamental até para garantir a fluidez da receita e a capacidade para pagar um plantel seguramente mais caro do que o habitual, dará imediatamente lugar à preocupação nascida da elevada cadência de compromissos. Domingo vem aí o Sporting e a exigência inerente à construção deste grupo implica que seja jogo para ganhar. Caso contrário, caberá ao SC Braga começar a encarar de frente aquilo que é a habitual realidade dos grandes, que é o travo amargo do falhanço que ali sempre foi relativizado.
Guedes e a contabilidade. As vantagens da contratação de Gonçalo Guedes pelo Benfica não são tão imediatas que se percebam ao primeiro olhar. O jogador está lesionado, como esteve em boa parte da segunda metade da época passada, que já passou na Luz, igualmente graças a um empréstimo do Wolverhampton WFC. É um craque reputado, o que naturalmente tem reflexos no salário que cobra e que será em parte suportado pelas águias. Por fim, apesar de ser um menino da casa e de a sua entrada ter sempre alguma componente emocional, vem para uma zona do campo em que o plantel de Roger Schmidt não está assim tão carenciado, implicando que jogadores que o Benfica teria mais interesse em valorizar, porque é dono dos seus passes, como Schjelderup ou Tiago Gouveia, baixem um lugar na hierarquia. É claro que Guedes pode ser útil, quando voltar a jogar. Afinal de contas, se já levou três clubes a pagar valores entre os 30 e os 40 milhões de euros por ele não há-de ser por ser fraco. Trata-se do autor do golo que deu a Portugal a vitória na final da Liga das Nações de 2019, de um atacante que pode jogar em qualquer das quatro posições da frente no esquema de Schmidt – e nisso é único. Ainda assim, a primeira ideia que fica é a do regresso a uma ‘realpolitik’ de mercado que era mais cara ao “vieirismo” do que à nova ordem de Rui Costa. Porque, assim de repente, o negócio satisfaz sobretudo as pretensões dos Wolves, que precisavam de emprestar – não era de vender, atenção... – jogadores neste mercado para cumprir as regras contabilísticas da Premier League. O clube da Fosun, hoje em dia o maior parceiro de Jorge Mendes, comprou Guedes ao Valência CF de Peter Lim – outro clube da órbita da Gestifute – há um ano, por 32,6 milhões de euros. Guedes assinou por cinco anos, o que significa que aqueles 32 milhões são amortizados e incluídos nos gastos dessas cinco temporadas à razão de seis milhões e meio por ano. Emprestando, os Wolves libertam os valores do salário nas contas de 2023/24. Caso vendessem, só compensaria fazê-lo por valores acima do que ainda falta amortizar, o que não é realista face à lesão do jogador. O que o Wolverhampton WFC ganha com o negócio está à vista de toda a gente. O que o Benfica vai ganhar se verá, seja no rendimento que Guedes venha a mostrar em campo ou em futuros negócios. Se precisarem, Luís Filipe Vieira explica.
O novo FC Porto. O FC Porto concluiu o mercado de entradas com a apresentação de Sanchez, o lateral mexicano que vem emprestado pelo Ajax, e a conclusão do negócio Ivan Jaime, que chega do FC Famalicão. São mais dois passos para a transformação do futebol da equipa, que tão pobre tem sido nas primeiras semanas da nova época. Com Jaime – de Sanchez se verá se consegue entrar no onze –, mas também com Nico González e Pepê assumidamente mais à frente, os dragões ganham em criatividade o que perderam em capacidade defensiva ou na exploração da vertigem e do ataque à profundidade nas saídas de Uribe e Otávio. Varela, que está ainda nas boxes à espera de experimentar a camisola, poderá ser igualmente importante num ‘extreme make-over’ que terá de ser feito em andamento mas do qual a equipa precisa mesmo, como tentei demonstrar no Futebol de Verdade Report (que pode ver aqui). Vão ser uns meses interessantes no Dragão.