Os culpados no Sporting
Há quem crucifique o treinador, que não muda e não quer um ponta-de-lança. Há quem aponte ao diretor desportivo, por não ter substituto para Matheus. E quem culpe o presidente, por tê-lo vendido.

A busca por culpados quando os resultados desportivos não satisfazem a sede ganhadora dos adeptos é comum a todos os clubes – e o treinador aparece sempre como maior suspeito. Ainda ontem, Sérgio Conceição disse que assumia a responsabilidade por uma primeira parte apática dos seus jogadores, na qual claramente eles não cumpriram o plano que levaram para dentro do campo, que esta época exige do FC Porto máxima intensidade para compensar a perda de criatividade. No Sporting, que tem acumulado maus resultados, Rúben Amorim vai mais longe. Diz que é o responsável, como é evidente, e assegura que não vai mudar as ideias que conduziram os leões a esta situação, na qual têm apenas quatro pontos ao fim de quatro jornadas. Mas afinal, quem é que está a falhar no Sporting? É o treinador? São o presidente e o diretor desportivo? São os jogadores?
Há neste momento duas convicções populares erradas acerca de Rúben Amorim. A primeira é a de que ele não muda. Que não tem aquilo a que os adeptos adoram chamar um “Plano B”. Pois eu acho que ele muda até demais, mesmo que mantenha uma estrutura inamovível (o 3x4x3) desde o dia em que começou a treinar, preferindo mexer com os jogos alterando os jogadores que ocupam as diversas posições dessa estrutura imutável. Amorim mudou demais, por exemplo, no jogo com o GD Chaves, no qual Inácio foi central esquerdo, central direito e central do meio, Coates foi central do meio e ponta-de-lança, Trincão foi avançado móvel e ala direito... E nada disto favorece a tranquilidade de uma equipa à qual se exige cabeça fria – a responsabilidade mais direta de Amorim no mau resultado de sábado está aí, nas mudanças precipitadas que foi fazendo.
Curiosamente, muitos dos que sancionam a culpa de Amorim por não mudar são os mesmos que insistem em rejeitar a grande mudança feita esta época pelo treinador, que de acordo com eles insiste em “jogar sem um ponta-de-lança”. E alegam que o problema está aí, como se essa fosse a única forma de meter a bola nas redes. Não é. Muitas vezes não é sequer a mais aconselhável. O melhor marcador do Sporting que foi campeão em 2020/21 foi Pedro Gonçalves, que não é “um ponta-de-lança”. Mesmo já nesta época, tal como vos recordei na crónica da derrota contra o GD Chaves, o Sporting marcou seis golos nos primeiros 180 minutos de jogo, 120 dos quais com a frente de ataque móvel que os especialistas de bancada culpam por todos os males e 60 com Paulinho, que também não é o jogador mais canónico para jogar ali, não marcando depois nenhum nos 180 que se seguiram, onde de facto jogou com essa mesma frente de ataque móvel.
Sei que a amostra não é particularmente extensa, mas devia ainda assim ser suficiente para nos fazer pensar: será que o problema é o ponta-de-lança? O que mudou dos primeiros 180 minutos para os 180 que se seguiram? Se responderam: “saiu Matheus Nunes”, acertaram. O problema do Sporting não é a ausência de um ponta-de-lança. É que sem Matheus Nunes a equipa se tornou demasiado redundante naquilo a que chamei “small ball”. É tudo muito curto, muita bola no pé, pouca bola no espaço. Não há quem seja disruptivo na ideia de base e isso reflete-se na forma como a equipa deixou de ser capaz de explorar os espaços vazios, como encontra sempre adversários bem posicionados quando se aproxima da área, condenando ao fracasso as inúmeras tentativas de cruzamento que vão sendo feitas. “Então e resolver isso não compete ao treinador?” Claro que sim. E é aqui que começamos a entrar na realidade do Sporting, de um Sporting que Amorim já disse que está a trabalhar para ficar bem em todos os parâmetros, mesmo que episodicamente tenha de sacrificar os resultados desportivos.
Até aqui, o Sporting tinha sido sempre previdente na forma de encarar o mercado com um plantel curto. Só vendeu Palhinha depois de dar nove meses no plantel a Ugarte. Contratou Edwards a seis meses de perder Sarabia. E esta época foi buscar Morita, ao que tudo indica para poder fazer face à futura perda de Matheus Nunes. Esta, no entanto, aconteceu cedo demais, antes que o japonês pudesse rotinar-se na equipa, antes que pudesse perceber-se se os miúdos que por lá estão podem ou não servir de alternativas um patamar acima e surgir como aspirantes a uma vaga. O problema, aqui, não é o plantel ser curto – o plantel curto é uma convicção na qual assenta este projeto do Sporting. Queixar-se de que o plantel é curto e depois vangloriar-se da projeção que foi atingida por jogadores como Nuno Mendes, Gonçalo Inácio, Matheus Nunes ou até Tiago Tomás é uma contradição gritante. Se o plantel não for curto, estes miúdos não crescem, não aparecem, porque haverá sempre muita gente à frente deles. Portanto, repito, o problema, aqui, não é o plantel ser curto. O problema, aqui, é que fica mais ou menos claro que houve duas formas de olhar para a questão, uma no balneário e outra nos gabinetes da administração.
Rúben Amorim não preparou um onze para jogar sem Matheus Nunes nem um grupo com a profundidade suficiente para encaixar a sua partida e só ele saberá as razões pelas quais o não fez, se foi porque lhe disseram que o jogador não sairia ou porque essa foi a forma que encontrou de pressionar para que ele ficasse. Hugo Viana, o diretor desportivo, não tinha um substituto pronto para entrar no dia em que Matheus acabou por sair e também só ele saberá por que razão isso aconteceu – se foi o scouting que falhou, se foi o treinador que não o quis, ou se foi ele que não pôde fechar negócios identificados. Frederico Varandas, o presidente, não percebeu que, a cinco dias de um clássico com o FC Porto, ponto alto de um arranque de época exigente, a equipa de que é principal responsável não estava preparada para perder aquele elemento em específico e aceitou uma transferência abaixo da cláusula de rescisão que, por isso mesmo, podia rejeitar. E também só ele saberá por que razão vendeu, se foi para responder a necessidades básicas – o que é estranho, tendo em conta que o saldo deste mercado já ia em 36 milhões de euros de lucro e vinham aí os milhões da Liga dos Campeões –, se foi para cumprir uma promessa a Jorge Mendes ou se foi para poder recomprar as VMOC e ficar com maioria esmagadora no capital da SAD. Não acho, de todo, que os presidentes devam andar a falar e a justificar opções por tudo e por nada, mas esta é uma questão fulcral que já devia ter merecido um esclarecimento.
Enquanto isso não acontecer, ninguém pode, aqui de fora, dar palpites acerca de quem teve a culpa. Mas uma coisa me parece evidente. Mesmo que depois Amorim se tenha apercebido de que se esticou ao falar da saída de Matheus Nunes e já tenha submetido publicamente a importância dos resultados de uma época à solidificação do projeto, o Sporting não foi em todo este processo um clube onde, para utilizar as palavras do treinador antes do jogo com o GD Chaves, “toda a gente pensa da mesma maneira”. E foi isso, mais do que a falta de um ponta-de-lança, que mudou do ano do título para agora.