A prova dos nove
Os nove adversários das equipas portuguesas na Liga dos Campeões deixam que seja possível pensar num pleno nacional nos oitavos-de-final. O que seria inédito e extraordinário.
Há uma relativa novidade saída do sorteio da Liga dos Campeões de ontem, em Istambul: as três equipas portuguesas saíram de lá com a nítida sensação de que, pela primeira vez na história, todas podem sair vivas da fase de grupos. E quando a sensação se conforta com as previsões de sites credenciados na análise de dados, como o norte-americano FiveThirtyEight, ficamos todos com a sensação de que podemos estar à beira de um feito histórico. Agora o que é preciso é que FC Porto, Sporting e Benfica olhem para as equipas das Big Five que lhes calharam em sorte com o descaramento de quem não lhes fica a dever dentro de campo o que lhes invejam fora dele: o dinheiro investido nos planteis. O futuro próximo do futebol nacional depende muito disso – e ainda do que fizer o SC Braga na Liga Europa, cujo sorteio decorrerá hoje.
Entre os nove adversários dos portugueses na Champions, só um parece inacessível – o multi-bilionário Paris Saint-Germain das estrelas, que coube em sorte ao Benfica. Os encarnados bater-se-ão com a Juventus pela outra vaga, digamos assim, acessível, cabendo aos três ainda a tarefa de não desperdiçarem pontos com o Maccabi Haifa, claramente fora das contas da qualificação. O FC Porto volta a ter pela frente o Atlético Madrid, com o qual se tem batido bem, ganhando umas vezes, perdendo outras e empatando a maioria, mas está também num grupo com três candidatos, no qual o Bayer Leverkusen terá as suas opções e o FC Bruges, sendo o concorrente mais fraco, é mais forte do que os israelitas e não entra derrotado. Por fim, ao Sporting coube o grupo mais aberto da Champions, aquele em que qualquer das quatro equipas parece ter chances reais de apuramento, com o cabeça-de-série mais fraco – o Eintracht Frankfurt – mas a equipa mais forte do Pote 4 – o Olympique Marselha – e o Tottenham a compor o ramalhete.
Para o FiveThirthyEight, o tal site norte-americano especializado em análise de dados, as três equipas portuguesas devem apurar-se. Ao FC Porto é dada uma probabilidade de sucesso de 64 por cento, ao Benfica de 62 por cento e ao Sporting de 61 por cento. Pode consultar toda a tabela aqui, mas ainda lhe digo que os dragões aparentam 34 por cento de chances de ser primeiros no grupo – e uns extraordinários cinco por cento de chegar à final – enquanto que o Sporting surge com 30 por cento de chances de ser primeiro e o Benfica apenas com 16 por cento, fruto do tal acasalamento com o PSG. Por fim, os americanos consideram ainda que o FC Porto tem 14 por cento de possibilidades de ficar fora até da Liga Europa – o que acontece a quem terminar a fase de grupos em quarto lugar. As chances de insucesso total do Sporting são colocadas nos 15 por cento e as do Benfica em apenas cinco por cento – e aqui é o fator Maccabi a contar.
Fiquei surpreendido com estes números, porque todas as equipas portuguesas calharam em grupos que têm pelo menos duas ou, no caso do Sporting, até três equipas das Big Five, as cinco mais poderosas Ligas da Europa. E isso depois reflete-se nos seus valores de mercado. Se mudarmos agulha para o Transfermakt, o portal alemão especializado em mercado, vemos que FC Porto, Sporting e Benfica não têm, em nenhum caso, um dos dois planteis que mais valem nos seus grupos. O FC Porto está creditado em 244 milhões de euros, mas enfrenta um Atlético Madrid que vale 665 milhões, um Leverkusen avaliado em 452 milhões e só fica bem à frente do FC Bruges (138 milhões). O Benfica passou a ser a equipa mais valiosa de Portugal com o acrescento do valor de mercado de Aursnes, recentemente contratado, mas mesmo os 257 milhões que vale o grupo dos encarnados ficam muito aquém dos 899 milhões do PSG e dos 518 milhões da Juventus, batendo apenas os 18 milhões – sim, leram bem – do Maccabi Haifa. Por fim, com os seus 216 milhões de valor de mercado seriamente afetado pela saída de Matheus Nunes, o Sporting é mesmo a equipa menos valiosa do seu grupo, atrás dos 697 milhões do Tottenham, dos 284 milhões do Olympique Marselha e até dos 228 milhões do Eintracht Frankfurt.
A atenção ao valor de mercado deve ser a razão pela qual, em avaliações mais baseadas em meros palpites do que em elaborados algoritmos, a imprensa internacional não dá os nossos clubes em boa posição. Os jornais ingleses, por exemplo, fazem sempre previsões nesta altura e só acreditam na passagem do FC Porto, que obviamente tinha a vida facilitada por estar no Pote 1 do sorteio. O Guardian aposta mesmo nos dragões a ganharem o seu grupo – com o Atlético Madrid em segundo – mas manda depois Sporting e Benfica para a Liga Europa, para seguirem em frente Tottenham e OM num caso e PSG e Juventus no outro. O Telegraph, por sua vez, inverte as posições de FC Porto e Atlético Madrid – dá os espanhóis na frente – mas ainda apura os dragões, apostando depois em Tottenham e Eintracht Frankfurt no grupo do Sporting e em PSG e Juventus na pool do Benfica e concedendo também os terceiros lugares às equipas de Lisboa.
As tarefas de FC Porto, Sporting e Benfica não serão fáceis e exigirão concentração máxima e competência permanente. E, além disso, a noção de que não há uma barreira intransponível entre as nossas equipas e as das cinco grandes Ligas. Foi isso que todas elas já mostraram em alguma situação do passado recente. Agora é preciso que a evidenciem todas em simultâneo. Porque os doze pontos de bónus obtidos pela presença das três equipas na fase de grupos são uma forte ajuda, mas ela será irrelevante se daqui para a frente nos remetermos ao papel de parentes pobres da Champions e os neerlandeses, que têm duas equipas na Liga Europa e uma na Liga Conferência, continuarem a somar vitórias em campo.