Não sei, nem ouvi falar
A seleção trabalha sem manchetes, a Champions feminina arrancou sem alarido e os clubes de média dimensão mudam de treinador sem que o público disso se aperceba. Não serve de nada culpar as moscas.
Portugal joga hoje (19h45, RTP1) o nono desafio da fase de qualificação para o Europeu de 2024, visitando o minúsculo Liechtenstein em busca de vários recordes, desde o apuramento mais goleador de sempre ao primeiro pleno de vitórias – que no entanto ainda precisa do jogo com a Islândia, em Alvalade, no domingo, para se concretizar. Isso faz com que a coisa passe mais ou menos despercebida: da seleção, em Portugal, fala-se até ao dia em que Martínez lê aqueles mesmos 24 nomes que lhe gastaram a memória do tablet e só para se dizer que por lá faltam o Fulano e o Sicrano. O resto, ou é demasiado chato de debater – o caso das variações táticas consoante a equipa defende ou ataca – ou está tão controlado que até aborrece, como se passou com a qualificação, que no nosso caso só emociona quando precisamos de sacar da calculadora. Da mesma forma, passou em Portugal completamente despercebido o início da fase de grupos da Liga dos Campeões feminina – e não sei se posso sequer referir-me à competição assim... O Benfica foi jogar com o FC Barcelona de Putellas e Bonmati, as vencedoras das três últimas Bolas de Ouro, que marcaram dois golos cada uma nos 5-0 do Mini-Estadi, que agora se chama Johan Cruijff. A coisa passou também ao lado da atualidade, que de futebol feminino, aqui, só se fala em manifestos políticos para se defender a justa causa da igualdade de direitos ou então quando a coisa mete novelas e beijos forçados. O FC Barcelona-Benfica foi o segundo jogo com mais espectadores nesta ronda de abertura da Champions, mas foram apenas 4500, número superado pelos 13.100 que foram ver o Ajax-Paris Saint Germain de quarta-feira, à Arena curiosamente também chamada Johan Cruijff, em Amesterdão. É fácil virmos agora dizer que a culpa é das televisões e dos jornais e é até possível reforçar essa ideia vendo a cobertura que, por exemplo, a imprensa inglesa e espanhola fez do acontecimento, dando-lhe em dia de jogo um destaque semelhante ao que é dado aos desafios da Champions masculina – mas esquecendo-se dessas equipas e jogadoras em todos os outros dias, o que prova que o destaque é programático e não genuíno. Alguém decretou: “é preciso dar gás a isto”, quase como se uma eventual comissão para a decência na cobertura de eventos desportivos patrocinasse aqueles que têm menos alcance orgânico. A existir, essa comissão forçaria os media portugueses a dedicar tempo, e espaço, e meios às saídas de Filipe Martins do Casa Pia e de Daniel Ramos do FC Arouca em vez de os deixar a gravitar em torno das dúvidas de Roger Schmidt, do futuro de Rúben Amorim ou da relação entre Pinto da Costa e os Super Dragões. Estamos ainda muito longe disso e não serve de nada culpar as moscas. A grande batalha, da seleção, do futebol feminino, dos clubes de menor dimensão, é a da criação de interesse. Não é nos jornalistas. É em vós. No público. E não estão a ganhar.
Ligar o talento. Quando recebi o mail com o estudo semanal do Observatório do Futebol, este destinado a definir quem estão a ser os jogadores mais criativos do futebol mundial, e vi que a tabela era liderada por Ousmane Dembelé, lembrei-me da entrevista que o extremo que o PSG resgatou em Barcelona no início da época dera na semana passada ao L’Équipe. “Marcar e jogar mal não me interessa”, disse. “Podes não marcar e jogar na mesma muito bem, mas em 2023 só contam as estatísticas”, completou. Pois bem, são as estatísticas que definem que Dembelé é o criativo mais decisivo do futebol mundial neste momento, superando Leroy Sané e Nico Williams num índice que contabiliza passes para finalização e assistências esperadas e os pondera com o grau de dificuldade dos jogos em que foram conseguidos. O primeiro entre os jogadores da Liga Portuguesa é Marcus Edwards, que aparece mesmo a fechar o Top20 e me deixa as mesmas sensações de Dembelé: um talento imenso, tantas vezes desligado. Pode ser uma questão de personalidade, embora Dembelé seja um tipo extrovertido, exatamente o contrário de Edwards, tantas vezes fechado no seu Mundo. Mas são jogadores que estão a um clique de se tornarem verdadeiramente decisivos. Assim haja quem os ligue à corrente e lhes dê consistência.
Sim, senhor ministro. Vamos saber hoje se o Conselho Superior do FC Porto deixa ou não cair a proposta de alteração estatutária que queria ter feito passar na Assembleia Geral da última segunda-feira. Não é preciso estarmos manipulados pelos interesses do centralismo de Lisboa para percebermos que o alcance da mais falada das medidas desta revisão, a exigência de dois anos de sócio, pelo menos um dos quais como sénior, para se votar, era dificultar a vida aos recém-chegados ao universo do clube, favorecendo soluções de continuidade. Pode nem ter sido o objetivo, mas era o resultado. Deixar cair a alteração agora, por ter ficado evidente que uma das formas de favorecer a continuidade – a pressão exercida pelo braço armado nas AG – foi muito além dos limites do aceitável, é conduzir a perceção geral no sentido da existência de uma tentativa premeditada de condicionamento. A ver isto sinto-me quase num episódio da extraordinária série “Yes, Minister!”, na qual todas as medidas, por mais insignificantes que nos parecessem, tinham uma segunda e uma terceira leituras. Mas depois lembro-me que no “Yes, Minister!” não havia empurrões escadas abaixo.
Marinakis, o salvador. O Rio Ave tem sido um exemplo de coerência e estabilidade no futebol português, porque nunca perdeu as referências, e até aceito que me digam que isso não o deixou num lugar fantástico, porque esteve nas últimas janelas de transferências impedido de inscrever jogadores e tem uma dura luta pela frente para garantir a manutenção. O clube prepara-se agora para converter a sua SDUQ em SAD, de modo a acolher um investidor externo – e o nome que já se apresenta é o de Evangelos Marinakis, dono do Olympiakos e do Nottingham Forest. Sempre fui contrário à ideia da multi-propriedade de clubes por parte dos mesmos investidores e isso é o ponto de partida para as reservas que coloco na oportunidade que se apresenta ao Rio Ave. Mas acresce a isso que o passado de Marinakis não o recomenda como solução estável a ninguém. Na Grécia é impossível ser dirigente de um clube e manter o equilíbrio? Talvez. E tendo em conta aquilo que já se viu, por exemplo, a Ivan Savvides, o presidente do PAOK, que foi ao ponto de entrar em campo armado para confrontar o árbitro de um jogo com o AEK, as acusações de corrupção que chegaram a impender sobre Marinakis são coisa de meninos. Mas a forma como tem sido feito o mercado do Nottingham Forest desde que o grego lá chegou só diz uma coisa a seu favor: conseguiu a manutenção. Ainda que para tal tenha gasto 200 milhões de euros numa camioneta de reforços. Esta época ficou-se pelos 120 milhões e “só” contratou 14 jogadores, mantendo mesmo assim a forma de estar mais volúvel do que constante. Portanto, se o que o Rio Ave procura é dinheiro, Marinakis pode ser o homem – falta saber se ele quer investir aqui. Mas se o que busca é a manutenção da forma equilibrada e coerente que tem sido a do clube nos últimos anos, este é um tiro completamente ao lado.
Discordo quando diz que o Rio Ave e um clube estável e coerente...Era ate a saida do Miguel Ribeiro para Famalicao (curiosamente marido da actual presidente do Rio Ave). Ele era o cerebro do projecto que resultou em feitos nunca antes alcancados e na venda de jogadores com uma super parceria com Mendes que agora esta em Famalicao. A partir da sua saida o Rio Ave entrou num caos desportivo com uma descida e com contas assustadoras, um passivo inacreditavel em 2 anos e o desespero da actual presidente em formar SAD. Vai a votacao sem sequer apresentar o projecto aos socios ou qualquer esclarecimento previo.