Os donos da bola: Portugal (2023)
A entrada do QSI no SC Braga e a quase consumada chegada do V Sports ao Vitória SC abrem a porta do futebol português ao grande capital internacional. Como estão os nossos clubes profissionais?
A época de 2022/23 trouxe algumas novidades no que respeita à orgânica das SAD no futebol em Portugal. Primeiro, porque assistimos à entrada de um grande grupo no capital de uma das equipas com mais visibilidade e responsabilidades, no caso os qataris do QSI (Paris Saint Germain), que assumiram uma parcela minoritária no SC Braga e abrem as portas do futebol nacional ao grande capital. Depois, porque, até em função do cada vez mais possível regresso do Belenenses às competições profissionais, estamos à beira de ver resolvido o berbicacho em volta da B SAD e do clube, com a junção daquela ao CD Cova da Piedade e a hipótese de deslocalização para a margem sul. Não foi o primeiro caso – já tinha havido, ainda que pouco falada, a tomada de posição do Estrela da Amadora no Sintra Football – nem será o último, pois já se prepara um caso semelhante entre o Vilafranquense e o CD Aves. Por fim, porque vem aí um novo regime jurídico para as sociedades desportivas, uma tentativa de antecipar através da legislação casos que acabaram em rotura, falência a até extinção de coletividades centenárias.
A compra de grandes clubes em Portugal seria relativamente fácil e barata para investidores externos se eles estivessem à venda. Acaba por ser a renitência dos adeptos a impedir que o grande capital entre de rompante pelo futebol nacional, dividindo os clubes em três grupos: os grandes, que têm investidores importantes mas onde os sócios não querem sequer ouvir falar na perda de controlo; os de média dimensão, que até podem sonhar com presenças nas provas da UEFA, mas que não atraem senão investidores que não estão disponíveis para ali colocarem dinheiro suficiente para fazer verdadeiramente a diferença; e os pequenos, cuja luta pela sobrevivência passa muitas vezes pela alienação da maioria do capital por valores que não chegariam para comprar o passe de um dos seus jogadores titulares, e que ao mesmo tempo colocam o futuro em sérias dúvidas, porque nunca se sabe muito bem quais serão as intenções de quem vem do lado de lá. O SC Braga, que não terá a dimensão dos três grandes mas esta época até está a ser capaz de se meter entre eles na tabela da I Liga, é um caso de especificidade, porque atraiu o interesse do QSI, o fundo qatari que é dono do Paris Saint-Germain, mesmo não lhe dando controlo total – ainda que o próprio clube também não tenha esse controlo. Mais casos se seguirão, com a tomada de posição do VSports, dono do Aston Villa, no Vitória SC já em agenda.
Se olharmos para os 18 clubes que competem na I Liga, é curioso verificar que metade – nove – ainda mantém controlo sobre pelo menos 51 por cento do capital das empresas que lhes gerem o futebol, sejam Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) ou Sociedades Desportivas Unipessoais por Quotas (SDUQ). Sendo que, por lei, para jogar nas competições profissionais, um clube tem de estar organizado em SAD ou SDUQ. Mais curioso ainda é verificar que, desses nove clubes, só cinco ocupam lugares na primeira metade da tabela, sendo três deles o Benfica, o FC Porto e o Sporting. Os outros casos são os do Vitória SC, que no entanto aprovou já a venda de parte significativa do seu capital ao milionário egípcio que é dono do Aston Villa, e o FC Arouca, que ainda é uma SDUQ e vive da associação à família Pinho. Mas atenção que o QSI ou o VSports não são os únicos “donos” de clubes portugueses com investimento partilhado em clubes de outros países, dos quais já vos falei em anteriores episódios dos Donos da Bola. Há muitos outros casos, de Gérard Lopez a Robert Platek, com passagem por Idan Ofer ou pela muito cosmopolita MSP Sports Capital.
A acompanhar com muita curiosidade estará a implementação do novo regime jurídico das sociedades desportivas, que já foi aprovado. Manter-se-á a obrigatoriedade de constituição de uma SAD ou de uma SDUQ para participar nas competições profissionais, mas o Governo pretende garantir uma maior regulação no setor, de forma a evitar os processos de extinção, insolvência ou dissolução por que já passaram muitas SAD, criando berbicachos como os da luta entre o Belenenses e a B SAD ou o que se aproxima entre o Vilafranquense e o CD Aves. Nos 34 parágrafos que se seguem pode ficar a conhecer a estrutura societária dos 18 clubes da I Liga portuguesa e ainda dos 16 que competem no segundo escalão – onde o Benfica B e o FC Porto B escapam, pois pertencem às SAD que estão na competição principal. E a II Liga também já tem sido alvo de negócios interessantes, como a recente entrada do grupo que controla o Yokohama FC no capital da Oliveirense. Fique, então, com a atualização do capítulo da série Donos da Bola dedicado aos clubes de Portugal.