O maior espetáculo do Mundo
Há dois portugueses em condições de vencer o Brasileirão, mas isso, face à confusão no topo da classificação, é um detalhe que nem vem ao caso. Há seis possíveis campeões e faltam quatro jornadas.
O futebol tem a capacidade de nos deixar sempre entre dois mundos, de nos permitir arrasar uma equipa que perde por incompetência uma vantagem gigantesca, como aconteceu com o Botafogo, e depois elogiar a brutal competitividade de um campeonato, como a atual Série A do Brasileirão, onde a quatro jornadas do fim há seis emblemas a lutar pelo título e com reais hipóteses de o conquistar. Tanto se me dá se os dirigentes são inconstantes, se os jornalistas são maioritariamente moldados pela bitola do sangue à frente do cérebro, coração antes da razão, se Abel Ferreira veste com regularidade aquela capa meio sobranceira de evangelizador e dá respostas infindáveis, entre o coaching de auto-conhecimento e o sermão de missionário colonizador, para depois deixar escapar que está cansado daquilo tudo. Tanto se me dá que já só sobrem três dos oito treinadores portugueses que começaram a temporada: o que está ali montado é o maior espetáculo do Mundo e a razão pela qual o futebol é este fenómeno de massas capaz de nos apaixonar. O Palmeiras de Abel, campeão em título, tem 62 pontos e o calendário mais acessível, com saídas a Fortaleza e a Belo Horizonte, numa última jornada que pode bem ditar a despromoção do ainda aflito Cruzeiro agora assumido por Paulo Autuori e que por isso se tornará provavelmente mais complicada do que parece hoje. O Botafogo tem 60 e um jogo a menos, a deslocação a Fortaleza. Se, já com Tiago Nunes aos comandos – quinto treinador da época – o “Fogão” ganhar no Nordeste, volta a ser líder, o que é notável depois de seis jogos sem vitórias – dois empates e quatro derrotas. Seguem-se o Grêmio e o Bragantino com 59, ainda que a equipa da Red Bull, liderada pelo português Pedro Caixinha, também tenha um jogo a menos, a visita ao Rio para jogar com o Flamengo, que tem 57 e, depois de aviar o Palmeiras com um rotundo 3-0, já perdeu no desafio com o Fluminense uma oportunidade dourada para reentrar na luta com mais peso: o jogo deu empate a um golo. Pelo meio, também com 57 pontos, ainda está o Atlético Mineiro de Scolari, que no entanto tem a seu favor a melhor segunda volta do campeonato, com 30 pontos ganhos. O calendário ainda vai dar-nos um Flamengo-Bragantino (dia 24), um Atlético-Grêmio (a 26), um Flamengo-Atlético (a 29) e um excitante Fluminense (vencedor recente da Libertadores) no papel de juiz-árbitro, já que visitará o Palmeiras (a 3 de Dezembro) e acaba em casa com o Grêmio (a 6). O nascimento permanente de craques em geração espontânea – este foi o campeonato do agora lesionado Vítor Roque e de Endrick – e o recuo geracional que nos é permitido a cada transmissão televisiva, com repórteres autorizados a entrevistar jogadores e treinadores nos relvados, dessa forma captando a emoção do acontecimento em vez da cartilha emanada da comunicação dos clubes, fazem destas últimas semanas de Brasileirão um espetáculo a não perder. Esqueçam lá a desorganização. Porque a organização teria sido o que poderia permitir ao Botafogo manter a vantagem extraordinária que chegou a ter, dessa forma transformando este campeonato num longo bocejo de 38 jornadas em vez deste turbilhão de emoções que vamos viver.
O maior desafio. A direção do FC Porto está metida num sarilho, porque não há forma airosa de sair do buraco em que se deixou cair. Tenha sido por desatenção, inação ou por ter perdido totalmente o controlo da máquina de pressão que é o seu braço armado, só lhe resta mesmo condenar os inaceitáveis incidentes de segunda-feira e esperar que eles não sejam cavalgados por quem quer uma nova ordem no clube. O que os “donos” da Assembleia Geral de segunda-feira conseguiram não foi dirigir o debate para o desfecho que – achavam eles – lhes convinha mais. O que eles conseguiram foi tornar inevitável que André Villas-Boas avance para eleições – e o ex-treinador já disse ontem que a apresentação da candidatura “é uma formalidade”. O que eles conseguiram foi dar argumentos a quem, dentro e fora do clube, acusa a direção de coação permanente. Não duvido que Pinto da Costa tenha a aura suficiente para controlar a máquina, se entender fazê-lo. Já todos vimos como, à ordem do presidente, transmitida pelo líder, Fernando Madureira, a claque se comporta de forma civilizada. Se for essa a vontade de Pinto da Costa, como estou convencido de que vai ser, os Super Dragões comportar-se-ão no retomar dos trabalhos como meninos de coro na catequese. Mas a mancha ficou. E superá-la até à data das eleições vai ser o maior desafio do presidente. Sobretudo se daqui até lá não puder anestesiar boa parte dos sócios com vitórias desportivas.
Daniel Ramos e o vírus-UEFA. Continuo a achar que o facto de uma equipa condicionar a pré-época às necessidades das rondas iniciais das provas da UEFA não tem necessariamente que se refletir em maus resultados. Mas sempre que a equipa-sensação de um campeonato se dá mal na época seguinte – e isso tem acontecido com frequência – lá vem a conversa do vírus-UEFA. Daniel Ramos, último classificado da Liga com o FC Arouca, deixou ontem o comando da equipa que conduziu nas preliminares da Liga Conferência, depois do quinto lugar obtido na época passada por Armando Evangelista. Há um ano e uma semana, também em início de Novembro, o Gil Vicente, que tinha sido quinto classificado com Ricardo Soares em 2022, anunciava a separação de Ivo Vieira, que também claudicara na Liga Conferência e seguia em 16º lugar da Liga. Há dois anos, depois de ter sido quinto classificado na Liga anterior, com Pepa, o FC Paços de Ferreira esperou até ao início de Dezembro para demitir Jorge Simão, que também ficara pelo caminho na UEFA e era 14º classificado no plano interno. Há três anos, depois de ter sido quinto com Carlos Carvalhal, o Rio Ave demitiu Mário Silva, que também tinha sido afastado da Liga Europa e seguia em 13º lugar do campeonato. “Não é possível fazer um bom campeonato quando se prepara as equipas para um início a abrir por causa das pré-eliminatórias europeias”, decretam as análises. Discordo e apresento o Benfica de 2022/23 como exemplo: Schmidt começou a abrir, porque a entrada na Champions era fundamental, teve mais dificuldades na ponta final da temporada, mas não deixou de ser campeão. E nestas dificuldades é que entra a verdadeira explicação: o Benfica da época passada não sofreu mais na segunda volta por exaustão ou má planificação, sofreu mais porque em Janeiro perdeu o seu jogador mais diferenciado, que era Enzo Fernández. O FC Arouca não está em último lugar da Liga por ter tentado apurar-se para jogar a Liga Conferência. Está em último porque, além de ter mudado de treinador – o que implica logo uma mudança de ideia –, entre o quinto lugar de Maio e o dia de hoje perdeu Opoku, João Basso, Soro, Alan Ruiz e Antony, tendo ainda Mateus Quaresma de fora por lesão de longa duração. São seis titulares. As equipas-sensação de um ano não sofrem no seguinte por apostarem na Europa. Sofrem porque perdem muito do seu potencial – treinadores incluídos – no mercado de Verão. Enquanto o nosso futebol não resolver essa questão e a UEFA continuar a ter as costas largas não vamos ter crescimento consolidado de projetos.