Já neva em Paris
O Benfica vendeu Neves ao PSG e recuperou Renato enquanto Sporting e FC Porto se preparavam para discutir a Supertaça, primeiro título nacional da época, e SC Braga e Vitória SC passeavam na UEFA.
Palavras: 4386. Tempo de leitura: 21 minutos.
João Neves já está em Paris, Renato Sanches volta por empréstimo de um ano ao Benfica. Há 60 milhões de euros a mudarem de mãos no processo, 70 se os objetivos forem cumpridos. Foi bom negócio? Foi mau negócio? Depende muito da perspetiva e, na maior parte dos casos, do lado da barricada em que está quem faz a avaliação – e tem piada que já li coisas absolutamente convictas num e no outro sentido. Na edição desta semana da Entrelinhas, a revista de atualidades que aqui começarei a fazer, sempre aos sábados, antes de almoço, tentarei ajudar-vos a tomar uma decisão acerca desse dilema, anteciparei a Supertaça, que hoje (20h15, RTP1) vai opor Sporting e FC Porto, mencionarei o que fizeram e o que espera os clubes portugueses já em prova nas competições europeias, falarei dos interessantes assomos de grandeza de algumas das nossas equipas de meio da tabela e ainda alargarei horizontes ao estrangeiro, seja para falar de mercado ou das estratégias de investimento de clubes, jogadores e acionistas. No final deixarei sugestões de leitura para lhe enriquecer o fim-de-semana e ainda levantarei um pouco do véu acerca do que vai passar-se aqui esta época – e, a propósito, há Lives explicativas do Futebol de Verdade agendadas para as noites de 7 e 8 de Agosto.
Ora vamos ao caso Neves. Paris está suspensa pelos Jogos Olímpicos, nas proezas de Simone Biles ou Léon Marchand, pela ofensiva política em torno do género de uma pugilista argelina, pelo que nem os jornais franceses deram assim grande destaque à transferência de João Neves, jovem médio do Benfica, para o Paris Saint-Germain, por uns 60 milhões de euros que podem ser 70 e ainda têm de ser oficialmente confirmados. São valores que, até ver, no mercado deste ano, só são superados pelos 62 milhões que o Manchester United pagou ao Lille OSC pelo ainda mais jovem Leny Yoro – o central francês é de Novembro de 2005, o médio português de Setembro de 2004. Em Portugal, no entanto, o futebol é omnipresente e as pessoas só se lembram de que há outros desportos de quatro em quatro anos, para se lamentarem que a Patrícia Sampaio, cidadã praticante de judo com que provavelmente se cruzaram algumas vezes nos transportes públicos sem fazerem a mais pequena ideia de quem era, tenha sido a primeira – e até agora única – atleta portuguesa a trazer uma medalha. Esta é a peculiaridade que explica que por cá não se fale de outra coisa a não ser de futebóis. Mas a este tema hei-de voltar em breve, que ele não se resolve numa semana nem num artigo de uma newsletter com limites claramente definidos.
“Neves foi mal vendido, porque o Benfica está de calças na mão”, dizem uns. “Não, foi mal vendido, sim, mas porque tinha mais quatro anos de contrato e isso vinha fortalecer a posição negocial de Rui Costa”, argumentam outros. “Não, esperem, foi mal vendido, é verdade, mas foi porque é mais uma prova da submissão do Benfica aos interesses de Jorge Mendes”, acrescentam os que não gostam de ver o super-agente metido nestes super-negócios. “Não, não, foi mal vendido, sim senhores, mas porque o Benfica aceitou a vinda de Renato Sanches por empréstimo”, somam ainda outros, escaldados com o que se passou nos últimos dois anos com Draxler e Bernat, dois jogadores que, tal como Renato, também vieram diretamente da enfermaria do PSG para os campos de treino do Seixal e, os dois somados, fizeram 25 jogos pelas águias. É que o Renato de 2015/16 seria muito bem-vindo, mas o Renato das últimas duas épocas será mais problema do que solução – completou 1164 minutos em campo em dois anos, no PSG e na AS Roma, pouco mais do que os 1013 de Draxler e Bernat nos dois anos de águia ao peito, mas tantos como os que João Neves jogou nos últimos dois meses e meio da época passada no Benfica. Que Renato aparecerá? As fontes dos jornais, aquelas fontes que pensam sempre primeiro nos seus interesses e nos dos que servem e só mais tarde nos interesses dos leitores, que em princípio são essa coisa complicada que se chama a verdade, já nos garantiram que Rui Costa exigiu ao PSG garantias de que Renato Sanches estará na “plenitude das capacidades físicas”. Valente! De antigos jogadores que agora comentam na TV já ouvimos que “o Benfica fica a ganhar com a troca” e que a equipa de 2024/25 será feita com “Renato e mais dez”. A mim parece-me que pode até haver uma boa surpresa, que o regresso ao ambiente onde se teve sucesso como adolescente às vezes faz milagres, mas não tenho as expectativas muito altas.
Mas voltemos a Neves, que era disso que estávamos a falar.
A julgar pelo que se lê no Twitter – e, com o devido desconto, o Twitter pode ser um barómetro interessante – este negócio de Neves quase podia motivar a destituição de Rui Costa, tão mau ele foi. E, no entanto, se formos aos jornais, o que se lê é o Nuno Vieira, em O Jogo, a falar de “um excelente negócio”, e o Bernardo Ribeiro, no Record, a explicar que foi um “bom negócio para todos”. O próprio Rui Costa falou do tema ontem, antes do jogo com o Fulham. “Adiámos durante muito tempo esta transferência, rejeitámos as primeiras propostas de forma clara, só que chegámos a números que tornaram a transferência inevitável. Verbas de 70 milhões de euros não são possíveis de abdicar”, disse o presidente. O problema, quando se avaliam as vendas feitas pelo Benfica – e em certa medida por todos os clubes portugueses – é que raramente se olha para a fotografia completa. Os que defendem que o valor é baixo não olham para as outras vendas deste mercado – os 60 (ou 70) milhões por Neves são mais do que a Juventus pagou por Douglas Luiz, do que o Bayern pagou por João Palhinha ou do que o Aston Villa pagou por Onana, só para mencionar os médios que tinham valor de mercado mais alto e se transferiram neste Verão. Não olham para o facto de João Neves ser um jovem de elevado potencial mas ficar regra geral curto quando se trata de participação ofensiva – em 75 jogos pelo Benfica fez quatro golos e duas assistências. O Benfica está de calças na mão? Tem de se submeter aos interesses de Mendes? Sim e sim. Poderia o Benfica ser intransigente com Neves, fazendo valer os quatro anos que ele tem de contrato, e com Mendes, forçando-o a esperar mais por este negócio? Sim, outra vez. Mais: em termos ideais devia tê-lo feito. Mas para isso teria de já ter consolidado uma política bem diferente da que pratica, uma política que não dependesse tanto das vendas inflacionadas que o mesmo Mendes consegue – quando lhe dá jeito a ele, é verdade... – e que os que agora vêm criticar aplaudem sempre. Mais, até as usam nas gabarolices privadas, quando se trata de provar aos amigos de outras cores que o clube deles é o único que tem nome internacional a ponto de justificar vendas milionárias.
Só que o mercado não funciona assim.
A política desportiva de que este Benfica é exemplo máximo em Portugal faz-se de vendas caras, de criação de mais-valias que depois se gastam em compras igualmente dispendiosas. E estes negócios tanto ajudam os nossos clubes a serem minimamente competitivos nas provas da UEFA – sem estes boosts, provavelmente, não seríamos presença tão regular nas fases a eliminar da Champions – como mais tarde se tornam um problema, quando se percebe que não há ninguém que leve daqui os excedentários quando eles são substituídos por outros sonhos no coração dos adeptos. Empolgam-se com o Arthur Cabral ou o Marcos Leonardo, que de repente já estão atrás do Pavlidis, que afinal este é que é melhor do que o Gyökeres. Provavelmente o Benfica poderia ter aguentado Neves se tivesse conseguido vender alguns dos jogadores que de repente percebeu que tem a mais. E vimos várias tentativas de mandar o barro à parede. “Neres só sai por 40 milhões”, li. Neres tem 27 anos, chegou ao Benfica por 15,3 milhões e, nas duas temporadas que tem de Portugal, foi 55 vezes titular do Benfica (em 111 jogos). Tem menos de 50 por cento de titularidades, portanto. E o que se quer vender é que ele, nesses dois anos, com menos de 50 por cento de titularidades, portanto, valorizou 161 por cento? Pode acontecer? Pode. Se o agente conseguir um milagre daqueles que os agentes às vezes conseguem. Mas o que não é viável é que um clube aproveite esses milagres e depois não queira estar nas mãos de quem lhes mete dinheiro nos cofres. Era como se o Fausto de Goethe vendesse a alma ao Diabo e na altura de saldar a conta fingisse que não era nada com ele.
No campo, o Benfica vai bem, a provar que as ideias de Schmidt não ficaram más de um ano para o outro – simplesmente passaram a ser executadas por jogadores que não eram os mais indicados para elas. Depois dos 5-0 ao Feyenoord, a equipa perdeu ontem por 1-0 com o Fulham, mas voltou a dar indicações positivas no ataque. Veremos como reagirá aos regressos de Di María, Kökçü e Otamendi (que saiu ontem dos Jogos Olímpicos, perdendo com a França no futebol mas aparentemente ganhando na pancada) e se isso pode levar ao indesejável recuo de Aursnes e ao desaparecimento de gente como Prestianni ou Tomás Araújo, que têm impressionado. Seja como for, o Benfica não estará na abertura oficial da época, que é a Supertaça de mais logo. Nela ganharam direito a estar presentes o Sporting, campeão, e o FC Porto, que se impôs aos campeões na final da Taça de Portugal. Já fiz a antevisão tática da partida aqui, em análise que, esta semana, também está disponível para todos lerem – e a partir da semana que vem, as análises táticas também serão exclusivo dos subscritores Premium – pelo que neste texto caberá mais uma reflexão acerca do que mudou nos dois lados durante o defeso. O Sporting entra em 2024/25 com um plantel que parece mais completo, com um guarda-redes que pode vir a dar pontos em vez de os perder, uma excelente adição entre os centrais, que é Debast, e o regresso de Mateus Fernandes, a deixar Rúben Amorim com quatro nomes para os dois lugares de meio-campo, mas deixa algumas dúvidas na perda de capital-experiência que se vai com as saídas de Adán, Coates, Neto e Paulinho. De repente, os leões só têm um jogador acima dos 30 anos, que é Esgaio (31). Será possível haver campeões assim tão jovens? Rúben Amorim parece acreditar que sim e até diz que “a responsabilidade é ganhar esta e também o resto das taças”, mas vai advertindo para a necessidade de “acabar com onze”, pois a expulsão de St. Juste foi decisiva na final da Taça de Portugal com que se encerrou a temporada e para “a imprevisibilidade do FC Porto”, face à mudança de treinador.
E isso, de facto, é meio estranho, porque o FC Porto é o único clube dos candidatos que ainda não apresentou reforços. Há um novo treinador, que é Vítor Bruno, o antigo adjunto de Sérgio Conceição, e foram reintegrados os jogadores que estavam castigados com o anterior líder. Há novos processos – e sobre eles me debrucei na antevisão tática do jogo – mas acreditar que a equipa pode ser muito diferente com os mesmos jogadores talvez seja valorizar demais a pré-época. “É fazer acontecer aquilo que trabalhámos durante quatro semanas e meia num jogo”, sintetiza Vítor Bruno, que nem sequer deu garantias de titularidade dos jogadores que chegaram mais tarde por terem estado nas seleções nacionais – Diogo Costa, Wendell, Eustáquio, Pepê, Francisco Conceição, Galeno e Evanilson, que Pepe, esse, já não volta, resultando também numa enorme perda de capital-experiência. “Houve algumas métricas que me preocuparam no momento em que eles chegaram das seleções”, explicou o novo técnico, que é possível que esteja apenas a fazer um gigantesco bluff. Seja porque não lhe passa mesmo pela cabeça deixar os internacionais de fora e com isso só quer aumentar a imprevisibilidade da equipa, seja porque acredita que pode ganhar ao Sporting sem eles, criando um gigantesco terremoto psicológico no equilíbrio de forças da Liga quando finalmente os chamar à ação para somarem qualidade à equipa.
Quem já está a competir são as duas equipas portuguesas envolvidas nas rondas preliminares da Liga Europa e da Liga Conferência. Os adversários eram frágeis, mas ainda assim o SC Braga e o Vitória SC fizeram o que tinham a fazer. Quatro jogos, quatro vitórias, com um score global de 7-0 dos bracarenses sobre os israelitas do Maccabi Petah Tivka e de 5-0 dos vimaraneses face aos malteses do Floriana. A dificuldade vai agora subir, mas não me canso de recordar o quão importante é para Portugal ter equipas a pontuar na fase de grupos destas competições menos lustrosas, ao invés de desmobilizarem porque só a Champions dá dinheiro à séria. Os dois emblemas minhotos vão defrontar adversários da Liga suíça e não há razão para que não sejam vistos como favoritos. O SC Braga de Daniel Sousa, com dois defesas-centrais canhotos – Niakaté e Arrey-Mbi – e Zalazar onde pode render mais, que é como segundo médio, mas sem Banza, aparentemente à procura de comprador, defrontará um Servette com andamento, pois traz três vitórias noutros tantos jogos de campeonato. O Vitória SC defronta o FC Zurique, que também chega com 100 por cento de vitórias no campeonato mas viu uma das partidas adiada em virtude da eliminatória que já teve de jogar com os irlandeses do Shelbourne – uma vitória e um empate e um score de 3-0 em golos. Rui Borges, novo treinador dos vimaranenses, mudou muito a frente de ataque, com o lateral Mangas a extremo – e fez dois golos aos malteses – a preparar a transição para a perda de Jota, que já foi apresentado no Nottingham Forest, em negócio que já valeu sete milhões de euros e poderá vir a permitir a entrada de mais cinco, mediante a consumação de objetivos.
O negócio Jota é interessante, seja qual for o ponto de vista pelo qual se observe. Pode ver-se na perspetiva da “portuguese connection” de Nuno Espírito Santo, o treinador do Forest, que em todo o lado por onde passa se vai abastecendo com jogadores vindos da nossa Liga. Pode ver-se na perspetiva dos interesses de Jorge Mendes, mais uma vez ele, na construção de um plantel da Premier League e nos equilíbrios que tem de estabelecer com a estrutura de um clube que gradualmente se sobrepôs ao Wolverhampton como seu parceiro privilegiado em Inglaterra – quando os Wolves começaram a ter menos capacidade para aparar os golpes e se viram forçados a desinvestir. E se falo destes equilíbrios é porque o dono do Nottingham Forest é o grego Evangelos Marinakis, ao mesmo tempo acionista maior na SAD do Rio Ave, clube ao qual chegou com a intermediação de Mendes, que também tinha trazido Idan Offer para a SAD do FC Famalicão. Como seria interessante um churrasquinho à volta da piscina no qual participassem Mendes, Marinakis, Offer, Alexandrina Cruz, a presidente do Rio Ave, e o seu marido, Miguel Ribeiro, líder da SAD do FC Famalicão, se de repente batessem à porta o presidente do Vitória SC, António Miguel Cardoso, Jota Silva, acompanhado do seu agente, e Nuno Espírito Santo...
O Vitória SC parece ter-se precavido a tempo para a saída de Jota Silva, com a contratação do venezuelano Chucho Ramírez, 20 golos pelo Nacional na época passada. Mas a sensação de mercado do meio da tabela esta semana veio da Amadora, onde o Estrela anunciou o regresso de Nani, 37 anos, livre de compromissos com o Adana Demirspor, onde ainda fez 28 jogos e quatro golos na última Liga turca. Com Nani chega também Alan Ruiz, argentino de 30 anos que também já foi candidato a estrela do Sporting, fez um belíssimo campeonato de 2022/23 no FC Arouca e fez entretanto duas meias épocas no Sport Recife, na Série B do Brasileirão. É o suficiente para aumentar a expectativa em torno da equipa que vai ser comandada por Filipe Martins e foi-o também para que Cédric Soares, campeão europeu de 2016, tenha lamentado a falta de cultura de clube no Sporting, o clube do qual saíra em 2015. “É triste ver que não há uma cultura de fazer regressar os ex-jogadores”, disse o lateral, que foi dispensado no verão pelo Arsenal (três presenças na última Premier League) e tem mantido a forma a treinar com outro ex-leão e campeão da Europa entretanto sem clube, que é Adrien Silva (10 jogos pelo Rio Ave em 2023/24). No Sporting, contudo, o que ainda falta é um avançado que alterne – ou se junte – a Gyökeres, razão pela qual o diretor desportivo, Hugo Viana, foi a Atenas. O que está em causa é a contratação (que está difícil) de Fotis Ioannidis (15 golos em 27 jogos no campeonato da Grécia), cujo eventual fracasso pode deixar Rúben Amorim apenas com os jovens Rodrigo Ribeiro e Rafael Nel como alternativas ao sueco. Mas, para o bem e para o mal – e na maior parte das ocasiões há-de-ser para o mal – ainda falta um mês até ao fecho do mercado. É preciso ter calma.
E há outras preocupações. Reparem no FC Famalicão. É certo que com as costas quentes, por ter vendido Otávio ao FC Porto em Janeiro e mais uma percentagem de Pedro Gonçalves ao Sporting no primeiro semestre do ano, o clube minhoto está a viver um defeso invulgarmente tranquilo em termos de mercado, mas o que levou Miguel Ribeiro a abrir a boca foi a questão do estádio. “Apresentámos soluções, mas não podemos ser solução do que parece não ter solução. Estou conformado com a nossa realidade até ao dia em que a SAD entender que o município de Famalicão não faz tudo para que joguemos em Famalicão”, disse o presidente da SAD, que investiu bastante em infraestruturas, por exemplo no centro de treinos, mas está à espera que a Câmara resolva a questão do estádio. “Temos de encontrar uma solução para o estádio. E se não for no Municipal será noutro sítio qualquer”, disparou ainda Ribeiro, em evidente manobra de pressão, quando se sabe que essa coisa estranha que é o AVS, equipa que subiu à I Liga este ano e joga na Vila das Aves, era originalmente de Vila Franca de Xira e foi deslocalizada por causa de uma divergência entre a SAD e a Câmara Municipal ribatejana, por causa precisamente do estádio, que a primeira precisava de ver renovado para receber jogos de competições profissionais e no qual a segunda não quis investir. Já se vê que esta é uma questão que torna urgente uma conversa entre a Liga e o Governo no sentido de produzir legislação que trave o fenómeno das deslocalizações, sob pena de virmos a ter campeonatos com mais equipas sem alma nem seguidores, porque calcorreiam o país em busca de um local onde haja condições para jogarem.
E é claro que este tipo de condições pode ser visto de vários prismas. Um deles, o que é mais frequente em Portugal, é o de satisfazer as normas mínimas exigíveis para campeonatos de topo – o que é ou pode ser alvo de regulamentação. Outro, o que preocupa, por exemplo, o Manchester United, é a capacidade de rentabilizar. É por isso que enquanto Erik Ten Hag anda mais uma vez louco em busca de reforços que tornem a equipa competitiva, até por causa das lesões de início de época de Yoro e Hojlund, as duas últimas grandes operações de mercado dos Red Devils, a administração do clube, agora nas mãos da Ineos de Jim Ratcliffe, já criou uma comissão destinada a avaliar o que lhe convém mais: renovar Old Trafford ou construir um estádio novo nos terrenos circundantes? Para já, a balança parece mais inclinada para esta segunda opção e já se fala num estádio de 100 mil lugares, com curto orçamentado em dois mil milhões de libras, algo como 2.360 milhões de euros ao câmbio de hoje. Quantos craques se compravam com este dinheiro todo? Muitos, a julgar pelos 45 milhões que o Arsenal, por exemplo, teve de pagar por Riccardo Calafiori, o defesa central canhoto que Mikel Arteta foi buscar ao Bolonha, na principal operação de mercado de uma semana que incluiu a esperada apresentação de Endrick no Real Madrid. O jovem brasileiro será um dos companheiros nos campeões espanhóis e europeus do francês Mbappé, que também esteve em foco mas por uma razão diferente: pagou 15 milhões de euros e comprou 80 por cento do SM Caen, clube atualmente na II Liga mas que ele julgará poder levar até ao topo, em caminho inverso ao que foi experimentado pelo Girondins de Bordéus. O antigo emblema de Chalana, Giresse, Tigana ou Zidane não conseguiu cumprir os pressupostos financeiros para se inscrever nas divisões profissionais – e há um link abaixo para perceberem melhor o que se passou – e vai parar ao National 2, o quarto escalão do futebol francês. O que se torna preocupante, se visto daqui, porque o homem no meio do furacão, que nunca assumiu verdadeiramente o papel de dono e investidor, é o hispano-luxemburguês Gerard Lopez, simultaneamente patrão do Boavista – que por sinal está em apuros para conseguir fazer equipa.
Mas fiquemos por França – que uma das regras das Entrelinhas é falar mais do que aconteceu e menos do que achamos todos que pode acontecer. Reflitamos, porém. Estamos em processo de entrada na fase da negociação centralizada dos direitos audiovisuais da Liga Portuguesa e há uma expectativa de se poderem atingir os 300 milhões de euros por época. Em França, só a duas semanas de começar o campeonato é que a Liga conseguiu atingir os 500 milhões, mas para tal teve de meter ao barulho os patrocínios às equipas. Já se sabia que a DAZN ia pagar 400 milhões por ano pelo bolo dos jogos, esta semana soube-se que a mensalidade para ter os seus canais vai custar 29,99 euros. E que ao valor pago pela rede detida pelo milionário Len Blavatnik, um britânico de origem ucraniana, acrescentam-se agora mais 100 milhões da beIN Sports, que pertence aos mesmos donos do Paris Saint Germain. A beIN vai ter um jogo por jornada, primeira escolha nas jornadas pares e segunda nas ímpares, já sabe que não pode transmitir nenhuma equipa por mais de dez vezes nem duas semanas seguidas, para evitar que opte sempre pelos jogos do PSG, mas a esses direitos junta ainda a hipótese de inserir nos equipamentos das equipas – desde que não haja conflito de interesses – a sua própria marca ou a do Qatar Tourism. É uma forma criativa de dar a volta à perda de valor dos direitos, mas ao mesmo tempo um regresso aos primórdios, em que algumas Ligas, como foi o caso da francesa, na década de 80, negociavam os patrocínios para todas as equipas que lá jogavam. E ao mesmo tempo é uma preocupação adicional para quem vai liderar a negociação em Portugal. Quanto valerá a Liga Portuguesa, se a francesa, que nos leva os Vitinhas, os Ramos, os Ugartes e agora os Neves, sofre tanto para chegar aos 500 milhões?
Esta semana pode ter-lhe escapado:
Vem aí a nova época
A temporada de 2024/25, na verdade, já começou, que já tivemos clubes a competir na Liga Europa e na Liga Conferência. Mas é de bom tom considerar que o arranque oficial se dá com a Supertaça de mais logo. Assim sendo, estou também a preparar novidades para os meus subscritores, tanto os gratuitos como os Premium. Uma delas é esta newsletter semanal, que espero tenha sido do vosso agrado – e se assim foi, o que podem fazer é mandá-la para amigos vossos que gostem de futebol, por exemplo por Whatsapp, e partilhá-la ainda nas vossas redes sociais. Uma das batalhas que quero ganhar em 2024/25 é a do desconhecimento, pois sinto que há muita gente interessada em futebol que nem sequer sabe que este espaço existe no Substack. Mas voltando a 2024/25, o Último Passe regressa já na segunda-feira, com novo horário – passa para as 13h. Os Reis da Europa, que, tal como temia, não consegui concluir antes do final da época, vão desacelerar. Chegarei ao fim da lista de 41 campeões nacionais, mas não à cadência diária com que vos apresentei os primeiros 15. O Futebol de Verdade vai ter duas Lives esta semana, onde irei anunciar todas as novidades para 2024/25 – serão na quarta-feira, dia 7, às 21h, e na quinta-feira, dia 8, às 22h30 (esta é mais tarde por causa do jogo do SC Braga com o Servette). Fico à vossa espera no meu canal de YouTube – e se ainda não se inscreveram podem fazê-lo neste link.
Sete artigos a ler
A century ago, Andrade and Uruguay made the Paris Olympics a global first, artigo de Jonathan Wilson, no The Observer, acerca da importância dos Jogos Olímpicos de 1924 na globalização do futebol.
Unos tipos devenidos em héroes, texto de Jorge Valdano, na secção Aquel Verano, do El País, a recordar o Verão de 1986, em que o péssimo se transformou em extraordinário, durante o Mundial de 1986.
A history of spying in football: drones, interns at training and kit men in ceilings, escrito por Jacob Whitehead, no The Athletic, parte da história de espionagem que custou um castigo ao Canadá nos Jogos Olímpicos para fazer uma compilação de casos de espionagem na história do futebol.
Loft stories, uma reportagem de Tom Prévot, no L’Équipe, sobre casos cada vez mais normais de jogadores que são colocados a trabalhar à parte em função dos interesses dos clubes no mercado.
No stone unturned, ponto da situação nos planos do Arsenal para suplantar o Manchester City na nova época, assinado por Paul Hirst, no Sunday Times
Was Flick bei Barça sofort umbaut, texto de Tobias Altsch, no Sport Bild, acerca da transição de Xavi Hernández para Hansi Flick no FC Barcelona.
Un fiasco collectif, reportagem de Emery Taisne, no L’Équipe, a explicar detalhadamente tudo o que falhou no Girondins de Bordéus.
A necessidade de vender será mais porque os clubes em Portugal não pensam o negócio do futebol de forma responsável. Não se admitira que uma fábrica fosse gerida sem cabeça, na esperança de vir a ser comprada por um milionário, ou na venda de uma máquina por valores elevados, para poder ser competitiva e pagar os salários e despesas. Mas o futebol Português e gerido desta forma.