Um golo muda tudo
A Bósnia estava a apresentar um problema complicado e Portugal não mostrara capacidade para o superar até ao momento em que a inspiração individual de três jogadores mudou o jogo.
Portugal conseguiu um excelente resultado contra a Bósnia. Os 3-0 finais, fruto sobretudo de uma segunda parte de grande acerto de Bruno Fernandes e da estabilização do meio-campo, que se conseguiu com a troca de João Félix por Rúben Neves, não pareciam encaixar nem nas mais otimistas perspetivas de quem tenha visto uns primeiros 45 minutos em que a seleção se mostrara demasiado lenta e previsível, sempre sem os argumentos necessários para tirar da frente organização defensiva bem montada por Faruk Hadzibegic. A Bósnia apareceu no seu habitual 5x3x2, com bloco médio-baixo, a convidar Portugal a um futebol mastigado, lento nas variações, que a bola demorava eternidades a chegar de um corredor ao outro, onde iria faltar cobertura, e sem capacidade para estabelecer ligações por dentro – Bruno Fernandes aparecia demasiado profundo, na busca de zonas de finalização, levando a que todo o meio-campo se resumisse a Palhinha. O problema não era o sistema, mas sim a forma como os jogadores o interpretaram. Para jogar com três atrás contra equipas que se posicionam como a Bósnia fez ontem é fundamental que os centrais assumam risco de ir com bola, de maneira a atrair marcações, fixá-las, e libertar gente à sua frente, mas já entre as linhas do adversário. Isso ontem, com 0-0, nunca aconteceu. O que Portugal fazia eram trocas posicionais entre alas e avançados exteriores, ora com Bernardo dentro e Cancelo fora, ora com Bernardo fora e Cancelo dentro, ora com Félix dentro e Guerreiro fora, ora com Félix fora e Guerreiro dentro. Com Bruno Fernandes quase sempre na linha da frente, por vezes encostando ele também na linha lateral para ter bola – que dentro do bloco isso estava impossível. Era pouco. E mais: para jogar contra equipas que não exercem pressão defensiva na saída de bola, como a Bósnia do 0-0 ontem, há que aproveitar os momentos de recuperação e transição ofensiva para ir buscar o ataque rápido, única forma de as apanhar desorganizadas. Isso ontem, com 0-0, só aconteceu uma vez, no golo anulado a Cristiano Ronaldo, porque o capitão se adiantou uns 20 centímetros antes do cruzamento de Cancelo. O problema da primeira parte de ontem não foi o 3x4x3. Durante o jogo cheguei a achar que era a excessiva “espanholização” do futebol da seleção, sempre demasiado apoiado e raramente vertical, mas o que Roberto Martínez disse no final convenceu-me de que não era isso que ele queria. O problema foi o facto de a equipa não conseguir mais do que ir rodeando pausadamente o bloco adversário, sem nunca entrar nele – e isso deveu-se a más tomadas de decisão no momento ofensivo. Há inúmeras formas de resolver isso, mas a melhor de todas foi a que aconteceu a Portugal. Um golo, fruto da inspiração de três jogadores: Cristiano Ronaldo a ganhar uma bola que lhe permitiu surgir em apoio entre linhas; Bruno Fernandes, finalmente de frente para o jogo, a definir o passe no momento exato; e Bernardo Silva a mostrar a frieza e a capacidade técnica para bater Sehic com uma picadinha.
O golo e a questão tática. O momento do golo foi importante, porque mudou o jogo. Surgiu aos 44’, mesmo antes do intervalo, a convidar à pausa técnica que o futebol ainda não tem mas de que muitos treinadores gostariam de poder usufruir. Para a segunda parte, a Bósnia não desmontou o seu 5x3x2 – só mudou para 4x2x3x1 aos 71’, permitindo aí o avolumar do resultado –, mas subiu as linhas, foi à procura da pressão, abrindo espaços a um futebol mais objetivo de Portugal na sua exploração. E se o jogo já estava mais para o lado português, melhor ficou com a recalibragem feita com a troca de João Félix por Rúben Neves, aos 62’. À primeira vista, quem quisesse embirrar podia ver ali sinais de cobardia. Afinal, era trocar um avançado por um médio de cariz defensivo. “Que vergonha, estamos a defender o resultado contra a Bósnia!” Mas essa foi a forma de resolver um dos problemas que se vira na primeira parte. Os centrais continuaram a não subir em posse, o que então até já se entendia, pois a pressão bósnia estava mais subida e o jogo mudara. O que a equipa ainda não resolvera era a incapacidade para ligar jogo por dentro. O futebol de Bruno Fernandes leva-o com frequência para zonas perto da área adversária e, sendo ele o segundo médio, faltava quem jogasse perto de Palhinha, que não só é mais físico do que técnico como nunca poderia desempenhar essas tarefas sozinho contra três médios bósnios. Com Rúben Neves ali, o meio-campo passou a ser português e Bruno Fernandes pôde surgir mais perto da baliza sem descompensar a presença a equipa, privando-a de um segundo médio mais posicional. É uma solução ideal? Não. Nem pouco mais ou menos. Não é, porque na maior parte dos jogos o que falta é gente capaz de ir buscar a profundidade e de meter explosão no jogo atacante, coisa que Bruno Fernandes não fará. Na maior parte dos jogos, o que faz sentido discutir é se o futebol da seleção pede um segundo atacante de explosão, como Rafael Leão – até porque Ronaldo já não é tão explosivo assim – ou um segundo atacante de associação, como João Félix. Mesmo no jogo de ontem, é muito possível que a mudança só tenha levado a um avolumar do resultado porque, nos últimos 20’, a Bósnia abdicou dos cinco homens atrás e isso acabou por levar a uma mudança no preenchimento dos espaços em pleno jogo que foi fatal, por exemplo, no momento em que Bruno Fernandes ficou à vontade para transformar, de cabeça, o cruzamento de Rúben Neves no 2-0 que acabou com o jogo.
E então que tal Ronaldo? É inevitável que se olhe para o contributo que Cristiano Ronaldo vai dando à equipa, quando a carreira do capitão se aproxima do ocaso. Há quem ache que a fase de qualificação seria o momento ideal para começar a trabalhar o pós-Ronaldo, como há quem ache que a seleção tem de ser grata – e tem, embora isso não signifique que ele tenha de jogar sempre, enquanto lhe apetecer. Sim, é um facto que Ronaldo está num campeonato pouco exigente. Mas a questão é que ele deve jogar na seleção enquanto lá fizer sentido. E no jogo de ontem fez todo o sentido. Não marcou, mas foi importante no lance que desbloqueou o resultado. E ainda se mostrou na segunda parte, por exemplo, entregando a Diogo Jota uma bola que devia ser de golo fácil. Com Ronaldo, neste momento, aos 38 anos, as contas têm de ser feitas sempre jogo-a-jogo. E o que ele fez ontem faz com que mereça mais um, o 200º.
O papel de CR7 é aquele que o estatuto e os € que a FPF recebe lhe garante. Qualquer avançado de qualquer equipa do Mundo teria a mesma preponderância que se insiste atribuir a CR7.
CR7 participou no lance do primeiro golo e arrastou a defesa ao primeiro poste para que Bruno Fernandes pudesse cabecear mais à vontade para o segundo.
Exibição esforçada mas ainda assim útil.
No próximo jogo espero pelo menos Leão em vez de Félix, vamos ver se a falta de frescura de Guerreiro vai dar para ser titular.