Ronaldo confia em vocês?
Fernando Santos esteve na TVI a explicar o falhanço da seleção nacional na qualificação para o Mundial. Só fiquei convencido de uma coisa: há situações em que um homem honrado não deve ser colocado.
Cumpriu-se ontem a primeira estação da espécie de “via-sacra” que Fernando Santos terá de enfrentar até à fase final do Mundial’ 2022. Passados três dias sobre a derrota contra a Sérvia, na Luz, foi dar explicações públicas sobre o fracasso, que obriga a equipa a jogar um play-off que pode ser bastante complicado, em Março. Devo dizer que não fiquei convencido com as justificações dadas pelo selecionador nacional no plano estratégico ou futebolístico e que, da entrevista, me sobraram duas certezas. A de que Santos, homem indubitavelmente honrado, cumprirá o que ontem afirmou e sairá pelo próprio pé se falhar a presença no Mundial. E a de que algo está seriamente avariado nas prioridades de uma sociedade que leva o jornalista a perguntar-lhe se Ronaldo confia nele.
Ronaldo é, obviamente, parte importante da solução para este problema. Há dias, no direto do Futebol de Verdade, defendi que o selecionador devia aproveitar os quatro meses até aos dois jogos do play-off para redefinir a estratégia, falando com tanta gente quanto possível – e Cristiano Ronaldo surgia, naturalmente, à cabeça dos potenciais debatentes, por ser capitão de equipa. No rescaldo da derrota de Portugal contra a Sérvia, no excelente “The Gab & Jules Show”, o jornalista italiano Gabriele Marcotti e o francês Julien Laurens defendiam que Santos devia falar com Ronaldo, para perceber como é que ele se sente mais confortável no jogo, de forma a aproveitar as suas qualidades. A coisa irritou-me um pouco, porque acho que deve ser colocada ao contrário. Há muito que digo que Santos deve, isso sim, encontrar um plano de jogo que permita aproveitar a maravilha que é ainda ter Ronaldo sem ter de condicionar o rendimento coletivo da seleção. E deve impor-lho. De uma forma que Allegri, Sarri, Pirlo e agora Solskjaer nunca conseguiram fazer, provavelmente porque não o encontraram. Só este ano, já escrevi sobre isso aqui, aqui e aqui.
Porque, a ver se nos entendemos: Cristiano Ronaldo sabe bem o que é estar lá dentro, mas também ele deve começar a questionar-se, não acerca da sua qualidade individual, que ainda é excelente, ainda que expressada com menos regularidade, mas do sucessivo falhanço das equipas em que tem estado inserido. E, nisto das equipas, ainda há uma hierarquia. Defendo uma liderança suficientemente desempoeirada, em que o treinador pode e deve pedir ajuda aos jogadores, debater com eles a melhor forma de os aproveitar, mas defendo também que, depois, quem manda é ele. É o treinador que tem de ter confiança nos jogadores – nunca o contrário. Eu comento a seleção nacional na RTP desde 2006. Já lá vão 15 anos desde o meu primeiro jogo, um Portugal-Azerbaijão, a 7 de Outubro, que comentei ao lado do Hélder Conduto, no Bessa, e no qual Ronaldo bisou. E, se seguimos este caminho, qualquer dia, para comentar os jogos da seleção será preciso ter a confiança de Ronaldo. Para comprar bilhete para ver jogar a seleção será preciso ter a confiança de Ronaldo. Será que Ronaldo confia em vocês para poderem estar a apoiar no play-off?
A novidade dada por Santos foi que ia embora pelo próprio pé se falhar o objetivo. “Ainda não falhei o objetivo”, disse, com um sorriso meio nervoso, meio de circunstância. Não tenho a mínima dúvida acerca da honestidade do selecionador nacional e, de resto, já suspeitava que, a ser esse o desfecho da nossa qualificação, seria igualmente essa a atitude dele. Agora, que o disse, já não há volta atrás. Ainda assim, ficaria mais descansado se tivesse visto, da parte do selecionador nacional, explicações mais consistentes acerca das razões pelas quais a equipa tem vindo a definhar. É verdade que o formato da conversa não ajudou – foram 17 minutos a correr e tempo gasto em mundanidades e busca de soundbytes que interessam à luta das audiências mas valem zero nesta altura, como a novela criada à volta de Rafa. Eu quero lá saber se há ou não desconforto com Rafa! Quero saber é por que razão a equipa não joga e não obtém resultados. E nesse plano, não fiquei mais tranquilo, porque acho que a razão apontada por Fernando Santos não é a correta.
Como já escrevi aqui, não creio nem que Fernando Santos esteja “ultrapassado”, como ontem foi confrontado por Pedro Mourinho, suportando-se numa suposta opinião geral da classe dos comentadores, de que não comungo. Não acho, igualmente, que a ideia de jogo que ele defende seja melhor ou pior do que outra qualquer. Não há ideias universalmente boas, nem ideias universalmente más. Há, isso sim, ideias que servem um grupo de jogadores e não servem outro – e vice-versa. Como não vi a entrevista em direto, tive esperança quando li, nas apps dos jornais, títulos como este: “Vou mudar, para que os jogadores possam expressar o seu talento”. Só que depois fui ver a entrevista e aquela frase tinha de ser contextualizada. Perdi essa esperança quando vi que o selecionador mantém a convicção de que o problema se coloca quando defrontamos equipas que jogam com três defesas. O “vamos mudar” não partiu de uma análise ao nosso grupo, ao “jogar” que mais convém aos nossos jogadores. Era uma forma de anular os adversários. O problema da ideia reativa de jogo de Santos não é ser má ou boa, atual ou ultrapassada. O problema é que estes jogadores pedem uma ideia ativa de jogo. E Santos não pensa assim.
A meu ver FS não tem condições para continuar.
Penso que não tem a capacidade para fazer render o talento que esta seleção possuí e é mais um treinador que não é capaz de conciliar o rendimento de Ronaldo com o rendimento coletivo da equipa.
Para não falar que dá a ideia de que o grupo já não está com o treinador e a mensagem não está a passar.