Um plano para Cristiano Ronaldo
Não é altura de se discutir Cristiano Ronaldo na seleção mas é cada vez mais altura de se discutir o que deve fazer Cristiano Ronaldo na seleção. Um plano para que ele e a equipa sejam melhores.
Este não é ainda o momento de discutir a presença de Cristiano Ronaldo na seleção. Mas é cada vez mais – e já o é desde 2014, pelo menos – o momento de discutir o que fazer com Cristiano Ronaldo na seleção. A impotência demonstrada pelo capitão da equipa nacional face ao Azerbaijão, somada por exemplo à impotência que ele já mostrara pela Juventus frente ao FC Porto, deviam chegar para se meta a mão na consciência, para que se perceba que o capitão não é eterno nem providencial e que há alturas em que mais vale ter um plano para ele. Porque, sendo seguro que, mais dia menos dia, Ronaldo vai reagir e lembrar a todos que ainda está lá em cima, com mais um hat-trick, creio que os problemas que a seleção enfrenta neste momento têm muito mais a ver com a falta desse plano do que com a decadência do seu jogador mais renomado ou com a falta de quem possa ajudá-lo a brilhar e a carregar a equipa até às vitórias.
As sensações que me provocou o jogo com o Azerbaijão foram as mesmas que já me tinham sugerido as duas partidas de Ronaldo pela Juventus frente ao FC Porto. E em nenhum dos três casos me parece que se aplique a ideia que chegou a circular a propósito da equipa italiana, segundo a qual os diretores tinham falhado na tarefa de “dar uma equipa” a Ronaldo. Isso não era verdadeiro a propósito da Juventus e muito menos o é acerca da equipa de Portugal, tão cheia de talento ela está. Como também não compro – e já o escrevi vezes sem conta – essa ideia de que Portugal é melhor sem Ronaldo, porque nenhuma equipa fica melhor sem um dos melhores do Mundo, estou cada vez mais convencido de que aquilo que faltou, tanto neste desafio com o Azerbaijão como nos jogos da Juventus com o FC Porto, foi o plano. Porque em todos os jogos aquilo que se viu foram dez jogadores com um plano e um décimo-primeiro que andava ali, um jogador cujo plano era ir aparecendo onde lhe parecesse melhor, a fazer aquilo que lhe parecesse melhor nos momentos em que lhe parecesse melhor. Como plano, convenhamos, isso é fraco.
Sempre achei que as grandes equipas devem ser construídas em função dos seus melhores elementos. Que se o melhor jogador de uma equipa é um avançado que transforma qualquer bola aérea em golo, a equipa deve potenciar essas caraterísticas através de cruzamentos. Se o melhor jogador de uma equipa cresce no drible, deve ser-lhe dada a possibilidade de driblar. Se o melhor impõe a sua qualidade através de remates de meia distância, convém que se lhe abram possibilidades de atirar ao golo. Negar esta evidência em função de uma espécie de comunismo futebolístico, em que todos têm de fazer as mesmas coisas, mesmo sabendo que a necessidade de cumprir as tarefas comuns depois impede os melhores de resolver de forma incomum, é só idiota. É por isso que na última década sempre achei que a seleção de Portugal devia ser construída de forma a dar a Ronaldo as melhores oportunidades de resolver os jogos. No fim brilha ele mas ganham todos.
Acontece que há uma diferença – e ela nota-se cada vez mais à medida que Ronaldo vai envelhecendo – entre montar a equipa de forma a fazer o melhor para Ronaldo e montar a equipa da forma que Ronaldo quer. Porque há que assumir que, apesar da sua experiência, nem sempre aquilo que Ronaldo quer é o melhor para ele e para a equipa. Neste caso em específico, há atenuantes na seleção de Portugal que defrontou o Azerbaijão – haverá menos na Juventus. Se o que Ronaldo quer é andar por ali, aparecer umas vezes na esquerda, outras na direita, outras como ponta-de-lança, outras como dez a tentar ligar o jogo por dentro, é preciso que toda a equipa esteja consciente disso e que coloque em prática os necessários mecanismos de compensação para que os corredores vão sendo ocupados. E se se entende que isso tenha funcionado mal numa seleção de Portugal sem rotinas de treino e com vários elementos pouco rodados, já não se percebe a ineficácia numa equipa como a Juventus, onde toda a gente se conhece e treina junta com regularidade. Ora isso devia chegar para que esse plano fosse colocado em causa.
Depois, há que entender que – alerta cliché! – o futebol é o momento. Se em 2013, na Suécia, Ronaldo colocou Portugal no Mundial com três golos a jogar a partir da esquerda, e esse até parecia um bom plano, depois, na fase final, em 2014, os adversários expuseram a fragilidade desse lado nacional na transição defensiva e a equação tática fundamental da seleção passou a ser essa. Como permitir a Ronaldo o espaço e os apoios frontais de que ele precisa para ser um goleador de excelência sem deixar a equipa exposta. Daí terão nascido muitos dos cabelos brancos que Fernando Santos acolheu nestes seis anos e meio. Testou o 4x4x2 com o capitão a segundo avançado; testou o 4x3x3 assimétrico, com um dos médios encarregue de encher o corredor de onde Ronaldo saía… O problema é que tudo isso precisa de rotinas. E, além disso, não só Ronaldo mudou como jogador nestes seis anos e meio como o resto da equipa também cresceu. Hoje há Bernardo Silva, há João Félix, há Bruno Fernandes… Tudo gente que, é preciso assumi-lo, pensa melhor o jogo de forma coletiva e funciona melhor do que Ronaldo em zonas de criação.
Hoje, em 2021, na seleção – e creio que na Juventus também – o plano para Ronaldo tem de ser mais simples. O plano para Ronaldo tem de passar pelo aspeto do seu jogo em que ele continua a ser o melhor do Mundo: marcar golos. Esta equipa precisa do melhor Ronaldo a finalizar e precisa que Ronaldo a deixe criar e isso passa por alguém lhe dizer que não pode dispersar-se tanto a querer fazer de tudo. Depois se ele é o segundo de dois avançados, o avançado de referência ou o único ponta-de-lança, isso já dependerá da dimensão estratégica de cada jogo, de se ver se o adversário joga com três ou dois centrais, se tem a linha defensiva alta ou demasiado baixa… O que Ronaldo não pode continuar a ser é o homem dos sete instrumentos.