E agora, Cristiano Ronaldo?
Ronaldo é um fenómeno de entrega e um milagre de resistência aos limites da idade, mas deve ouvir Sacchi: onde quer que continue, o sucesso no campo dependerá da sua capacidade para "fazer equipa".
Enquanto em Portugal avaliamos as razões que permitiram ao FC Porto voltar a estar no clube restrito das oito equipas que vão discutir a Liga dos Campeões, em Itália, mais do que a quase certa ausência de equipas nacionais nesta fase da prova, debate-se a Juventus e… Ronaldo. Em Turim, o Verão que aí vem anuncia-se como sendo de “revolução” – depois de ter falhado o ano de “transição” – e não é claro que nela caiba Cristiano Ronaldo. Mesmo restando ainda um ano de contrato por cumprir, parece evidente que o projeto europeu que conduziu à contratação do astro português fracassou. E por muita vontade que o CR7 tenha, por muito que o insuperável profissionalismo que o carateriza possa levá-lo a demonstrações imediatas de qualidade, as palavras mais acertadas do dia disse-as Arrigo Sacchi, ex-campeão europeu com o Milan, à “Gazzetta dello Sport” de hoje: “nem Maradona, que deve ter sido o maior de todos, ganhou a Champions sozinho”.
Dizia ainda Sacchi: “Como treinador, nunca quis jogadores consagrados, porque temia que não fucnionassem em equipa. Lembram-se do ataque dos Galáticos do Real Madrid? Tinham Beckham, Raul, Ronaldo, Zidane e Figo. No banco estava outro Bola de Ouro, Owen, e ainda Morientes. E não ganharam a Liga dos Campeões”. Ora essa reflexão é uma lição de moral – mais uma – a Andrea Agnelli e à sua política para a Juventus. Se em Inglaterra, onde a superior receita da Premier League leva os poderes a opor-se ao plano de Agnelli para uma Superliga Europeia, a eliminação da Juventus pelo FC Porto é vista como uma forma de justiça poética, em Itália do que se fala é de uma questão que rivaliza com a do ovo e da galinha: terá sido a Juventus a falhar na tarefa de dar equipa a Ronaldo ou terá Ronaldo fracassado na tarefa de fazer equipa na Juventus? Provavelmente aconteceu um pouco das duas coisas. E basta olhar para ver que, mesmo assim, Ronaldo é dos poucos a apresentar um rendimento razoável nos três anos que já leva de “bianconero”. Ou para entender que, despedido o treinador que quis colocá-lo onde ele faz sentido nesta fase da carreira, que é como finalizador (Sarri), Ronaldo parece hoje demasiado disperso em campo, sem efeito real na equipa quando as coisas se complicam.
Os dois dados são irrefutáveis. Ronaldo fez 92 golos em 121 jogos pela Juventus, o que não o torna necessariamente um fracassado. Até aos três golos de Chiesa na eliminatória contra o FC Porto, tinham sido de sua autoria todos os marcados pela equipa nas fases a eliminar da Liga dos Campeões desde que ele lá chegou: foram três ao Atlético Madrid e dois ao Ajax na caminhada até aos quartos-de-final de 2018/19, mais dois ao Olympique Lyon nos oitavos-de-final de 2018/19. Portanto, Ronaldo fez a sua parte? Sim e não. E não porque, apesar de tudo, fez menos golos em três épocas com a Juventus na Liga dos Campeões (14) do que na última em que jogou a prova com a camisola do Real Madrid (15, em 2017/18). Não porque, além de estar em vias de perder a Série A pela primeira vez numa década – segue a dez pontos do Inter, ainda que com um jogo a menos e um confronto direto em casa na penúltima ronda – a Juventus de Ronaldo só esteve uma vez entre os melhores oito da Champions em três anos: e até o FC Porto acaba de carimbar a segunda presença nessa fase da prova no mesmo período. Com um orçamento que, todo somado, mal chegaria para pagar os 86 milhões de euros/ano que custa Ronaldo aos cofres juventinos.
É verdade que o clube arrecada mais do que isso em marketing associado à presença do CR7 e que nunca se pode falar dele como um elemento ruinoso do ponto de vista do negócio. Mas o debate aqui é futebolístico. Passa por perceber se Ronaldo – ou Messi em Barcelona – ainda está em condições de ditar leis dentro de campo. Se é legítimo Ronaldo decidir onde quer jogar à medida que os jogos vão avançando – porque ou é isso que se passa ou é Andrea Pirlo que emite ordens tão confusas que levam a equipa a insistir em cruzar para a área e a tirar de lá o melhor finalizador do Mundo, perdido em tarefas de construção e de criação às quais, por muita vontade que tenha (e disso ninguém duvida), pouco acrescenta. O “fazer equipa” de que falava Sacchi é um pouco isso. É muito mais isso do que o “não ter medo de apanhar com a bola” de que falava Fabio Capello a propósito do momento em que Ronaldo virou as costas à bola na barreira, no livre que Sérgio Oliveira transformou em golo – nunca houve grandes dúvidas acerca de quem era o verdadeiro cérebro do grande Milan dos anos 80 e 90, aliás… E é esse “fazer equipa” que tem de passar a ser a maior prioridade de Ronaldo no que lhe resta de carreira, seja na Juventus, no clube que ele escolher para prosseguir ou na seleção nacional.
Aos 36 anos, Ronaldo continua a ser um dos melhores do Mundo, um fenómeno de entrega e profissionalismo, um milagre de resistência física aos limites da idade num desportista de elite. Mas não ganha jogos sozinho – e é duvidoso que alguma vez o tenha feito, mesmo no auge das suas capacidades. Perceber isso não o menoriza. Interiorizá-lo torna-o maior ainda. E, seja na Juventus, noutro grande europeu, em Miami, na seleção ou até no Sporting, há duas coisas certas para o futuro imediato do CR7: será sempre um êxito no plano do negócio, mas verá o sucesso no campo depender da aceitação das ordens de quem vê o plano completo e sabe o que é melhor para o coletivo.