Um plano para Cristiano Ronaldo
Há quem olhe com ceticismo para a associação entre o futebol vertical de Ronaldo e o jogo circular de Guardiola. A mim, dá-me esperança de que o CR7 volte a ter algo que lhe falta há anos: um plano.
Cristiano Ronaldo parece estar a um pequeno passo do Manchester City e essa pode ser uma das melhores notícias dos últimos anos para a seleção nacional. O acordo entre o jogador e o clube suportado pelos milhões do Abu Dhabi já é total, faltando apenas definir os detalhes da transferência, porque a Juventus quer pelo menos recuperar os valores da amortização do investimento que fez na aquisição do CR7 que vão entrar nas contas deste biénio, cerca de 25 milhões de euros, ao passo que o City faz força para o ter a custo zero, até porque vai ficar com o encargo do salário. E é aqui que se levanta o ceticismo: como é que Ronaldo poderá entrar no jogo pressionante, apoiado e circular de Guardiola? Ora é precisamente aí que está o mérito da operação.
A questão é que Ronaldo precisa claramente de repensar o seu jogo – e ninguém tem tantas condições para o ajudar como Pep Guardiola. O capitão da seleção nacional não quer ficar na Juventus, provavelmente desconfiado com o desastre tático e estratégico que foi a época anterior, sob o comando de Andrea Pirlo. A Juventus não quer ficar com Cristiano Ronaldo, que lhe custa demasiado dinheiro todos os anos e não entra nos planos de construção de jogo de Massimo Allegri, o treinador recuperado para substituir Pirlo. Jorge Mendes terá perdido a corrida para levar o seu jogador-emblema para o Paris Saint-Germain, que optou por Messi, mas está em vias de conseguir colocá-lo noutro dos grandes clubes da alta finança do futebol europeu. O Manchester City queria Harry Kane, um “nove e meio” com golo e capacidade para armar jogo, mas esbarrou na intransigência do Tottenham, pelo que continua atrás de um goleador e a riscar dias no calendário até à data-limite do mercado. Ronaldo é garantia de golos e, ainda assim, a hipótese mais viável de um mercado que só deve rebentar a sério na próxima época, quando Mbappé ficar livre e Haaland puder beneficiar da cláusula de saída “em saldo” que tem no contrato com o Borussia Dortmund.
Se Ronaldo acabar mesmo por rumar a Manchester, o menor dos seus problemas será a animosidade da metade vermelha da cidade. Outras antigas glórias do United jogaram já pelo City e uma delas – Dennis Law – até marcou o golo que ditou a última descida dos Red Devils à II Divisão, no início da década de 70. Além de que se há parte do seu jogo em que Ronaldo não é perturbável é a mental – nada o faz tremer, muito menos uns apupos na rua. Por outro lado, a união com Guardiola pode ser chave para resolver o problema que tem afetado o CR7 nos últimos anos. Mesmo que esteja ainda fisicamente bem acima da generalidade dos seus adversários, Ronaldo perdeu, aos 36 anos, parte da capacidade de superação que o fazia estar “quilómetros” acima. É a natureza a funcionar e o contrário é que seria de estranhar. Isso levou o jogador a mudar a forma de atuar. A Juventus da época passada mostrou um pouco dos problemas que – entre muitas coisas boas, a começar pelos golos – Ronaldo encara nesta altura. Já não tem a capacidade ou a propensão de recuperação defensiva para ser ala e ainda tem a inteligência no ataque à profundidade e a velocidade de ponta que desaconselha a sua utilização como um 9 fixo, de costas para a baliza.
O resultado deste dilema foi um jogo a que chamei “peripatético”. Onde joga Ronaldo? Anda por ali. Vai jogando e passeando pelo campo, como os membros dessa escola filosófica grega. Andrea Pirlo nunca teve a capacidade para fazer a ideia funcionar e aquilo que se viu inúmeras vezes foi uma Juventus a sofrer pela falta de referências posicionais na frente. Na seleção nacional, Fernando Santos parece nunca ter querido – ou tido tempo para trabalhar isso de uma forma sistemática – encarar o problema de frente e o que se tem visto é que Ronaldo joga sempre um pouco no espaço que acha que deve preencher, o que penaliza o resto da equipa, obrigada a jogar uma espécie de Tetris que não está suficientemente trabalhado e bem consolidado. Ora se há treinador no Mundo que pode fazer isso funcionar é Guardiola. Da mesma forma que José Mourinho e Alex Ferguson foram decisivos para moldar o Ronaldo do auge, o treinador catalão pode ser fundamental para manter o Ronaldo do crepúsculo no topo. E aqui, os efeitos benéficos que antevejo para a seleção nacional não se limitam ao aproveitamento de um eventual prolongamento das virtudes individuais vistas em Ronaldo. Eles podem ser sobretudo coletivos.
É que Guardiola tem o conhecimento e a criatividade tática para engendrar uma solução para este problema. Afinal, ele foi campeão da Premier League e chegou à final da Champions sem ter um 9 na equipa. Além disso, o catalão e a sua equipa técnica têm uma capacidade invulgar para operacionalizar qualquer solução que venham a criar, fazendo-a funcionar melhor. E, por fim, Guardiola tem um passado que lhe permitirá olhar para Ronaldo nos olhos e, caso o jogador duvide e lhe pergunte porque é que vai ser assim, responder-lhe: “Porque é isso que eu quero para ti”. Combinar o futebol mais objetivo de Ronaldo com o jogo mais circular das equipas de Guardiola pode ser um desafio excecional, mas a associação dos dois pode dar ao capitão da seleção nacional algo que já não lhe assiste desde que Mourinho saiu do Bernabéu: um plano. E esse plano foi o que faltou à seleção, por exemplo, no último Europeu.