O peso do dérbi
O dérbi acabou empatado e tanto o Benfica como o Sporting saem a lamentar-se. Os leões por terem mostrado falta de soluções para 90 minutos, as águias por não terem contrariado uma ideia de quebra.
Olha-se para o que foi o Benfica-Sporting de ontem, um excelente jogo que tentei explicar na crónica analítica que publiquei aqui mesmo, no meu Substack, e percebe-se a volatilidade do futebol. Melhor o Sporting a abrir, melhor o Benfica a fechar. O que vale mais? As primeiras impressões ou as últimas? O jogo sempre consistente de Ugarte, a encher o campo com cruzes correspondentes a desarmes e círculos assinalando duelos ganhos, ou a capacidade de resposta de Gonçalo Ramos, a bisar nas duas ocasiões que teve para encarar as redes, sempre na sua já clássica antecipação ao central que estava com ele e com firmeza e sangue-frio frente ao guarda-redes? A falta de pulmão dos leões, que acabaram a pedir a hora e com evidente défice de qualidade nas soluções saídas do banco, ou a ausência de risco assumido pelas águias, que nunca entenderam quão sofrido estava já o adversário e temeram sempre ir com tudo em busca da estocada final, ficando-se por apenas duas substituições, uma delas já a meio do período de compensação? Um dérbi tem sempre um peso específico forte e se há condicionantes a puxar os jogadores para cima, a empolgá-los, outras haverá a retraí-los: o Benfica não ganha um troféu há já três anos e isso pode levar a que o medo cénico da vitória o reprima; o Sporting vai tão longe do topo da tabela que corre riscos de se deixar travar pelo pavor de mais uma derrota, que o afaste ainda mais. O empate, no fim, não satisfaz ninguém, mas se era o Benfica que mais esperava do jogo, também é o Benfica que mais fica a lamentá-lo. Em Alvalade já ninguém pensa no título. Na Luz, depois do arranque fulminante da equipa na Liga Portuguesa e na Liga dos Campeões, ninguém pensa noutra coisa. Mas a derrota estrondosa em Braga e, agora, a incapacidade para bater o Sporting, os cinco pontos perdidos nos nove que já disputou depois do regresso do Mundial, deixam os encarnados com dúvidas. Continuam na frente, com folga – são agora quatro pontos a mais do que o SC Braga e cinco a mais do que o FC Porto – mas ainda há mais de meio campeonato por jogar. No jogo de ontem, a equipa do Benfica tinha a oportunidade de nos dizer a todos nós e sobretudo a si própria que não está a cair. Não quer dizer que não venha a afirmá-lo em próximas ocasiões, como o afirmou, por exemplo, quando ganhou no Dragão, em Outubro, mas nisso, ontem, fracassou.
Chermiti, Sarabia e o mercado. Rúben Amorim conseguiu irritar uma franja muito alargada de adeptos do Sporting, aqueles que vivem obcecados com a ideia de ir ao mercado contratar um ponta-de-lança “que faça golos”, com aquilo que disse de Chermiti. “Se ele renovar, não quero mais nenhum avançado”, afirmou o treinador, depois dos 12 minutos de campo que deu ao miúdo no dérbi. O que é que o rapaz mostrou? Nada. Fez uma boa receção, orientada, seguida de uma má decisão e de uma ainda pior execução. Mas como não creio que Amorim seja maluquinho, daqueles de papel passado e tudo, não acredito que tenha sido por aqueles 12 minutos que disse o que disse do avançado de 18 anos a quem deu a estreia ontem. Terá sido pelo que já viu o rapaz fazer nas semanas de trabalho que com ele já partilhou. Os que vivem obcecados com a ideia de ir ao mercado contratar um ponta-de-lança “que faça golos” são, regra geral, os mesmos que se indignam por o Sporting ter deixado escapar Sarabia para o Wolverhampton WFC, quando o Paris Saint-Germain “apenas” pedia cinco milhões de euros pelo espanhol. Já jogaram Football Manager vezes suficientes para compreenderem que há um orçamento a cumprir e que o elevadíssimo salário do espanhol seria um problema, mas resolvê-lo-iam cortando as gorduras noutro sítio qualquer. E talvez até já tenham lidado com pessoas vezes suficientes para entenderem que se lá nos trabalhos deles aparecer um tipo a ganhar o triplo do que eles ganham para assumir a mesma responsabilidade, mesmo que o faça melhor, isso vai ser um berbicacho, a começar neles próprios. O principal problema do Sporting está muito longe de ser a falta de vontade de Rúben Amorim querer contratar um avançado “que faça golos”. O maior problema do Sporting está muito longe de ser a falta de vontade de ir ao mercado, “tout-court”. O grande problema do Sporting é que vai demasiado ao mercado, é correr riscos de se deixar enredar cada vez mais numa nociva dependência dos apetites dos “dealers” que constantemente lhe impingem a panaceia para todos os males sob a forma de “só mais esta dose/contratação”. Esta época do Sporting tem sido um pesadelo de planeamento, mas em nenhum momento foi por falta de idas ao mercado. Foi sempre por excesso. A comprar e a vender para poder pagar o que comprou.
Gavi, Odegaard, Otávio e onde se mexe nos jogos. Não vi os jogos, que passei o dia de ontem em estúdio, na RTP, com emissões antes e depois do Benfica-Sporting, mas a omnipresença de alguns jogadores nos resumos, somada à influência que já vinham tendo, permite perceber que não há um local exato a partir do qual se mexa nos jogos. Odegaard, o “comeback kid” que parecia acabado aos 23 anos mas tem sido a força motriz no assalto do Arsenal ao topo da Premier League, fá-lo da clássica posição dez, atrás do ponta-de-lança, impondo mudanças de ritmo, a criatividade do último passe ou o remate de longe, como aquele em que marcou o segundo golo no dérbi do Norte de Londres, ontem, alargando a vantagem dos “Gunners” sobre o Manchester City. Gavi, que a dada altura parecia disposto a ceder o foco de estrelato no jovem meio-campo do FC Barcelona a Pedri, trocando as luzes da ribalta por um futebol mais laborioso, pressionante e batalhador, fê-lo a partir da meia esquerda, com a inesperada passagem dos culés para 4x4x2, e impôs a sua qualidade com um golo e dois passes decisivos na conquista da Supertaça, frente ao Real Madrid (3-1). Otávio, que vai dividindo com Taremi o ponto a partir do qual começa sempre o futebol atacante do FC Porto, já o faz a partir da meia-direita, mas aparece frequentemente no meio, no lugar de Odegaard, quando lhe toca a ele pôr um ponto final nas jogadas, como fez ontem no terceiro golo ao FC Famalicão. Não há um local exato a partir do qual se mexa nos jogos, mas há jogadores que já se sabe que vão fazê-lo.