Estado civil: é complicado
A relação entre o Wolverhampton WFC e Jorge Mendes está em altura de definições e pode ser definida pelo "é complicado" que prolifera nas redes sociais. A saída de Lage ajudará a definir as coisas.
Bruno Lage já não é treinador do Wolverhampton WFC e a imprensa britânica centra-se agora em duas demandas principais: quem vai substituí-lo e como fica a relação entre a Fosun, a holding chinesa que é dona do clube – e da Fidelidade e de parcelas interessantes na REN e no Millennium BCP – e Jorge Mendes. Com o devido respeito aos que se focam sobretudo na primeira, a corrida em que os media ingleses meteram gente como Pedro Martins, Julén Lopetegui, Carlos Carvalhal e até, imagine-se, Sérgio Conceição ou Rúben Amorim, a mim parece-me que o maior motivo de interesse por trás da escolha do futuro treinador dos Wolves é que permite definir melhor como fica a segunda demanda. E esta é bem mais fulcral, porque é através dela que vamos perceber o que é que a Gestifute de Mendes e os Wolves são um para o outro. São sócios? Parceiros? Têm uma relação normal entre um fornecedor e um cliente mais do que habitual? Ou há mais do que isso?
Os Wolves têm sido nos últimos anos fulcrais na estratégia expansionista de Jorge Mendes. Não que o superagente português tenha necessitado desta associação a Guo Guangchang, presidente da Fosun, ou a Jeff Shi, o homem que os chineses têm a mandar no clube, para entrar em força na Premier League. Em 2004, tinha o Wolverhampton WFC acabado de descer para o Championship, Jorge Mendes colocou José Mourinho, Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho e Tiago Mendes no Chelsea de Abramovich, movimentando um total de 70 milhões de euros. A pegada dele está lá – e 70 milhões de euros eram naquela altura muito mais no mercado global do futebol do que são hoje. Aliás, a coisa até se colocou bem mais ao contrário: foram os Wolves que precisaram de Mendes para voltar ao escalão principal do futebol inglês. Nove dos 20 jogadores mais utilizados por Nuno Espírito Santo – ele próprio treinador Gestifute e amigo de longa data de Mendes – na subida de 2018 estavam na carteira do agente português, que tem um histórico de parcerias com clubes em várias latitudes, umas mais aprofundadas do que outras, permitindo-lhe estabelecer aquilo a que começou a chamar-se “o carrossel”, no qual vão circulando jogadores e treinadores.
Dizia há meses Jeff Shi acerca da parceria com Mendes: “Quando já experimentaste lugares na primeira classe, não voltas a sentar-te em turística”. E não há dúvida de que, com a extensa carteira de jogadores que tem e com os relacionamentos que foi sendo capaz de estabelecer no futebol mundial, Mendes pode fornecer um serviço de primeira classe. Não consegue é dá-lo a todos os seus clientes, pelo que alguns acabam por sofrer um downgrade. Já lá se sentaram o Chelsea de Abramovich, o Atlético Madrid de Gil, Cerezo e Ofer, o Valência CF de Peter Lim, mas também o Dínamo Moscovo de Fedorychev, o AS Mónaco de Rybolovlev, o Olympiakos de Marinakis – depois também dono do Nottingham Forest, onde logo aumentou a influência portuguesa – e o clube grande português do momento, que aí Mendes vai gerindo a posição de acordo com os seus interesses. Já esteve mais próximo do FC Porto de Pinto da Costa, do Benfica de Vieira ou do Sporting de Varandas, mantendo sempre uma ligação forte ao SC Braga de Salvador e deixando em espera clubes como o Rio Ave ou o FC Famalicão (que é de Idan Ofer, acionista de referência do Atlético Madrid), também eles integrantes da mega-estrutura.
E é este detalhe que torna a coisa interessante: qual é o papel a ser desempenhado pelos Wolves no plano geral das coisas? Porque há aqui clubes em que o agente “pega” para ganhar, há clubes em que a associação se torna claramente numa forma de estacionar ou valorizar jogadores para vender, mas também houve alguns clubes que saíram claramente a perder, seja em dinheiro – que talvez nem fosse importante para os seus donos – ou em influência desportiva.
Em certa medida, os Wolves cresceram até uma vaga nas provas europeias montados nas relações de Mendes, nos jogadores que este fazia chegar ao Molineux. Onze dos 23 jogadores que integram o plantel principal do Wolverhampton esta época são clientes da Gestifute de Mendes e, além deles, há ainda mais dois – o lateral esquerdo Jonny Otto e o atacante Diego Costa – que no seu percurso têm passagem por clubes parceiros do agente, no caso pelo Atlético Madrid. José Sá e Podence passaram pelo Olympiakos, Nélson Semedo, Gonçalo Guedes e Jiménez pelo Benfica de Vieira – sendo que Guedes também esteve no Valência CF de Lim e Jiménez no Atlético –, João Moutinho e Rúben Neves no FC Porto do período em que Mendes privilegiava o Dragão, Pedro Neto pelo SC Braga de Salvador e Matheus Nunes no Sporting de Varandas, com quem o clube se reaproximou da Gestifute. Esta influência – que, é bom que se diga, em si nada tem de ilegal – é estabelecida através da relação com os donos dos clubes e, em muitos casos, da colocação à sua frente de treinadores sensíveis à causa. E é por isso que a escolha do novo treinador dos Wolves encerra em si tanto interesse. É que através dela vamos perceber melhor duas coisas. Primeiro, qual é a relação entre a Fosun e Mendes. Depois, qual é o lugar dos Wolves no grande esquema das coisas desenhado pela Gestifute.
É para ganhar? Difícil e muito caro, quando se está na Premier League. É para valorizar? Já aconteceu, por exemplo com Diogo Jota, que deu 30 milhões de lucro entre a chegada do FC Porto e a saída para o Liverpool FC, mas cada vez mais complicado, tendo em conta que os valores de entrada estão a inflacionar e que, só neste Verão, os chineses deram a Lage 136 milhões de euros para comprar jogadores. É para perder dinheiro? Tem a palavra a Fosun.
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