Vamos lá falar de Taremi
O iraniano foi apanhado no meio de duas campanhas, uma destinada a demonizá-lo e outra a beatificá-lo. Mas também se especializou na navegação numa zona cinzenta que no longo prazo não o ajuda.
Ora vamos lá então falar de Taremi. O avançado iraniano do FC Porto anda nas bocas do Mundo, apanhado no meio de duas campanhas igualmente nocivas e aproveitadoras, uma destinada a fazer dele o maior simulador dos tempos modernos – o que com VAR, é obra – e outra a tentar transformá-lo em vítima de uma pérfida tentativa de manipulação da verdade desportiva através do condicionamento dos árbitros. Tudo conversa de chacha... Mas vou fazer de conta que tenho frente a mim o jornalista da Sport TV que fez de forma atabalhoada a pergunta fulcral a Taremi e vou responder-lhe. Afinal de contas, Taremi é um mergulhador ou uma vítima a abater? Pois bem: para mim, não é uma coisa nem outra. É um avançado que se move nos limites do legal, para disso tirar vantagem, que aperfeiçoou uma técnica de levar os adversários a cometer faltas sobre ele e que às vezes se estica na armadilha que lança. Mas isso já se sabe há muito tempo. E o facto de ninguém ter ligado quando se soube diz mais sobre nós do que sobre ele.
Taremi chegou a Portugal em Agosto de 2019, para jogar no Rio Ave. Foi suplente utilizado nos jogos contra a Oliveirense e o FC Famalicão e, na primeira vez que foi titular, “prrrriiiiii”, penalti. O adversário era o CD Aves, o iraniano até já tinha marcado um hat-trick, o jogo estava em 4-0 e Fábio Veríssimo assinalou uma grande penalidade de Beunardeau sobre ele. Passou uma semana e, no último dia desse mês, o Rio Ave foi a Alvalade defrontar o Sporting. Taremi voltou a jogar de início e o Rio Ave ganhou por 3-2, graças a três penaltis vistos por João Pinheiro em lances que o envolveram sempre a ele e a Coates – que após o terceiro penalti já só se ria. No final da época, Taremi viu serem assinalados sobre ele sete penaltis em 30 jogos que fez na Liga. Foram cometidos sobre ele mais penaltis do que os que beneficiaram onze das 18 equipas da Liga. E tantos como os que beneficiaram uma décima-segunda. Números impressionantes e que até levaram o treinador dos vila-condenses a falar do tema, em entrevista à Sport TV: “O Taremi tem uma técnica especial. Desacelera, dá ao defesa a ideia de que ele pode chegar à bola, e depois acelera outra vez, para que quando o defesa lá chega já apanhe a perna dele e faça falta”, explicou logo nesse defeso Carlos Carvalhal.
Ninguém ligou nenhuma. E sabem porquê? Primeiro, porque Taremi era jogador do Rio Ave – e se em vez de ter assinado pelo FC Porto tivesse rumado ao Benfica ou ao Sporting, hoje veríamos outras vozes a atacá-lo e outras também a defendê-lo. Depois porque o próprio Carvalhal – que recentemente veio a repetir esta explicação, agora já mais difundida, com evidentes interesses propagandísticos – ia sair do Rio Ave, mas para assinar pelo SC Braga. Não havia “Alerta Grandes” à mistura. Por fim, porque aquilo que Taremi fazia – e faz... – era aproveitar a “zona cinzenta” que existe na arbitragem de futebol em seu benefício. Não há no futebol de hoje, com VAR, espaço para mergulhadores como os dos anos 80, aqueles cujas quedas ainda nos fazem rir de tanta ingenuidade quando vemos resumos desses tempos. As imagens hoje não só são melhores como estão à disposição da equipa de arbitragem. Se querem utilizar uma figura de estilo relacionada com outra profissão, os caçadores de penaltis de hoje já não podem ser mergulhadores, têm de ser daqueles advogados especializados em safar clientes dentro dos limites da lei com base em estratagemas que se descobrem nas letras pequenas do código civil, fiscal ou criminal. É ilegal? Não. Mas também não é bonito nem particularmente honroso.
A chave está nas palavras que o próprio Taremi chegou a proferir na tal atabalhoada flash na Sport TV, no Estoril. “Há contacto entre a perna do Witsel e o meu pé. Não houve simulação”, disse o iraniano a propósito do lance que protagonizou em Madrid, contra o Atlético, e que levou à sua expulsão de campo, com segundo amarelo, por tentar arrancar um penalti. Houve contacto? Sim, sem dúvida. Mas quem o promoveu? Porque uma coisa é a tal armadilha – são muitos os que abrandam quando sentem o adversário a chegar para depois aproveitar o impulso nas costas da chegada de um defensor apressado para cair para a frente – e outra é correr de maneira a promover um contacto, abrindo uma das pernas, por exemplo, para que ela se atravesse no caminho do adversário, dessa forma dificultando a vida a quem tem de decidir. E é isso que a lei pune.
Taremi, como ontem disse Sérgio Conceição, é muito mais do que os penaltis que sofre, sejam eles provocados ou não. É um jogador de uma clarividência tática como não há outro neste FC Porto. É um jogador que entende o jogo e percebe se tem de baixar em apoio entre linhas, de buscar a profundidade, de alargar nos corredores ou de se aproximar do avançado de referência. É um jogador fino tecnicamente, bom a finalizar, que não precisava para nada desta polémica. Mas se a tem é porque em dada altura da carreira se apercebeu que conseguia andar nessa zona cinzenta e disso tirar benefícios. O resto é propaganda. Há propaganda dos adversários, que usam os seus comentadores engajados ou perfis não oficiais de Facebook ou de Twitter para chamar a atenção para o excesso de penaltis sobre o iraniano, a ver se nem aqueles que são mesmo penalti são assinalados. E há propaganda do FC Porto, que chama a atenção para uma “perseguição” de que ele será vítima e que, após o jogo com o GD Chaves, foi mesmo ao ponto de substituir a conferência de imprensa do treinador por uma declaração de um vice-presidente, para chamar a atenção para a campanha dos adversários, com o objetivo de que Taremi possa voltar a usar a sua metodologia e a beneficiar dela.
A mim, devo dizer-vos, isto passa-me tudo ao lado. Taremi tinha tudo a ganhar em centrar-se naquilo que Sérgio Conceição diz que ele é: “Um jogador superior aos outros em termos de inteligência”. O resto, caberá aos árbitros entenderem, sem condicionamentos de um lado ou do outro. E, acreditem: quanto menos se falar disto partindo de bases enviesadas, mais acerto teremos nas decisões. O problema é que não é isso que eles querem. Nem uns nem os outros.
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