E agora, Sporting?
A estratégia de contenção de danos está em andamento no Sporting. Já se renovou a confiança no treinador e se recordou a arbitragem. Mas nada chegará se não vier o ingrediente fundamental: vitórias.
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A derrota é o que conta, porque permitiu a aproximação do Benfica e pode valer hoje a do FC Porto, mas a pobreza da exibição foi o que alarmou mais quem quiser ver as coisas como elas têm de ser vistas. O Sporting de sábado, batido em casa pelo Santa Clara, foi o pior da época tanto à vista como numa série de parâmetros estatísticos difíceis de justificar. E, ainda que o discurso oficioso que as fontes sopram para a comunicação social tenha de ser o de confiança total e absoluta na nova liderança, ainda que as mesmas fontes adotem a psicologia invertida, ao fazer passar para o exterior que circula no grupo a ideia de que a arbitragem não pode ser desculpa – o que é a forma de, sem o trazer, trazer na mesma o árbitro para o palco –, ainda que o próximo passo no manual de comunicação, em princípio antes da deslocação a Moreira de Cónegos, deva ser o de lembrar que os leões são primeiros e que não quereriam trocar de posição com os rivais, é evidente que a situação atual é de extraordinária pressão em cima de João Pereira e, sobretudo, de Frederico Varandas. Há um par de semanas, o presidente apresentou o treinador como a última bolacha do pacote, destinado a altíssimos voos no médio prazo, mas entretanto não só viu extinguir a chama vencedora que alimentava a equipa como pode brevemente ver-se na contingência de ter de perder face se quiser salvar o objetivo final.
Não acredito que, por mais que o quisesse ou por mais inábil que fosse, alguém conseguisse destruir as dinâmicas de uma equipa vencedora – onze vitórias em onze jogos na Liga e dez pontos em quatro jogos na Champions – em duas semanas de trabalho. Do ponto de vista da metodologia de treino, da tática, da estratégia isso é humanamente impossível. O que, por um lado, também não quer dizer que João Pereira esteja a treinar bem, a operacionalizar bem conceitos, a decidir bem posicionamentos e estratégias. Só quer dizer que não é sobretudo isso que está em causa, que não foram os posicionamentos mais altos dos dois alas contra o Arsenal, a escolha repetida de Edwards para a vaga de Pedro Gonçalves ou a substituição de dois dos três centrais na segunda parte da partida do Santa Clara as causas mais profundas do problema. A questão é que há num grupo de jogadores de futebol dinâmicas invisíveis que têm que ver com a confiança que eles têm no processo, com a crença que depositam no novo estado de coisas – e se já era de esperar que essas dinâmicas desfavorecessem quem quer que sucedesse a Ruben Amorim, o que se tem visto permite pensar que a quebra foi bem maior do que era expectável. Trata-se agora de saber se João Pereira terá condições para inverter este estado de coisas, porque a dúvida é um flagelo terrível e alastra-se de forma implacável se não for travada a tempo. E é aí que o processo chega ao topo. Quando é que é tarde demais? Não são as duas derrotas seguidas? Concordo. Quão convicto seria um decisor se ao fim de dois tropeções mudasse radicalmente de ideias que tinha tão enraizadas? Serão eventualmente três? Quatro? Ou é só quando os rivais já estiverem tão longe que não haja hipótese de reversão?
Já o tinha escrito aqui que o Sporting de Rúben Amorim também apanhara três goleadas em casa nas provas da UEFA, mas que ganhou sempre os jogos que se seguiram. Ora, o Sporting de João Pereira claudicou na resposta à crise e, no rescaldo dos 1-5 do Arsenal, saiu derrotado também da receção ao Santa Clara, que é quarto na tabela, sim, que é uma boa equipa, certamente, que se apresentou bem organizado, é verdade, mas que em duas visitas ao Benfica esta época saiu da Luz com um total de sete golos encaixados e em Alvalade bloqueou por completo o melhor ataque do campeonato. É é que não se limitou a sair dali com a baliza a zeros: ao todo, em 90 minutos de muitos cruzamentos, os leões só criaram uma ocasião de golo, ingloriamente desperdiçada por Gyökeres na exposição daquele que é o seu ponto fraco: a resposta a cruzamentos. Boa parte dos problemas leoninos nos dois jogos relacionou-se com a forma como a equipa não ligava com qualidade a primeira e segunda fases de organização ofensiva, levando a perdas de bola em zona de risco contra o Arsenal, que pressionava mais alto, expondo a subida precipitada dos alas leoninos, e a uma circulação lenta contra o Santa Clara, que manteve o bloco mais baixo. Nos dois casos, os leões viram sempre impedida a entrada no espaço interior e foram forçados a ir muito por fora, abordando o último terço na largura e batendo recordes de cruzamentos – a tal situação de jogo que mais desfavorece o seu melhor jogador. De acordo com os dados da Opta Sports, foram 34 contra o Santa Clara e 15 frente ao Arsenal, quando nos últimos jogos similares da era Amorim a equipa só tinha feito 14 contra o Estrela da Amadora e um frente ao Manchester City. Isto é estratégico ou apenas, como me parece, a fuga para a frente de uma equipa que vê impedido o caminho preferencial e desconfia de si mesma a ponto de se travar?
Ninguém deve ser julgado por dois jogos – que o da Taça contra o Amarante FC nem conta. Mas os próximos dois desafios serão absolutamente decisivos para João Pereira. Tudo o que não seja uma vitória na deslocação a Moreira de Cónegos – onde o Benfica já empatou e o FC Porto perdeu, na Taça – e pelo menos um empate em Bruges, carimbando definitivamente o apuramento para o playoff da Liga dos Campeões, deixará o sucessor de Ruben Amorim numa situação próxima do insustentável. A próxima semana e meia não faz dele melhor nem pior treinador, mas na psique dos futebolistas que ele tem de liderar e levar à superação de rendimento define se ele é o produto acabado ou alguém que ainda está à procura da sua própria definição como técnico. Se as coisas correrem mal, depois de ter cometido o erro que cometeu na renovação do contrato de Amorim, permitindo que houvesse uma cláusula de rescisão ativável a meio da época, a Frederico Varandas só restará um ato de contrição, que é a perda de face e o reconhecimento atempado de que precisa de dar o dito por não dito com a designação do sucessor. Mesmo que João Pereira um dia viesse a dar-lhe razão e a liderar um dos grandes clubes da Europa, a conclusão que o futebol lhe forneceria era a de que, hoje, ele ainda não estaria preparado, quanto mais não seja porque não estaria a ser capaz de se impor junto de quem primeiro tem de convencer, que não são os jornalistas nem os adeptos mas sim os jogadores. E se, perdido numa espécie de complexo de Ícaro, Pereira acabar por se queimar nessa incapacidade de convencer os homens que tem de liderar, ao presidente nada mais restará a não ser começar a trabalhar com os gurus da comunicação na melhor forma de nos convencer a todos de que Amorim não foi um golpe de sorte dificilmente repetível e que o mais avisado mesmo será contratar um treinador com provas dadas, mais habituado a voar perto do Sol.
O problema é que não há alternativa a JP, mesmo que se percam pontos em Moreira de Cónegos e em Brugges. Não há, a não ser que se queira radicalizar tudo indo buscar Sérgio Conceição, engulindo Varandas um passado recente. E o pior é que Hugo Viana também vai sair, deixando de ser um 'conseglieri' fundamental do presidente.
Por vezes o melhor é deixar como está. Há um sistema vencedor em que a equipa joga de olhos fechados. Mudar só para mostrar que se tem ideias, mostra uma necessidade de afirmação que ja demonstra impreparação. Depois esta ideia de contratar um jogar para se criar um treinador em cativeiro é simplesmente absurda. Como sempre disse Amorim foi sorte.