Da vergonha e de outras coisas
O jogo da vergonha nunca devia ter acontecido. Mas não vai ser repetido, porque isso abria a porta a uma gigantesca confusão jurídica. Tudo porque ninguém fez uma coisa tão simples como pensar.
A Assembleia Geral da Liga vai hoje decidir se decide acerca do fantasmagórico Belenenses SAD-Benfica do mês passado, o jogo da vergonha que não devia ter acontecido em que em última análise lhe negou a utilidade e, mais, que até lhe esfregou na cara que não serve para nada. E digo “vai decidir se decide” porque estas coisas da justiça e dos regulamentos têm de ser levadas muito a sério, de gravata a apertar o colarinho e ar composto. Caso contrário, quando aqueles senhores saíssem da sala e nos dissessem que aprovaram agora uma norma que, se não fossem incompetentes, deveriam ter aprovado antes de começar o campeonato e que, como é evidente, essa mesma norma não pode ter efeitos retroativos, a gente nem os levava a sério. Há três coisas que me parecem evidentes neste processo: que o B SAD-Benfica devia ter sido adiado; que o B SAD-Benfica não vai ser repetido; e que os membros da Assembleia Geral da Liga vão sair da sala cheios de razão.
Fico ligeiramente envergonhado sempre que faço o Futebol de Verdade e me aparece um de vós a pedir uma opinião sobre um jogo qualquer que não acompanhei, porque o meu trabalho não é só ver futebol, é também e sobretudo escrever sobre futebol e porque, tal como os vossos, os meus dias também só têm 24 horas. Mas fico envergonhado na mesma, pois sinto que vos estou a falhar. E isso serve-me para ser mais temperado quando escrever o que vem aí a seguir, mas ao mesmo tempo para imaginar os conflitos interiores que vão na cabeça daquela gente: como é que é possível que ninguém na Liga tenha percebido que, mais tarde ou mais cedo, ia acontecer uma coisa destas? O trabalho deles, qual é? Não é organizar as competições, tratar, entre outras coisas, de que elas não sejam motivo de vergonha e alvo de descrédito geral? Não têm tempo para tudo? Mas geram receita suficiente para ter mais gente a trabalhar e a pensar – porque é que não contratam? E se até eu, que nem consigo ver os jogos todos, gero pouca receita e por isso trabalho sozinho e, como já disse aqui, não me considero mais inteligente do que a média, propus uma solução antes de o campeonato anterior começar, tenho alguma dificuldade em entender que quem organiza a sexta Liga mais importante da Europa não tenha lá no meio da estrutura uma alminha capaz de discorrer sobre a matéria a ponto de evitar esta ridicularia.
Mas pronto, tal como as normas, as ações também não são retroativas. Não é possível fazer hoje o que devíamos ter feito no ano passado e esperar que a história mostre que já estava tratado. E, convenhamos, este nem é um problema apenas português e houve coisas que por cá fizemos bem: a vacinação dos futebolistas, por exemplo, anda muito perto dos 100 por cento e só não chegou aos que a não quiseram tomar. Tal como a dos padeiros, a dos canalizadores ou a dos carpinteiros – o que para o caso vem esvaziar o mérito das instâncias desportivas e dirigi-lo para as da saúde. Em Inglaterra, onde a falta de vacinação entre os jogadores é assustadora – dizem-me que anda pelos 60 e picos por cento – já começa a ser contestada a arbitrariedade das decisões que a Premier League tem tomado em relação a adiamentos de jogos. Porque a Premier League tem competência executiva alargada e decide adiar jogos, coisa que a Liga Portuguesa não pode fazer. Em Inglaterra, já têm a versão deles da norma que a Liga Portuguesa vai agora aprovar – lá, em vez de 13 jogadores disponíveis, a norma fala de 14 – mas ainda assim a Premier League decidiu adiar outros jogos, para não propiciar espetáculos ridículos como o B SAD-Benfica. E os clubes não estão a gostar. “Porquê o dele e não o meu?”
Portanto, hoje, na Assembleia Geral da Liga, vamos dar um passo em frente e aprovar uma norma que, ainda assim, fica muito aquém do exigível. Eu ficaria muito mais confortável com a proposta que fiz há mais de um ano, em torno da noção de “jogador nuclear”: uma equipa que estivesse privada de mais de seis dos jogadores mais utilizados devido à Covid19 teria o direito a pedir o adiamento do seu jogo. Nesse caso, além de se salvaguardar a decência – que é tudo o que a proposta atual vem tentar defender – também se defenderia a verdade desportiva. Mas ao mesmo tempo que defendemos a decência que é impedir que uma equipa entre em campo com nove, abrimos a porta à indecência que aí vem, à volta de protestos e chicanas jurídicas em torno dos jogos.
Porque a própria constituição da República Portuguesa estipula que uma norma regulamentar não pode, evidentemente, ter efeitos retroativos – pelo que não colhe, do ponto de vista legal, a ideia da repetição do jogo da vergonha. Mas o que estamos a enfrentar aqui é a mudança das regras a meio de uma competição. E como gosto de pensar nestas coisas, só deixo uma pergunta: o que acontece se, daqui a umas semanas, outro candidato ao título vir um desafio adiado para uma altura em que lhe dá menos jeito se do outro lado o adversário não tiver os necessários 13 jogadores para ir a jogo? Não se sentirão prejudicados face ao que passou o Benfica naquela noite contra a Belenenses SAD?
Vão já pensando nisso...
O problema é que estão a querer agora resolver um problema que ja não parece ter solução, ou seja, como disse e bem, mesmo que se regule que o resto da época terá essa regra dos 13 disponíveis (a sua proposta parece-me bem melhor) a liga já nunca vai ser justa, porque houve essa vergonha que não devia ter acontecido, imaginemos que o sporting a 2 jornadas do final vê um jogo adiado porque o aniversário so tem 12 disponíveis, e posteriormente perde esse jogo e o campeonato para o Benfica por 1 ponto, com toda a razão vão dizer que foram prejudicados!
Por muito estúpido que pareça na minha opinião as alterações deviam ser so a partir do próximo campeonato.
Ou então haver alguma maneira de repetir o jogo.
Mas que o meu Benfica ganha 😉
É triste que a imprensa e os jornalistas designem este jogo como o "jogo da vergonha" e se esqueçam, convenientemente, que existiu antes, um jogo exatamente nas mesmas condições, em que uma equipa entrou em campo apesar de não ter 11 jogadores.
Mas isto é a imprensa sensionalista que temos hoje em dia, em que basta estar envolvido um dos grandes (e normalmente é o Benfica, porque é o que rende mais exposição a imprensa). Não existe equididade, não existe sequer uma tentativa de isenção, interessa é vender sem olhar a meios.
É esta a razão principal porque o jornalismo está, hoje em dia, cada vez mais desacreditado.