Da resignação à explosão de adrenalina
A expressão resignada parecia indicar que Jesus achava que nada que ele fizesse alteraria o curso dos acontecimentos. E isso contrasta com a adrenalina da altercação entre Pepe e Loum.
Não sou especialista na leitura de lábios e por mais que me esforce nem consigo imaginar o que é que Loum pode ter dito a Pepe, num contexto de celebração de vitória e após uma vitória intensa, como foi a do FC Porto em Faro, para ter gerado aquela reação inaceitável do capitão. Mas, apesar de não acreditar nos méritos da chamada liderança pelo grito, não deixei de reparar no contraste entre a explosão de adrenalina dos jogadores portistas no final do jogo e a expressão sempre conformada de Jorge Jesus no banco, a ver a exibição sem chama da equipa do Benfica no empate caseiro com o Nacional. Não acho que Jesus esteja diferente, como estou farto de ler e ouvir, até antes de isso ter sido potenciado pelo que disse Sérgio Conceição, quando revelou os detalhes da conversa pré-natalícia entre os dois. Mas acho, sim, que a equipa do Benfica se entregou à crise Covid19 de forma excessivamente resignada e que isso teve reflexos em campo.
A ver se nos entendemos: ao contrário do que achei a respeito da Taça da Liga, entendo que o Benfica-Nacional de ontem deveria ter sido adiado. Moralmente, quero eu dizer. Porque apesar dos avisos (e este deixei-o antes do início do campeonato), os clubes não quiseram saber da coisa para nada e seguiram alegremente sem querer incluir no Regulamento Geral de Competições uma cláusula que previsse questões como esta, que não são de saúde pública mas sim de defesa da verdade desportiva. Tanta gente nas estruturas e não houve ninguém que pensasse nisto… Ora, a 15 de Setembro, muito antes de saber quem é que ia ser afetado pela pandemia ou escapar mais ou menos incólume, defendi que um clube devia ter o direito a adiar os jogos para os quais o vírus o privasse de pelo menos seis jogadores “nucleares”, isto é, que tivessem feito em campo mais de metade dos minutos que a época levasse até então. Isso não acontecia com o Benfica antes da Taça da Liga, mas já sucedeu ontem: contra o Nacional, a Covid19 impediu de irem a jogo Vertonghen (81,4% dos minutos em campo), Vlachodimos (74%), Everton (73,5%), Gilberto (60%), Grimaldo (59,4%), Otamendi (56,3%) e Waldschmidt (50,9%). Sete “nucleares”, sendo que a diferença para a Taça da Liga é que na altura Everton e Vlachodimos ainda estiveram disponíveis.
Estas coisas não podem ser decididas com base em critérios subjetivos. Não me interessa para nada se um clube tem equipa B e de sub23 e outro teve de levar os juniores. Interessa-me ainda menos se um clube anuiu a adiar um jogo e não aceitou adiar outro, como parece ter sido o caso do Nacional. O papel das estruturas era terem previsto isto, não é andarem a espalhar tweets acerca de arbitragens dos jogos dos adversários, a servir de fonte anónima de gente menos escrupulosa ou a espalhar teorias da conspiração que ao mesmo tempo que angariam simpatia entre a fação mais fanática da opinião pública também contribuem para fazer crescer a resignação interna face à alegada “impossibilidade de ganhar”. Já o papel dos treinadores, esse, é fazer os jogadores acreditar que podem vencer os jogos e injetar-lhes a dose de adrenalina necessária para levarem esse esforço até ao fim. E isso o Benfica não mostrou no jogo de ontem. Mostrou qualidade nos primeiros 15 ou 20 minutos, tornando o primeiro golo inevitável, e depois um acomodamento que foi um convite a que o Nacional tomasse conta do jogo e o empatasse, como veio a suceder. Olhava-se para Jesus e via-se um misto de frustração com descrença nos jogadores que estavam em campo. E ao contrário do que se passou em Leiria – na “dura” pública que deu em João Ferreira após o final do jogo – a ideia que ficou foi a de que o treinador do Benfica achava que nada que ele pudesse fazer alteraria o curso dos acontecimentos.
Jesus não está diferente. ESTEVE diferente ontem. E se isso saltou à vista durante o Benfica-Nacional, não precisava de ser sublimado por aquele estufar de peito de Pepe e Loum após um jogo sempre de faca nos dentes, como foi o Farense-FC Porto. Sérgio Conceição disse no final que problemas daqueles “não são bonitos”, mas “são coisas do futebol”. Que não são bonitos, é evidente. Se são coisas do futebol, admito que sim. Mas não creio que sejam reflexo inevitável da resposta positiva à exigência de competitividade como a que o FC Porto mostrou em Faro ou a que Jesus revelou ter feito, por exemplo, a Darwin e Rafa no intervalo. “Disse-lhes que tinham de aumentar o ritmo para a equipa ficar mais forte na segunda parte. Dei-lhes tempo, mas não vi nem um nem o outro resolver nada”, afirmou no final Jesus. Se o principal problema do Benfica fossem as ausências, o treinador não sacrificaria dois dos cinco homens “nucleares” que tinha em campo desde o início. Não. O problema maior foi outro, por mais que isso não seja do agrado da estrutura.