Há perguntas para todos
Toda a gente aponta o dedo a alguém na ressaca do B SAD-Benfica. Mas todos são culpados. Aqui deixo perguntas a que os intervenientes não responderam. Clubes (todos), Liga, DGS, governo e oposição.
A ressaca do caso B SAD-Benfica, com reuniões e justificações de todas as partes, não me dá grande confiança acerca da capacidade das instituições para resolver este problema e, mais importante ainda, para evitar que ele volte a acontecer com outros intervenientes. Já tinha explicado aqui ontem que a questão nasceu da vontade de todos os agentes para aproveitar o vazio, de modo a dele tirar dividendos. É a inversão de um famoso aforismo anarquista: “Há governo? Sou contra!”. No futebol português não pode haver governo, porque essa é a única forma que os seus intervenientes encontram para prosseguir a chicana pelos intervalos da chuva sem se molharem. Mas tenho perguntas para todos.
A ver se nos entendemos: não há inocentes neste caso. O que é mau, porque se todos são culpados já sabemos que, por um lado, vão continuar todos a apontar o dedo acusador uns aos outros e, por outro, ninguém vai mexer-se para mudar as coisas, convicto de que pode fazer passar a narrativa segundo a qual tem as mãos limpas. Mas daqui ninguém sai com as mãos limpas. Nem o Governo, nem a DGS, nem a Liga, nem os clubes envolvidos, nem os que, não sendo para ali chamados diretamente, participaram no patrocínio ao vazio regulamentar que nos conduziu a isto em consecutivas assembleias gerais de valor próximo do zero. Estes, que agora emitem comunicados a criticar a atitude dos dois que foram a jogo, um porque não devia ter aceite submeter-se àquilo e o outro porque devia ter mostrado fair-play, negando-se a aproveitar a situação, também deviam ter tido a capacidade de antecipar a coisa. E como não me julgo mais inteligente do que a média e até eu o fiz, aqui, só posso crer que também eles o fizeram mas preferiram olhar para o lado, porque talvez um dia esse vazio pudesse ser-lhes útil. Foi por isso?
Então e os dois clubes que foram a jogo? Culpados, também. Aliás, duplamente culpados. Não aponto o dedo a jogadores e treinadores do Benfica nem subscrevo a tese segundo a qual deviam ter-se limitado a fazer um golo e depois a trocar a bola, à espera que o jogo acabasse. Isso seria igualmente nocivo em termos daquilo que interessa, que é a verdade desportiva e a imagem pública da prova. A competição seria na mesma alvo de gozo e descrédito e, se os 7-0 que vão ficar na história certamente pecam por excesso, quem nos garante que o 1-0 que pedem os arautos desse suposto “fair-play” não pecaria por defeito? Acaso alguém depositou nos jogadores o poder de decidir qual era o resultado justo? Não foi isso que fizeram – e que todos tanto criticámos... – os jogadores de hóquei em patins de França e Espanha no último Europeu, quando acharam que o resultado do jogo entre ambos estava bem? Os jogadores das duas equipas são os únicos inocentes ali. Fizeram o que tinham de fazer. Não tinham era de ser expostos àquilo pelas administrações.
A administração do Benfica é culpada porque, mesmo que não tivesse conhecimento formal do que estava a passar-se, sabia melhor do que qualquer um de nós que havia problemas. E devia ter-se esforçado para indagar se não estaria, em nome de uma suposta vantagem desportiva imediata, a contribuir para o descrédito de uma prova de cuja rentabilidade é um dos maiores beneficiários. Rui Costa não voltou a falar do tema, mas era isso que gostaria de ver respondido pelo presidente do Benfica: por que é que o Benfica não se esforçou mais para evitar que o jogo fosse avante, quando toda a gente sabia que a B SAD estava inapelavelmente debilitada?
E a administração da B SAD? Culpada, também! Porque andou de peito feito a negar as suas dificuldades até faltarem minutos para o pontapé de saída. Em todas as muitas intervenções que fez ontem nas televisões, Rui Pedro Soares nunca disse por que razão não pediu formalmente o adiamento do jogo nem negou as suspeitas que foram sendo levantadas – de que não o fez por interesses financeiros imediatos, relacionados com a receita. Foi por isso que, mesmo quando só tinha seis jogadores disponíveis, continuou a afirmar que ia a jogo? Para convencer mais uns quantos incautos a comprar bilhete? Em resposta, Rui Pedro Soares agitou o fantasma da inacreditável falta de comparência creditada na II Liga da época passada ao CD Cova da Piedade, quando não tinha jogadores para a deslocação ao Estoril, mas podia sempre ter pedido o adiamento e, depois, se ele não fosse concedido, comparecer com os meios que tinha. Ninguém leva falta de comparência por pedir um adiamento. Pode levar por deixar de comparecer, se esse adiamento não for concedido. Aliás, o presidente da B SAD não só não pediu esse adiamento, como já anunciou que essa vai ser a estratégia para o próximo jogo, com o FC Vizela. O que é inacreditável.
Então e a Liga? Ontem já escrevi sobre a responsabilidade da Liga no vazio regulamentar, mas apontei mais o dedo aos clubes, porque são eles que têm o poder de legislar em assembleia geral. Já me incomodava o silêncio ensurdecedor do executivo liderado por Pedro Proença, mas atribuí-o a uma cautela na qual não me revejo mas que provavelmente precisa de ser adotada por quem está em posições de poder. O comunicado de ontem, porém, a bater todas as culpas para canto, é inacreditável. Não sei quem tem razão acerca do relatório do delegado alegadamente falseado, se a Liga ou a B SAD, mas nem isso me interessa para este caso. Antes da bronca, até admitia que o executivo da Liga estivesse tentado a reformar o futebol por dentro, exercendo o tal magistério de influência sem fazer muitas ondas, à espera que os clubes, que são os maiores interessados, ganhassem juízo. Mas perante este escândalo, que nos mostra a todos que isso não é possível, a Liga tinha a obrigação de impedir que aquilo acontecesse. E não pode vir culpar os clubes e a DGS sem esperar que fiquemos atónitos. A intenção, declarada em comunicado, de “incumbir o Grupo de Trabalho Regulamentar de elaborar, com caráter de urgência, uma proposta de revisão das normas relevantes (...) de forma a reforçar os mecanismos à disposição da Direção para atuar em matéria de adiamento de jogos” parece areia que nos atiram aos olhos para mascarar a incapacidade executiva do órgão... executivo. Cada um sabe de si, mas por que razão quer Proença ser líder de um organismo em que não manda nem o deixam mandar? Era isso que gostava de ver respondido pelo presidente da Liga.
E chegamos ao Governo. Não me alongo acerca da atuação da DGS, porque há dados que não são do conhecimento público. Se aceito que, por terem estado em contacto com os primeiros infetados em Portugal com a variante sul-africana do vírus, os jogadores que tinham testado negativo tenham sido colocados em isolamento profilático, contrariando a norma comum, já me parece muito bizarro que de repente dois deles tenham sido liberados. Por que razão isso sucedeu? Que responda a DGS, a quem, no entanto, não poderemos nunca assacar qualquer tipo de responsabilidades na organização de eventos desportivos. Os delegados regionais de saúde não são árbitros de futebol, que tenham de ter sempre o mesmo entendimento destas situações – e até os árbitros mudam de critério consoante o jogo. Mas o Governo é quem tem a responsabilidade de, através da Lei de Bases, definir quem e como organiza a competição. Estamos em período pré-eleitoral e era isso que gostava de ver respondido pelos candidatos dos diferentes partidos: como pensam estruturar o futebol profissional em Portugal? Já há aqui pano para mangas.
Infelizmente parece-me a mim que o futebol ainda só é visto como um entretenimento para as massas, e não do ponto de vista económico-desportivo. Sim, é para as massas, e é para entreter, no entanto é para fazer dinheiro, logo deveria ser levado a sério por todos incluíndo o Governo. A Liga gerida por clubes, por sí só, já é uma anedota. Desde que era criança que sempre houve problemas com oa clubes a salvaguardarem os seus interesses... Eu vivo em Inglaterra desde 2013 e aqui a FA realmente poe a Premier League a andar, promovendo os interesses do futebol. Até à League 2 a coisa anda bem e o nível jogado é de boa qualidade. Portugal precisa se levar o Futebol a sério para que o que aconteceu no Jamor não se volte a repetir, além dos inumeros escândalos que tem passado ao lado por decadas. Contratem profissionais para a liga, e tirem de lá os clubes. Portugal tem tanta qualidade na formação, que é se perde nos clubes seniores, muito pela falta de qualidade da Liga. Preferem ganhar sempre os mesmos a mudar para melhor. Eu vejo com bons olhos a venda da liga como produto, mas isso nao acontence só com uns 6 bons jogos por ano ou 8 se incluirmos o SC Braga quando joga com os grandes. Precisamos de visão no desporto, e infelizmente, como em muitas areas bo País, a falta de tal é bem visivél. Quase sempre concordo com o Antonio. Para além disso eu ouço os podcasts do the Athletic e vê se a maneira como esta gente aqui vê este negocio do futebol.