Como vamos de meios-campos
Aursnes está a chegar para um Benfica com excesso de opções, ao Sporting falta profundidade e o FC Porto mudou estrategicamente reconhecendo que não podia substituir Vitinha.
Há uma distância evidente entre a noção de que uma equipa pode ser mais competitiva ou adaptar-se melhor às ideias do treinador contratando um determinado jogador e a decisão estratégica de avançar para a sua contratação e ela está bem à vista no comportamento que os três grandes estão a adotar relativamente aos reforços do meio-campo. Em causa, Aursnes, que parece estar aí a rebentar para preencher um papel que Roger Schmidt acha decisivo, o médio que ficou a faltar a Rúben Amorim depois da saída de Matheus Nunes e a situação no meio-campo do FC Porto após a transferência de Vitinha. Em todos os casos, os treinadores terão as suas razões para querer carne fresca. Mas há claramente graus de necessidade bem diferentes – e fruto até do elogio da escassez que está na base do projeto, o treinador do Sporting é, nesse particular, claramente quem fica mais descalço.
Comecemos por Aursnes, porque já nem jogou neste fim-de-semana pelo Feyenoord, ao que tudo indica porque está a chegar ao Benfica. O próprio Arne Slot, treinador dos neerlandeses, assumiu que ele vai sair “por 15 milhões de euros ou mais”, o que é uma valorização ainda mais notável do que a de Matheus Nunes, por exemplo, porque ele custou 450 mil euros há um ano, quando chegou do Molde IF. Já todos sabíamos que Schmidt queria um médio com a robustez deste norueguês e havia até a noção de que, não tendo ainda conseguido fechar o dossier Ricardo Horta, o Benfica tem dinheiro em caixa para o satisfazer. A questão, aqui, era somente a de ter cuidado com os ativos que estão no clube – e que se não forem colocados e baixarem mais um lugar na hierarquia de meio-campo desvalorizarão, tornando a relação entre valor investido e valor real do plantel mais desfavorável. E se a gestão de uma equipa de futebol não é só financeira, tem de ser também financeira.
Além de Florentino e Enzo Fernández, que têm sido titulares, Schmidt tem a trabalhar com ele, para duas posições, Weigl, Meité e Paulo Bernardo. O alemão custou 20 milhões de euros há dois anos e meio, pelo francês os encarnados pagaram seis milhões no Verão passado e o jovem português era, há meia dúzia de meses, apontado como a estrela emergente da equipa B. No momento em que o norueguês chegar, não é só Florentino que vê a vida a andar para trás – e se Schmidt não conta com Weigl e Meité é perfeitamente normal que queira três homens e um miúdo para disputar duas posições a meio-campo. As coisas ficarão igualmente mais difíceis para Paulo Bernardo, ainda que se ele for de facto o que o Benfica espera que ele seja deva ser capaz de justificar minutos a partir da quarta posição da hierarquia. Mas, quanto a Weigl e Meité, das duas uma: ou o Benfica os coloca noutro clube, nem que seja por empréstimo, ou não só está a dar como perdidos os 26 milhões de euros – fora os salários – que neles investiu como está ainda a impedir que quem vem atrás tenha acesso ao campo. O dossier Aursnes é a prova de que não basta ter o dinheiro para contratar um reforço: há que ter juízo na gestão de que está no grupo.
Se mudarmos a agulha para Alvalade, vemos que o Sporting resolveu de forma diferente os casos dos seus Weigls e Meités, que no caso se chamam, por exemplo, Battaglia, Eduardo ou Doumbia. Também é verdade que investiu bastante menos: o argentino custou 4,5 milhões de euros, o brasileiro três milhões e o marfinense 3,8 milhões. Battaglia e Doumbia já foram à vida deles, um em definitivo o outro por empréstimo, Eduardo ainda não tem clube e é possível que alguém se tenha já lembrado que se faz falta um médio para compor banco ele possa ser a solução barata e à mão de semear. Não na cabeça de Rúben Amorim, contudo, que na meia época que o teve no plantel, na ponta final de 2019/20, só lhe deu 17 minutos de jogo. E fê-lo curiosamente a substituir Matheus Nunes, na ponta final de um jogo em casa com o FC Paços de Ferreira que foi resolvido (1-0) com um golo de Jovane, outro reintegrado recente em benefício da profundidade do plantel.
Parece, no entanto, claro que o Sporting precisa de mais um médio, seja para entrar como titular ou para fazer banco. O Sporting trabalhou bem a substituição de Palhinha, fazendo-o coincidir com Ugarte durante uma Liga inteira, e parecia estar a fazer a mesma coisa com Matheus Nunes, através da contratação atempada de Morita. Só que o mercado estragou os planos a Amorim, que apesar de fazer o culto da escassez como forma de potenciar os jovens, não pode enfrentar uma época inteira só com dois médios além do lesionado Bragança. Nas duas épocas completas de Amorim, o terceiro médio (Matheus Nunes em 2020/21 e Ugarte em 21021/22) fez, respetivamente, 39 e 38 jogos. E o quarto – sempre Bragança – acabou com 25 e 36 presenças. Além disso, apesar da tenra idade, todos tinham, pelo menos, um ano de rodagem em equipas seniores – Ugarte no FC Famalicão, Matheus no Estoril e no Sporting, Bragança no Estoril – antes de assumirem a posição de principais alternativas no grupo dos leões. Mateus Fernandes, Essugo, Renato Veiga ou Diogo Abreu não reúnem nenhuma destas caraterísticas, pelo que dificilmente estarão prontos para ser terceiros na hierarquia já esta época – e a prova disso é que, tendo substituído Morita e Ugarte no jogo do Dragão, Amorim acabou com Esgaio e Pedro Gonçalves a meio-campo.
Quem não tem problemas de profundidade é o FC Porto, que conta com inúmeras opções até para o meio-campo a três – mais um – que Sérgio Conceição tem usado. Há Uribe, Grujic e Eustáquio para a posição mais recuada. Todos eles podem ainda fazer de médio interior, uma posição para a qual os dragões têm igualmente Otávio, Bruno Costa, Pepê e Franco. São sete para três lugares. Ou, se quisermos pensar na lógica do meio-campo em losango, nove para quatro posições, porque nesse caso se juntam ao lote Namaso e Verón, já utilizados por Sérgio Conceição no vértice mais avançado do setor, próximos de Taremi e Evanilson. O FC Porto precisa de substituir Vitinha? Numa lógica de profundidade, claramente não. E numa lógica de qualidade? Sim. Mas será possível encontrar, com o dinheiro que os clubes nacionais têm disponível, um jogador que substitua Vitinha no imediato quando se pensa em qualidade e criatividade? Não creio. A política do FC Porto foi, por isso, outra: acautelou a profundidade e respondeu às contingências de mercado mudando a forma de jogar, não só em termos de estrutura tática, fazendo do Plano B da época passada o Plano A desta época, como ainda de estratégia, dando ao onze outra vez uma componente maioritariamente pressionante e de transição.
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