Pistas para o clássico
O primeiro clássico da época deixará pistas acerca da validade das ideias colocadas em prática por Sérgio Conceição e Rúben Amorim para aprenderem a viver sem os craques perdidos no mercado.
O primeiro clássico da época, o FC Porto-Sporting de amanhã, será marcado pela perda de valor face aos confrontos da temporada passada, porque nos dragões já não há Díaz, Vitinha, Fábio Vieira ou Mbemba, enquanto que os leões entram a lamentar as ausências de Palhinha, Matheus Nunes, Sarabia e Tabata. Quem é que pode ressentir-se mais? O FC Porto, que até mudou o seu sistema tático, promovendo um plano alternativo a principal para não ter de suportar um meio-campo a dois formado por elementos muito idênticos entre si? O Sporting, que parecia ter tido tempo para superar as perdas e preparar a época, mas que depois viu a estratégia torpedeada pela saída de Matheus a cinco dias do clássico? A ideia com que fico é a de que, mesmo sem o mais recente reforço dos Wolves, Rúben Amorim tem um onze mais trabalhado, mas que a isso Sérgio Conceição pode contrapor muito poder saído do banco. O jogo dirá o que vai ser mais importante.
A perda de Vitinha, melhor jogador portista na segunda metade do campeonato – na primeira tinha sido Díaz, que também já se pôs ao fresco – era um dilema complicado de resolver. Na habitual estrutura de Sérgio Conceição, que partia da utilização de dois médios a par, o jovem que seguiu para o Paris Saint-Germain era a criatividade, sendo Uribe a solidez, sobretudo pela sua clarividência tática. Posto perante a necessidade de definir quem ia fazer de Vitinha, a primeira resposta do treinador foi: “ninguém”. Conceição assumiu Uribe como médio mais recuado e, como provavelmente não terá encontrado um médio capaz de lhe dar aquilo que lhe dava Vitinha, optou pela utilização de dois médios interiores, levando a equipa a variar entre o 4x4x2 com meio-campo em losango e um 4x3x3 com três avançados a jogarem muito por dentro e projeção dos laterais.
O FC Porto campeão de 2021/22 já tinha usado este sistema até mais do que um par de vezes – quase sempre com Pepê como vértice mais avançado do losango de meio-campo – mas variava fundamentalmente entre um 4x4x2 mais clássico e um 4x3x3 híbrido, que puxava para terceiro médio um dos alas – Otávio, da direita para o meio – e avançava o outro para funções de extremo puro – Díaz, no arranque da temporada, Pepê ou até Fábio Vieira depois da saída do colombiano, em Janeiro. Depois de um castigo de dois jogos e de ter sido suplente em Vizela, Otávio estrear-se-á seguramente como titular nesta época no clássico de amanhã. A curiosidade é a de se saber que papel lhe está reservado. O da época passada, no regresso ao tal sistema híbrido pressupõe a substituição de Vitinha por um jogador capaz de fazer o que ele fazia – e para já nem Grujic, mais físico, nem Eustáquio, igualmente cerebral mas menos criativo, parecem poder dar conta do recado. Poderá esse jogador ser Otávio? Talvez. Isso não seria um problema tanto pela questão defensiva – ainda que convenha que não se confunda capacidade defensiva com garra e espírito de luta – mas mais pelo desperdício a que seriam condenados uma série de jogadores, de repente tornados inúteis porque não podem fazer os lugares mais à frente.
Aquilo em que mais acredito é, por isso, na entrada de Otávio a jogar como interior, com Pepê a voltar ao vértice mais avançado do meio-campo, sacrificando-se Namaso e transportando então o sistema mais para o lado do 4x4x2 losango do que do tal 4x3x3 interior que tem sido a imagem de marca da equipa nos últimos jogos. Sendo que, a ser assim, Sérgio Conceição terá sempre muita gente no banco com capacidade para dar a volta, caso o plano inicial lhe corra mal. Haverá Eustáquio, Verón, Franco, Martínez, Galeno, o próprio Namaso... Afinal de contas, a saída de Matheus Nunes do Sporting para o Wolverhampton, esta semana, já teve uma consequência imediata: segundo a avaliação do Transfermarkt, o FC Porto passou a ter o plantel mais valioso da Liga portuguesa. Os 28 elementos do grupo às ordens de Conceição valerão agora um total de 247,25 milhões de euros, enquanto que os 31 leões de Rúben Amorim baixaram de 253 para 218 milhões. Num dia, por isso, os leões passaram de primeira a terceira força na Liga portuguesa (o plantel do Benfica está avaliado em 245,8 milhões). E, de certa forma, isso pode colocar em causa o trabalho de Amorim neste início de época. Contudo, se nos ativermos apenas aos onze-base, a diferença mitiga-se: o onze provável do FC Porto para amanhã é avaliado em 169,5 milhões de euros e os onze jogadores que o Sporting deve fazer subir ao relvado valerão 166,5 milhões.
Ao contrário do FC Porto, o Sporting raramente muda estrutura. Rúben Amorim tem sido inflexível quanto ao 3x4x3, tendo aliás vindo a trabalhar a substituição de peças de uma forma atempada – o que não sucedeu agora com a baixa de Matheus. Palhinha só saiu depois de se proceder à adaptação de Ugarte à nova realidade e, até pelo que foi dizendo, fica a ideia de que o treinador só projetaria a saída de Matheus no final da época, ou na pior das hipóteses em Janeiro, quando já tivesse Morita perfeitamente integrado no processo coletivo. O médio japonês até é mais forte do que o jogador que saiu agora nos espaços curtos, na circulação de bola, mas não dá à equipa nem a ínfima parte do que lhe dava Matheus nos movimentos longos. O Sporting estará a ser trabalhado para ser uma equipa mais de posse do que de transição – e a adoção do ataque móvel, formado por Pedro Gonçalves, Edwards e Trincão é um sinal nesse sentido – mas é normal que a mudança não se complete de forma abrupta, que os jogadores ainda sintam falta das acelerações e das mudanças de ritmo ou das linhas queimadas em posse que lhes oferecia Matheus Nunes. Mais ainda num jogo em que o adversário também quererá ter bola e jogar no meio-campo ofensivo, em que, portanto, haverá mais espaço longo, estando a equipa mais atrás do que o normal e com menos possibilidade de aproveitar ligações curtas.
Se a perda de Sarabia é uma questão de qualidade apenas – e Edwards já entrou no plantel em Janeiro precisamente para ser trabalhado para calçar as botas do espanhol – e é normal que o Sporting tenha ainda de proceder ao desmame em relação a Matheus no seu processo ofensivo, os dois maiores problemas a serem enfrentados pelo treinador são outros. Falo do desânimo que a perda do mais credenciado dos seus médios poderá provocar na equipa – e a descrença, a este nível, pode ser fatal – e da falta de alternativas visíveis para mexer com o jogo na zona de meio-campo. Os mais eufóricos com a valorização de Matheus Nunes – de um milhão para 45 milhões em dois anos – já andam entretidos à procura de alternativas, com Mateus Fernandes à cabeça dos mais promissores, mas há uma diferença fundamental entre este momento e aquele em que, conscientemente, o Sporting não quis ficar com João Mário, para dar espaço a Matheus Nunes. É que Matheus Nunes já tinha feito 31 jogos, mais de metade como suplente utilizado, na equipa campeã de 2020/21, enquanto que o jovem algarvio ainda nem sequer se estreou na formação principal. E nestas coisas é raríssimo haver fenómenos de geração espontânea.
Pensando a curto prazo, o problema, para Rúben Amorim, é se tem de mexer no meio-campo. Se, entre Ugarte e Morita, um deles se magoa ou fica condicionado por ver um amarelo cedo no jogo. Há Essugo, Renato Veiga, que também parecem curtos, bem como a possibilidade de se adaptar Matheus Reis – que foi médio na formação – ou Pedro Gonçalves – que já fez o lugar no FC Famalicão, ainda que num meio-campo a três, e cujo recuo parece ser um contrassenso, tendo em conta que seria afastar da baliza a principal força goleadora da equipa. Certo é que mesmo não sendo, em nada, definitivo, o clássico de amanhã dará as primeiras pistas em relação ao que podemos esperar da época.
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