Salamaleques no impasse de Horta
O que falta explicar são as razões pelas quais a transferência de Horta não avança se vendedor e comprador estão de acordo e o litígio tem que ver com algo posterior, que é a distribuição da receita.
Que há qualquer coisa por explicar no caso Ricardo Horta parece ser consensual. Que este é um caso exemplar do que a intervenção dos fundos de investimento pode fazer ao mercado, na permanente necessidade que o futebol tem de se financiar, parece ser também opinião geral, mas a mim já não me convence assim tanto. O problema entre Horta, o Benfica, o SC Braga, o Málaga CF e o fundo (ou os fundos, que ainda ninguém percebeu muito bem se é um ou são dois) que guardou parte dos interesses económicos no passe do jogador não é o facto de haver um caso mais ou menos evidente de TPO (Third Party Ownership), de qualquer modo anterior à entrada em vigor da legislação que o proíbe. É, sim, o facto de ninguém conseguir entender-se a propósito de quem é dono do quê. E isso é tanto culpa dos fundos como dos agentes e dos clubes envolvidos no negócio original.
No meio disto, ainda não vi feita a pergunta que mais interessa e que poderia resolver todo o processo. Se o SC Braga tem a totalidade dos direitos desportivos sobre Ricardo Horta e já chegou a acordo com o Benfica e se, além disso, está convicto de que tem razão na disputa que mantém com o Málaga CF a propósito de uma coisa que é posterior – a distribuição da receita gerada – por que razão é que o negócio não avança e depois logo se verá, nem que seja em tribunal, quem é que fica com o bolo? Seria a solução ideal? Não. Claramente, não. Ideal era que fosse absolutamente claro que percentagem dos direitos económicos cabe a cada uma das partes – e esse comboio já passou há muito. Aliás, esse comboio até já tinha passado no momento em que Ricardo Horta chegou a Braga, há seis anos, por empréstimo de um clube que teve o azar de lhe calhar o Al-Thani errado, um primo afastado do xeque do Qatar, que é dono do Paris Saint-Germain (e a história já a contei num dos episódios da série Donos da Bola), entretanto removido da gestão da sociedade em favor de um administrador judicial, por suspeitas de apropriação de meios do clube.
O negócio de Horta, na verdade, nunca foi claro. Horta tinha seguido de Setúbal para Málaga, em 2014, numa altura em que o Vitória FC já andava desesperado em busca de dinheiro fresco e vendia sempre que podia. Para tal precisava da ajuda de quem se disponibilizasse, que as urgências de caixa eram gigantescas. É este negócio que está na origem do imbróglio: quem pagou? Foi o Málaga CF? Foi o tal fundo (ou fundos) de investimento? Foi Jorge Mendes? Em Málaga, o extremo fez uma boa primeira época e uma segunda abaixo das expectativas. A solução encontrada pelos espanhóis – ou por quem decidia por eles – para tentar recuperar o investimento nele feito foi enviá-lo para Braga, em 2016, em primeira fase por empréstimo, para ele arrepiar caminho, e um ano depois com transferência do passe. Horta até já se tinha estreado na seleção nacional em 2014, ainda como jogador do clube espanhol, tinha à data da transferência de 22 para 23 anos, mas estava avaliado pelo Transfermarkt em apenas 1,75 milhões de euros. Coisa pouca, se comparado com os 20 milhões que António Salvador pede agora pelo seu passe e que o portal alemão especializado em mercado lhe atribui como valor justo.
Mesmo em Braga, o sucesso de Horta não foi instantâneo. Contudo, ao fazer duas épocas em três acima dos 20 golos desde 2019 voltou à seleção nacional e saltou para o topo da agenda de mercado, atraindo a atenção do Benfica. Já se sabe que Salvador é um negociador duro e que, tal como nos casos de Paulinho (Sporting), Galeno ou David Carmo (FC Porto) não cede a não ser que os pretendentes paguem os valores que ele quer. Não há nada de errado nisso. Não faz nenhum sentido que, mesmo com a introdução da FIFA Clearing House, que já tarda, se venha a estipular um limite de valorização aos jogadores, porque isso anularia as vantagens de se ter um bom scouting ou de se criar um ambiente em que os jogadores jovens possam crescer. Se um clube descobre um jogador de 50 milhões por um milhão nas divisões secundárias, como o Sporting fez com Matheus Nunes, tem mérito e deve ser recompensado, desde que depois pague os mecanismos de solidariedade com os clubes pequenos. Contudo, o problema está a montante. O que continua por explicar no meio disto tudo, repito, são as razões pelas quais a transferência não avança.
Lembram-se da pergunta que fiz lá mais atrás? “Se o SC Braga tem a totalidade dos direitos desportivos sobre Ricardo Horta e já chegou a acordo com o Benfica e se, além disso, está convicto de que tem razão na disputa que mantém com o Málaga CF a propósito de uma coisa que é posterior – a distribuição da receita gerada – por que razão é que o negócio não avança e depois logo se verá, nem que seja em tribunal, quem é que fica com o bolo?” Não tenho resposta para esta pergunta, mas para ajudar posso ainda deixar ainda outra, à qual os clubes deveriam responder. Será porque, sendo o jogador agora representado pela ProEleven de Carlos Gonçalves, o negócio original foi feito com a intermediação (e ao que parece também investimento) da Gestifute de Jorge Mendes? E quando pergunto não estou a imaginar uma rivalidade acesa entre dois homens à beira do confronto, como chegou a acontecer entre Mendes e José Veiga, quando o primeiro ultrapassou o segundo na hierarquia dos agentes, mas sim num excesso de deferência dos grandes clubes portugueses para com o homem que lhes facilita os maiores negócios para o exterior. O problema é que, com tantos salamaleques, quem fica apeado é o jogador.
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