Vitória clara e construída na pressão
O FC Porto bateu o Sporting por 3-0 muito graças à forma como Sérgio Conceição soube desmontar a saída de bola leonina e a uma superior capacidade de aproveitar as situações na área adversária.
O FC Porto venceu o Sporting por esclarecedores 3-0, no primeiro clássico da temporada, o que permite aos campeões nacionais alargar a vantagem sobre os leões para cinco pontos, à terceira jornada. A vitória portista foi justíssima mas, ainda que apareça justificada pelo índice de Golos Esperados (o xG da GoalPoint, por exemplo, fechou em 3,7-0,8), atingiu dimensões que pareceram exageradas face à produção das duas equipas e refletiu dois fatores: um muito superior grau de aproveitamento dos desequilíbrios criados por parte de um FC Porto mais experiente e frio face ao golo e uma diferença brutal no rendimento dos dois guarda-redes. Diogo Costa foi o homem do jogo, com três defesas absolutamente decisivas – duas delas espetaculares –, aos 45+3’, 45+4’ e 83’, ao passo que Adán esteve uns furos abaixo daquilo a que habituou os adeptos leoninos, com responsabilidades em dois dos golos portistas, pela lentidão revelada a sair dos postes: no primeiro, aos 42’, dividiu a bola com Taremi e o ressalto proporcionou uma finalização fácil a Evanilson; no terceiro, chegou tarde ao duelo com Galeno, derrubando-o para a grande penalidade com que o atacante portista fecharia o resultado.
Seria, no entanto, enganador resumir o jogo a proezas ou erros individuais. Houve muito de estratégico na superioridade que o FC Porto colocou no relvado após os primeiros 15’, que foi o tempo que durou a entrada personalizada no Sporting no campo. Sérgio Conceição, que no ano do título leonino chegou a dizer que o modelo de jogo de Rúben Amorim era “fácil de ler, mas difícil de desmontar”, parece ter encontrado o antídoto e soma três vitórias seguidas sobre os leões: aos dois jogos das meias-finais da Taça de Portugal de 2021/22, junta agora este, da Liga, competição onde os últimos quatro confrontos entre ambos tinham acabado empatados. Desde os tempos de José Mourinho que nenhum treinador do FC Porto ganhava três jogos seguidos ao Sporting. E isto – como quase tudo no futebol – não acontece por mero acaso. Os puristas podem não gostar da forma encontrada por Conceição para desmontar as nuances do 3x4x3 de saída baixa de Amorim, porque ela se baseia sobretudo em aspetos que são maioritariamente defensivos, mas o sucesso do FC Porto no jogo de ontem cresceu a partir de uma correta identificação das armas mais perigosas do adversário e da capacidade para as contrariar.
Em início de organização ofensiva, o Sporting baixa dois dos centrais para atrair a pressão da primeira linha adversária, adiantando Coates uns metros, de forma a tentar libertá-lo atrás dessa primeira linha e nele fazer entrar a bola em situação de vantagem para depois ligar com os médios. A primeira decisão de Sérgio Conceição foi ignorar e não pressionar a saída baixa do adversário, colocando a primeira linha de pressão – Evanilson, Pepê e Taremi – atrás do capitão leonino, sobretudo preocupada em interromper as linhas de passe para os médios e em levar o Sporting a sair por fora, pelos dois laterais. Quando a bola entrava num dos dois laterais leoninos, o lateral correspondente do FC Porto caía logo em pressão, de forma a provocar o erro e a recuperação de bola em zona ofensiva, permitindo à equipa entrar em transição. O lateral do lado contrário ficava atrás, formando uma linha de quatro com os dois centrais e ainda Uribe, que em momento defensivo baixava para o espaço entre eles, de modo a assegurar a superioridade numérica face aos três atacantes leoninos. A estratégia levou a diversas recuperações de bola – o FC Porto registou 13 ações defensivas dentro do meio-campo adversário, todas elas durante a primeira parte, período que o Sporting terminou a zeros neste parâmetro estatístico. Porro, então, foi um desastre neste aspeto, cedendo por diversas vezes à pressão de Zaidu.
É claro que a estratégia portista não era à prova de bala, mas para a bater o Sporting tinha de mostrar qualidades que lhe faltaram na maior parte do tempo. Precisava, por exemplo, de conseguir mais vezes uma ligação interior, fosse dando mais responsabilidade na construção a Adán – o que permitiria abrir mais os centrais na largura e dispersar a linha de três que o FC Porto lá tinha para os bloquear –, fosse desorganizando-se mais, fazendo Coates subir para trás dessa linha de qualquer modo. Os dois centro-campistas leoninos – Ugarte e Morita – estavam bloqueados por Bruno Costa e Otávio, mas se a bola entrasse neles e eles se conseguissem virar ou se, em alternativa, pudessem deixá-la passar até um dos homens da frente, o Sporting partiria imediatamente em vantagem numérica para o ataque. Outra forma de contrariar a pressão que o Sporting, a espaços, conseguiu, passava por circular mais rápido atrás, de modo a levar a bola de um lado ao outro do campo antes que lá pudesse chegar a correspondente basculação portista. Se isso acontecia e o lateral do lado contrário àquele em que começava a jogada era apanhado a meio-caminho entre a construção da linha de quatro homens que o FC Porto tinha atrás e a pressão ao lateral do lado da bola, o Sporting passava a ter via aberta para a criação de dificuldades através da ligação exterior. Foi isso que aconteceu, por exemplo, no lance da bola enviada ao poste por Morita, aos 11’.
O jogo estivera encaixado até aí. O FC Porto apareceu com Pepê em vez de Namaso no centro do ataque – ou no vértice mais adiantado do losango de meio-campo – de forma a acomodar Otávio no onze a partir da posição de médio-interior, e com Bruno Costa no lugar do lesionado Grujic. O Sporting, por sua vez, surgiu como se espertava, com Morita no lugar de Matheus Nunes. Não foi pela ausência do médio esta semana transferido para o Wolverhampton WFC que os leões perderam o jogo – aliás, enquanto lhe durou a pilha, o japonês foi dos melhores leões em campo. Mas pode perfeitamente ter sido um pouco também pela falta de soluções alternativas no banco: Ugarte ficou condicionado, com um cartão amarelo, logo aos 16’, e o mesmo aconteceu com Morita aos 42’. Nenhum dos dois se sentiu particularmente à vontade a partir desse momento para travar em falta uma eventual transição portista, o que teve os seus reflexos na facilidade com que alguns ataques azuis e brancos invadiam a zona mais recuada dos leões. É claro que o jogo sportinguista muda sem Matheus – fica mais miúdo, sem a mesma possibilidade de mudar velocidade com bola nos pés ou de queimar linhas em posse – mas esta é uma adaptação que a equipa tem de fazer, tal como o FC Porto teve de se adaptar à vida sem Vitinha e voltou um pouco a um futebol de raiz mais centrada na pressão e na transição do que na criação.
É que mesmo o ataque organizado do FC Porto se baseava muito na capacidade para ganhar duelos e segundas bolas, jogando sempre no limite do risco. Foi esta intensidade de pressão, que levou tempo a engrenar, que encaminhou o jogo para o lado da equipa da casa após os tais primeiros 15 minutos em que o Sporting pareceu estar mais à vontade. Apesar de algumas perdas de bola no seu meio-campo, os leões meteram nesse período uma ligação exterior entre Matheus Reis e Pedro Gonçalves, na esquerda, que levou ao cruzamento do lateral e à ressaca de Morita, que depois de tirar Otávio da frente chutou ao poste direito da baliza de Diogo Costa. Estavam decorridos 11 minutos de jogo e, entre duelos faiscantes, perdas e recuperações de bola, cartões amarelos aqui e acolá, quase sempre com o FC Porto a encostar o Sporting atrás, o jogo decorreu sem situações de perigo para as duas balizas até ao golo de Evanilson. Foi aos 42’. Uribe recebeu de Pepe e atraiu bem a pressão de Morita, libertando João Mário à direita. Este aproveitou a inclinação da linha leonina para o outro lado para avançar sem que Matheus Reis lhe aparecesse pela frente e, bem antes de chegar à área, tirou um belíssimo cruzamento para uma zona entre os centrais adversários e o guarda-redes. Neto deixou-se bater, Adán saiu tarde para se opor a Taremi e do choque entre os dois a bola respingou para Evanilson marcar de baliza aberta.
Até ao intervalo, foi a altura de Diogo Costa brilhar. Primeiro, aos 45+3’, quando após mais uma investida pela esquerda Matheus Reis cruzou rasteiro e Trincão, na passada, rematou da entrada da área, para uma enorme intervenção do guardião portista, que foi buscar a bola ao chão, por onde ela ia entrar. Não se ficaria por aqui Diogo Costa, que aos 45+4’ defendeu, por instinto e mérito de colocação, um potente golpe de cabeça de Gonçalo Inácio após canto de Edwards, chegando ainda primeiro que Coates à segunda bola e assim impedindo o capitão leonino de recargar. O FC Porto chegava ao intervalo em vantagem, justificada sobretudo pelo maior número de ações defensivas no meio-campo adversário (13-0 na primeira parte), pois todos os outros indicadores revelavam algum equilíbrio (4-5 em remates, 13-10 em ações na área) e os leões tinham até alguma superioridade na posse de bola (45-55 por cento).
A segunda parte trouxe um FC Porto menos intenso e por isso nova sensação de equilíbrio no jogo, que ficava à mercê de quem soubesse aproveitar melhor as suas contingências. E nisso se impôs a maior experiência do FC Porto. Rúben Amorim demorou a mexer, quando se via que precisava de médios capazes de condicionar a progressão interior portista – tanto Ugarte como Morita tinham já visto um amarelo – e só o fez aos 69’, fazendo entrar Rochinha para o lugar do japonês e baixando Pedro Gonçalves para o meio-campo. Além disso, chamou ao jogo Nuno Santos para o corredor esquerdo, retirando Neto – já amarelado – e puxando Matheus Reis para a linha de centrais. Respondeu Sérgio Conceição dois minutos depois com as entradas de Stephen Eustáquio e Galeno para os lugares de Bruno Costa e Taremi, que há alguns minutos parecia diminuído. Se a troca de Bruno Costa por Eustáquio se destinava só a refrescar o meio-campo, a de Taremi por Galeno trouxe novidades, pela maior capacidade do brasileiro ir buscar a largura ou até mesmo a profundidade.
Porém, não foi graças a nenhuma dessas duas caraterísticas que Galeno esteve na origem do segundo golo, três minutos após ter entrado. Aos 75’, Evanilson lançou Pepê em movimento de rotura nas costas da última linha leonina, este cruzou rasteiro, Eustáquio chutou contra Adán e a bola foi parar à cabeça de Galeno, que em boa posição teria feito golo não fosse o corte em cima da linha que Porro fez com a mão. O lateral leonino pôs ponto final num jogo desastrado com uma expulsão e, da marca de penalti, Uribe fez o 2-0, aos 78’. Mais uma vez, Rúben Amorim via-se forçado a mexer. Fez entrar Fatawu, um esquerdino, para a ala direita, sacrificando Edwards e colocando a equipa em 3x4x2. Ao mesmo tempo, substituiu Matheus Reis por Sanit-Juste, devolvendo Inácio ao lado esquerdo da linha de trás. Mesmo com um a menos, o Sporting esteve perto de reduzir, aos 83’: após um lançamento longo de Coates, Fatawu antecipou-se a Zaidu no ataque à bola e ganhou na potência a Marcano, mas não foi capaz de bater Diogo Costa no cara-a-cara com o guarda-redes, que deteve o remate com o joelho esquerdo.
Era o canto do cisne leonino, pois dois minutos depois Adán voltou a ser lento a sair da baliza, chegando tarde a um duelo com Galeno e derrubando o atacante brasileiro. Foi o próprio Galeno a bater o penalti, aos 86’, estabelecendo o 3-0 final. Sérgio Conceição ainda chamou ao relvado Toni Martínez, Wendell e Verón e este até fez o quarto golo, aos 90+2’, anulado por falta sobre Fatawu no momento da recuperação da bola. Estava mais do que resolvido o jogo entre um FC Porto eufórico e um Sporting em depressão. As próximas semanas nos dirão se é coisa permanente.
Arbitragem – Não teve influência no resultado a arbitragem de Nuno Almeida, que se saiu de forma airosa de um clássico de qualquer forma menos quente do que tem acontecido nos últimos tempos – e ainda bem. O árbitro esteve bem nos lances capitais. O primeiro golo do FC Porto é regular e os dois penaltis são claros. Nenhuma repetição mostra com clareza que tenha havido falta de Verón sobre Fatawu antes de o brasileiro fazer o golo que podia ter dado o 4-0, mas também nenhuma prova que o juiz não tenha tido razão. Terá ficado por mostrar um amarelo a Zaidu aos 2’ e outro a Neto aos 7’, o que pode entender-se pela vontade de não deixar o jogo descambar para excessos disciplinares. Tanto que entre os 40’ e os 42’ o árbitro se soltou e mostrou três amarelos, dois a Neto e a Zaidu e um terceiro a Morita, o único que pareceu excessivo. Tudo somado, Nuno Almeida não brilhou, mas também não estragou o jogo.
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