A vitória total do Sporting
Jorge Jesus tentou reduzir os 3-1 do Sporting ao Benfica na Luz a uma questão de eficácia. Não tem razão. Os leões de Rúben Amorim ganharam em todos os planos. Sobretudo no tático.
A vitória obtida pelo Sporting contra o Benfica (3-1), na sexta-feira, foi absolutamente clara e assente em pressupostos que se estendem muito para lá da “eficácia” a que se referiu Jorge Jesus no final do jogo. O Sporting ganhou porque foi melhor em tudo. Foi melhor do ponto de vista mental, na preparação dos substitutos de Coates e Palhinha, bem como da restante equipa, para ela não acusar as ausências. Foi melhor do ponto de vista técnico – e aí entra a eficácia, entre outras coisas. Foi melhor do ponto de vista físico, como se viu na diferença da abrangência das ações dos médios das duas equipas. E foi muito melhor do ponto de vista tático, que foi onde verdadeiramente ganhou o desafio. Rúben Amorim não é treinador para se gabar disso, mas não deixou de explicar o jogo de forma clara no final, na flash interview à BTV. Só não aproveitou quem não quis.
A superioridade mental pode ter sido ajudada pelo facto de o golo inaugural ter aparecido tão cedo, logo aos 8’. Ver-se em vantagem num dérbi desinibe qualquer equipa, mesmo uma que de repente se vê privada de duas unidades nucleares e pode correr riscos de duvidar de si e do processo. Aquele golo assegurou que isso não iria suceder. Já as vantagens técnica e física estiveram à vista ns diferenças no jogo conseguido por Matheus Nunes e João Mário, por exemplo. Embora em muitas ocasiões o Sporting possa sentir a falta do que lhe dava João Mário – a pausa, o critério atacante, a gestão do ritmo de jogo... –, Rúben Amorim terá entendido que era mais fácil trabalhar Matheus Nunes para ele melhorar nessas caraterísticas do que fazer do médio que saiu para o Benfica um “animal” físico como é aquele que ficou no Sporting. E, ainda que nem todos os jogos futuros tenham necessariamente de correr assim, o de sexta-feira foi ideal para lhe dar razão, pois além de fazer com Ugarte uma dupla que mandou a meio-campo face aos mais suaves João Mário e Weigl, Matheus não só não falhou a bola que teve para finalizar – enquanto João Mário perdeu o que podia ter sido o golo do empate com um remate pífio – como até se destacou num “momento à João Mário”, no passe de criação para o golo de Paulinho, o do 2-0.
Ainda assim, fundamental mesmo para o jogo ter corrido como correu foi a questão tática. E, nesse particular, a superioridade do Sporting assentou em dois pilares: defensivamente, roubar espaço interior e tirar profundidade ao ataque do Benfica; ofensivamente, aproveitar as referências individuais de marcação dos encarnados para os ferir. Parecia judo, desporto onde o peso do adversário é utilizado como arma para o levar ao tapete. Amorim olhou para o que o Benfica faz de diferenciado e procurou uma forma de aproveitar essa diferença em seu benefício. Mas o melhor é deixá-lo explicar. “Utilizámos bem as saídas, com a mobilidade dos três da frente. Defendemos mais baixo e saímos bem”, disse o treinador do Sporting à BTV, colocando o acento tónico na interpretação dos jogadores e não nas indicações que seguramente lhes dera. “Eles entenderam bem o jogo, porque é impossível dizer-lhes para onde têm de ir. Se vão para o sítio certo ou não, já depende deles”, prosseguiu, antes de fazer a referência às tais marcações individuais que Jorge Jesus recuperou desde Janeiro. “Devido às marcações individuais, quando tirávamos um jogador da frente, tínhamos muito espaço para correr com a bola”.
Como pode ver nesta imagem, o lance do terceiro golo, aquele com que Matheus Nunes sentenciou o jogo, é emblemático. Paulinho atraiu Otamendi bem dentro do meio-campo do Sporting, Sarabia puxou André Almeida para perto da lateral e, ganhando a dividida a Weigl, dez metros atrás da linha de meio-campo, Matheus Nunes teve campo aberto para correr até Vlachodimos. Mas se este lance mostra o primor de execução tática do Sporting, a jogada do primeiro golo, por exemplo, podia servir para sentenciar as dificuldades de interpretação da linha defensiva do Benfica para se adaptar às ideias que Jorge Jesus foi recuperar ao início do “cruijffismo”: Vertonghen deixou o DNA zonal vir ao topo e veio ter com Grimaldo para fazer 2x1 com Porro, mas mais ninguém falou a linguagem do belga, gerando uma espécie de teoria de dominós na qual Pedro Gonçalves ficou livre para colocar a bola nas costas do inadaptado André Almeida, num espaço onde estava Sarabia para finalizar e ainda não estava Lázaro, que já deixara Matheus Reis mas acabou por ficar a meio caminho para fazer a compensação defensiva.
O Sporting aproveitou o que Jesus desenhou como uma arma – ele ainda não o explicou, mas creio que recuperou esta forma de defender para surpreender o FC Porto, no Dragão, em Janeiro, depois de perder a Supertaça, no Natal de 2020 – para se tornar mais forte. Do outro lado, o Benfica não foi capaz de superar o obstáculo que lhe foi colocado pelo adversário à sua ação defensiva. “Como sabíamos que o Benfica é forte na profundidade e com o Rafa entre linhas, agrupámos mais a equipa. Escolhemos os momentos para pressionar”, explicou ainda Amorim. Ora o preenchimento do corredor central por um Sporting mais junto do que o habitual foi um obstáculo para o Benfica, porque fez desaparecer do campo o espaço onde Rafa costuma acelerar. Mas foi-o sobretudo porque Jorge Jesus voltou a não dar a Darwin o parceiro que mais lhe convém – Yaremchuk. O ucraniano começa a ter muita má vontade da bancada e da crítica, mas só com ele em campo o Benfica consegue ter presença na área de forma a aproveitar sucessivos cruzamentos e libertar o uruguaio, que se não tiver de estar a fazer de referência de costas para a baliza mostra as suas competências a cair nos corredores laterais. Já tinha defendido isso no Futebol de Verdade de sexta-feira passada.
Só quando Jesus corrigiu, fazendo entrar Yaremchuk e proibindo o Sporting de encaminhar o jogo ofensivo do Benfica para as laterais é que os encarnados equilibraram o jogo. Aí, porém, os leões fizeram o segundo. E depois o terceiro. Eficácia? Também. Mas não sobretudo nem fundamentalmente.
Concordo com a análise efetuada ao jogo, que não foi mais que uma vitória de uma equipa, bem preparada, contra um conjunto de boas individualidades.....
Leitura perfeita!