F80 (40): Carvalhal
Internacional em todas as seleções menos na A, Carvalhal foi um central promissor, mas consciente das suas limitações. Deu para chegar ao FC Porto, mas era mais abaixo que jogava.
Os adeptos do Sheffield Wednesday cantavam, há anos, “Carlos had a dream” [“Carlos tinha um sonho”], acerca da ilusão que o treinador português continuava a alimentar, de devolver a equipa à Premier League. Em Braga, onde agora treina, os seguidores do clube continuam a sonhar com o dia em que possam ser campeões nacionais, à frente dos grandes de sempre. Mas há 30 anos, o sonho de Carvalhal era bem diferente: queria ser jogador de I Divisão e o facto de ser capitão das sucessivas seleções jovens que ia integrando dava-lhe no SC Braga um estatuto especial, de jovem promessa em quem os treinadores tinham o dever de apostar. Teve, mesmo assim, de conquistar a pulso um lugar na I Divisão. Sempre conheceu as próprias limitações e soube defender-se, apostando na estatura, no profissionalismo ou na leitura de jogo que fazia para esconder a falta de capacidade técnica que anos mais tarde reconheceu sem complexos, quando assumiu nesta entrevista, que “o Carvalhal jogador não jogaria numa equipa do técnico Carvalhal”.
Ainda assim, Carvalhal foi uma das pedras-base do GD Chaves que entrou de rompante na I Divisão, ganhou o lugar no seu SC Braga e chegou ao FC Porto na sequência dos anos de grandes conquistas dos dragões. Parou aí a trajetória ascensional, mas ainda voltou a ser útil em vários clubes antes de assumir uma carreira de treinador que já lhe deu mais satisfações do que as que teve como futebolista. Como a presença numa final da Taça de Portugal com um Leixões que estava na II Divisão B (em 2002), a vitória na primeira Taça da Liga aos comandos do Vitória FC, batendo na final o Sporting, ou o sucesso na final da Taça de Portugal da época passada, ganhando com o seu SC Braga na decisão ao Benfica. Treinou grandes equipas, como o próprio Sporting ou o Besiktas, e abraçou de corpo e alma o projeto de chegar com o Sheffield Wednesday à maior Liga do Mundo, a Premier League inglesa. Apurou o Rio Ave para as competições da UEFA e voltou a casa, com a ideia de dar títulos ao crescimento do seu clube do coração. A persistência também foi sempre uma das armas deste defesa central nascido em Braga e formado pelo clube arsenalista quando a falta de uns patins em condições o desviou do hóquei para o futebol.
A trajetória nas camadas jovens do SC Braga e nas seleções inferiores – foi uma vez internacional sub14, 13 vezes internacional sub16, 12 vezes internacional sub18 e, mais tarde, nove vezes internacional sub21 – levou Quinito a chamá-lo aos treinos dos seniores e a dar-lhe a primeira partida enquanto profissional a 11 de Dezembro de 1983. Foi numa receção ao SC Espinho [ainda que, na entrevista acima, Carvalhal deixe que a memória o atraiçoe…], os bracarenses ganhavam por 2-0 e, a 19 minutos do fim, o miúdo (fizera 18 anos há uma semana) entrou para o lugar de Nelito. Até meados de Janeiro, Carvalhal fez mais dois jogos, ambos como suplente. Voltou à carga na época seguinte, ainda com Quinito, mas a dupla formada por Dito e Nelito não era fácil de superar, pelo que os bracarenses acabaram por decidir emprestá-lo por um ano. Quem se chegou à frente foi o GD Chaves, que acabara de subir pela primeira vez à I Divisão. Antes ainda teve direito à estreia europeia, em Londres, frente ao Tottenham. O SC Braga já tinha perdido a primeira mão da primeira eliminatória da Taça UEFA, em casa, por 3-0. Para o segundo jogo, Quinito apostou num reforço defensivo, mas o resultado não foi melhor: 6-0 para os ingleses e pesadelos de Carvalhal com Garth Crooks.
Em Chaves, com Raúl Águas, Carvalhal teve pela primeira vez continuidade. Foi titular em 28 das 30 jornadas de campeonato – falhou apenas nos empates caseiros com o SC Braga e o Sporting – que os transmontanos acabaram num excelente sexto lugar e esteve ainda na fase decisiva da Taça de Portugal, que a equipa deixou sem conhecer a derrota, caindo aos pés do Belenenses, mas no desempate por penaltis. Era o suficiente para voltar a casa. O SC Braga perdera Dito para o Benfica e o novo treinador, Humberto Coelho, via no miúdo a melhor alternativa. Ao mesmo tempo que ia jogando pela seleção de sub21, Carvalhal fez então quase toda a época como titular do SC Braga, marcando mesmo aquele que viria a ser o seu único golo na I Divisão: a 14 de Dezembro de 1986, fez o terceiro tento de um 3-1 em casa ao Elvas. Essa foi, no entanto, uma das últimas partidas de Humberto à frente do clube. Em finais de Janeiro, uma derrota com o Rio Ave, que deixava o SC Braga em posição de despromoção, levou à chicotada psicológica e, mesmo tendo Manuel José conduzido os arsenalistas à nona posição final, a época não foi de grandes memórias.
Carvalhal fez mais um ano em Braga, com dois empates frente ao Benfica e uma vitória sobre o Sporting no 1º de Maio, mas quando, no verão de 1988, acabou contrato e lhe apareceu uma proposta do FC Porto, nem pensou duas vezes. Mudou-se para as Antas, onde além de ir ganhar bom dinheiro, podia lutar por títulos. Não lhe ocorreu desde logo uma coisa. É que, apesar de Quinito, o treinador em quem o FC Porto apostou para substituir Tomislav Ivic, o conhecer bem, o plantel portista estava recheado de bons centrais. Havia Geraldão, Dito, Paulo Pereira, Lima Pereira ou Eduardo Luís. Tudo somado, nem o ano correu bem à equipa – zero títulos – nem Carvalhal jogou muitas vezes. Aliás, bem vistas as coisas, jogou… dois minutos. Foi em Alvalade, numa vitória por 2-1 frente ao Sporting, já com Artur Jorge aos comandos da equipa, a 31 de Dezembro de 1988: Carvalhal entrou aos 88’ para o lugar de Madjer com a ideia de segurar a vantagem. No final da época, não havia muito a fazer: saiu para o Beira Mar, clube mais de acordo com as suas qualidades de futebolista, onde voltou a ter continuidade.
Um ano regular, com Jean Thissen e depois Vítor Urbano a comandar a equipa, em Aveiro, ainda lhe valeu o regresso a casa. Raúl Águas, o treinador que primeiro apostara em Carvalhal de uma forma consolidada, tinha sido contratado pelos bracarenses e lembrou-se dele. No Minho, porém, o central só foi verdadeiramente feliz por um ano. À segunda época, passou a ser muito mais vezes suplente do que titular. Tinha 27 anos e estava longe de pensar em desistir, pelo que não hesitou quando lhe ofereceram a hipótese de sair. Assinou pelo Tirsense de Rodolfo Reis, estreou-se com um épico empate a zero com o Sporting de Robson em Alvalade, mas mesmo assim já foi como suplente – não jogou um minuto nas últimas seis jornadas – que assistiu à dramática despromoção dos Jesuítas em Faro: a três minutos do fim do campeonato, o Tirsense tinha um ponto de avanço sobre o Salgueiros; nessa altura, um golo de Hugo fez o 1-0 para o Farense e deixou tudo igual; em cima do minuto 90, Vinha marcou pelos salgueiristas em Espinho e o Tirsense desceu.
Carvalhal ainda jogou mais cinco anos, sempre entre o sobe e desce. Subiu com o Chaves em 1994, graças a uma vitória sobre o Leixões na última jornada (esteve no banco nesse jogo); ajudou a evitar a descida com a mesma equipa, no último dia do campeonato de 1995 (jogou na vitória decisiva, um 3-1 ao Boavista); voltou a subir com o SC Espinho em 1996 (entrou para ajudar a segurar o 1-0 no terreno da Ovarense na última ronda), ainda que apenas para descer em 1997. Despediu-se como jogador da I Divisão a 15 de Junho de 1997, com uma vitória inútil sobre o Estrela da Amadora (2-1), pois a despromoção já tinha ficado carimbada uma semana antes, numa goleada (0-5) encaixada frente ao Salgueiros, na qual ele não tomou parte. Carlos Carvalhal já estava a tratar do futuro, apostando na carreira académica que lhe haveria de alavancar a carreira de treinador, mas ainda jogou por mais uma época em Espinho, na II Divisão de Honra: em 1998, aos 32 anos, pegou na equipa do SC Espinho.
Como treinador, chegou à I Divisão em 2000, quando a meio da época se lembraram dele – estava ele em Vizela – para a missão impossível que seria salvar o CD Aves. Fracassou, mas deu depois vários passos seguros, como a qualificação do Leixões (da II Divisão B) para a final da Taça de Portugal de 2011/02, com uma vitória por 3-1 em Braga, ou a conquista da Taça da Liga em 2007/08, vencendo na final o Sporting. Passou pela Grécia (Asteras Tripolis) antes de levar o Sporting aos oitavos-de-final da Liga Europa, em 2010, de se ocupar do Besiktas ou de um ainda emergente Istambul BB, na Turquia. Passou quase três anos à frente do Sheffield Wednesday, onde obteve conseguiu um sexto e um quarto lugares no Championship, baqueando sempre no play-off de acesso à Premier League. Treinou o Swansea City, no escalão principal do futebol inglês, mas acabou por regressar a Portugal, onde deu ao Rio Ave o apuramento para as pré-eliminatórias da Liga Europa e conduziu o SC Braga a uma vitória na Taça de Portugal.