O que vale este dérbi

O Benfica-Sporting de hoje não vai decidir rigorosamente nada na Liga, mas influenciará bastante o comportamento das duas equipas no mês que aí vem. E por isso é decisivo.

Os discursos de Jorge Jesus e Rúben Amorim, ontem, antes do Benfica-Sporting de hoje, foram diferentes no que à pressão do jogo diz respeito. Escaldado com um ano sem ganhar nada, Jesus focou-se na importância de um mês de Dezembro cheio de decisões de forma a incrementar a importância de um jogo que conta para a única das quatro competições em que está na qual nada vai decidir-se já – a Liga. Amorim abriu o pipo para deixar sair a pressão, brincou um pouco com a relevância do confronto direto, escudado no facto de ser o campeão nacional, mas não deixará de sentir na pele o nervoso miudinho da deslocação ao único palco do país de onde, como treinador leonino, nem um ponto trouxe em duas visitas.

No fundo, se formos realistas, entendemos que o dérbi de hoje não vai decidir rigorosamente nada na Liga, mas que pode influenciar bastante o comportamento das duas equipas no que aí vem. Ganhando o Benfica, fica dois pontos à frente do Sporting, mas com uma deslocação ao Dragão, ainda antes do fim do mês – na verdade serão duas, porque há outra, para a Taça de Portugal, a anteceder a da Liga. O resultado não permitiria, por isso, grande inflar de peito a uma equipa que nesse caso apenas teria conseguido manter-se no rumo sem tropeçar à primeira dificuldade. Ganhando o Sporting, fica quatro pontos à frente do Benfica, o que pode já ser mais relevante, não só porque a distância seria maior, mas pelo que significaria em termos de risco traçado no chão do ponto de vista psicológico, a somar ao facto de ostentar as divisas de campeão e de entrar em campo sem dois dos seus jogadores fundamentais – Coates e Palhinha. Mas ainda assim seriam apenas quatro pontos.

Além de deixarem dúvidas acerca de quem poderá ser o líder em campo e o capitão de equipa – já tentaram adivinhar quem será? –, as faltas de Coates e Palhinha podem ser encaradas de duas maneiras diferentes pelos leões. Ou a prova de que o ‘karma’ existe e “é lixado”, conforme se diz no aforismo – porque na época passada Palhinha jogou a reta final do dérbi da primeira volta depois de ter sido castigado e despenalizado e porque o Benfica foi para esse dérbi sem alguns titulares, devido ao surto de Covid que afetou a equipa –, ou uma forma de tirar drama e pressão de cima do jogo. Porque, mesmo que ninguém as invoque – e estou seguro de que ninguém o fará dentro da estrutura leonina, porque não é essa a forma de estar de Amorim – as ausências servirão sempre de justificação interna para a eventualidade de um resultado negativo ou de forma de validação em caso de resultado positivo. É evidente que por todas as razões e mais uma, o Sporting tem mais margem neste momento para gerir uma eventual derrota e mais a ganhar em caso de vitória. O desafio à frente de Amorim passa sobretudo por impedir que os jogadores se apeguem à primeira parte desta conclusão para aceitar o desaire antes de jogar.

Ora, se no Sporting se luta contra os malefícios de um bom momento e do relaxamento que, a somar às ausências de dois jogadores absolutamente nucleares, ele pode trazer, no Benfica a guerra é a inversa. O jogo de hoje é um desafio à liderança de Jorge Jesus, que se não sai do relvado com os três pontos entra mal neste ciclo que o vai ver, até ao fim do mês, decidir o futuro nas outras três competições. O que é extraordinariamente importante para o futuro de um treinador que, no ano de regresso à Luz, ficou aquém em todas as provas que disputou. Na Liga dos Campeões, no dia 8, tem de ganhar em casa ao Dynamo Kiev e esperar que o FC Barcelona não vença em Munique, se quer seguir para os oitavos-de-final. Na Taça da Liga, a 15, precisa de vencer em casa o SC Covilhã por mais de dois golos para marcar presença na Final Four. E na Taça de Portugal, a 23, vai enfrentar o FC Porto no Dragão pela continuidade em prova. De todos, o menos decisivo é o jogo de hoje – porque estamos na 13ª de 34 jornadas e ainda há hipótese de regresso de um eventual desaire. Mas o que a equipa mostrar hoje vai estar-lhe no subconsciente quando jogar os outros desafios.

Todos os jogos têm sempre mais que se lhe diga do que a avaliação das equipas que estarão frente a frente. O Benfica-Sporting de hoje não será exceção. No relvado tanto pode surgir o Benfica ambicioso e conquistador que ganhou por 3-0 ao FC Barcelona como a equipa mais passiva que não foi capaz de vencer o Dynamo em Kiev ou o Estoril na Amoreira. Tanto pode aparecer o Sporting que, apesar do empate final, foi claramente superior ao FC Porto no primeiro jogo grande da época ou aquele que passou por cima do Borussia Dortmund como o que foi goleado pelo Ajax ou sofreu horrores para se aguentar em Famalicão ou em Arouca. Nada do que suceder mudará o valor das duas equipas. Mas qualquer coisa que aconteça mudará a perceção que cada uma delas tem de si mesma. E isso é sempre decisivo.

Ontem, pode ter-lhe escapado: