A lenda dos quatro treinadores
Schmidt deve sair do Benfica? Conceição pode continuar no FC Porto? Conseguirá o Sporting manter Amorim? E fez bem a AS Roma em despedir Mourinho? Na avaliação há bem mais do que sistemas e escolhas.
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É o assunto do momento, porque enche os debates televisivos e as páginas dos jornais, com “vox pops” reservados aos “notáveis” de serviço, alguns deles chamados a proferir as mesmas opiniões – valha-nos isso... – para mais do que um “cliente”. Deve o Benfica desviar mais de 20 milhões de euros do seu orçamento para despedir já Roger Schmidt? Há quem defenda que ontem já era tarde, há quem sustente que nunca na vida. Eu, por mim, acho que por enquanto não e mantenho a opinião que aqui deixei a 30 de Março de 2023, aquando da agora polémica renovação de contrato com o alemão. Schmidt “deu certo e, portanto, há que fazer o que se pode para o guardar”, escrevi na altura. E tentei desfazer desde logo dois mitos que a conquista então iminente e depois confirmada do campeonato e a presença nos quartos-de-final da Liga dos Campeões tinham ajudado a criar, o da infalibilidade do treinador e o de que ele poderia estar à beira de sair para um colosso europeu. “Schmidt não revolucionou o futebol, não tem uma receita única e não vai ganhar sempre”, acrescentei nessa altura. E uma coisa que me parecia óbvia enfureceu aqueles que então olhavam para o alemão com a certeza de que toda a Europa o desejava – e seria curioso perceber quantos desses são agora os que querem vê-lo pelas costas. A verdade é que a junção da idade com o seu (fraco) palmarés não fazia dele um alvo apetecível para os clubes europeus endinheirados. Passou menos de um ano e o Benfica não só parece ter regredido como da saída de Schmidt já se fala não por causa da cobiça imaginária de tubarões da Premier League mas porque a equipa corre sérios riscos de não ser bicampeã. Culpa de Schmidt? Também, mas não só. Schmidt não inventou o Gegenpressing. É um dos representantes de uma escola que tem vários nomes acima dele, mas passou boa parte da sua carreira exilado em Ligas de menor dimensão. Chegou ao Benfica e teve um mérito indiscutível: entendeu a equipa, os jogadores que tinha, o contexto, e construiu um grupo ganhador à base de uma constância de opções que a todos pareceu abusiva mas que veio a revelar-se acertada. A receita começou a falhar no momento em que perdeu Enzo Fernández – e ele até geriu muito bem esse processo –, mas falhou ainda mais quando à saída do homem que lhe esticava o jogo a meio-campo se juntou a debandada do criativo que lhe salvava a esquerda (Grimaldo) e do avançado que metia a inteligência no pressing (Ramos). Tudo isso somado à entrada de jogadores como Di María, Kokçu ou Arthur Cabral e ao crescimento de Neves levou-o a erros como o recuo de Aursnes, que era fundamental no labor defensivo em zonas altas, ou o desaparecimento do onze de Florentino, que estava na origem do equilíbrio posicional de toda a equipa. Schmidt manteve o sistema e a ideia e não é aí que está o problema. O Benfica mudou os jogadores e também não é aí que está o problema, porque, contra isso, batatas, já se sabe que os clubes nacionais estão sujeitos à necessidade de criar mais-valias no mercado. O problema, que tentei explicar aqui, é que alguns jogadores não são os mais adequados à ideia (Cabral, Di María) e outros ao sistema (Kokçu) e isso levou o Benfica a uma série de adaptações que penalizam o rendimento da equipa. Os jogadores não são maus, da mesma forma que o treinador também o não é, mas a relação entre as caraterísticas daqueles e a ideia deste deteriorou-se à conta de uma falta de química que não pode sequer considerar-se estranha. E se enquanto a equipa esteve na frente da Liga ainda se fechavam as conversas com o “não és tu, sou eu” que marca as relações que se tenta salvar, as derrotas seguidas em Alvalade e no Dragão levaram a que os defeitos comecem a saltar para a luz do dia com azedume. “Aos avançados não basta fazer golos”, diz Schmidt, a justificar as quebras de continuidade de Cabral, por exemplo. O treinador não faz trabalho em vídeo e por aí se explica a recusa de qualquer inflexão estratégica que tenha em conta as caraterísticas dos adversários, sopram fontes do clube, com ou sem verdade mas definitivamente convictas de que ele é um problema e não a solução. Cria-se, assim, um ambiente propício a uma rotura que, convenhamos, não ajuda ninguém. Como disse Rui Costa no final da goleada encaixada no Dragão, o Benfica continua vivo em três frentes e não seria com uma mudança nesta altura que as suas hipóteses de as conquistar cresceriam. O que não quer dizer que não se deva aprender com as coisas que se fizeram mal. Treinador e administração. O primeiro tem de olhar para os jogadores disponíveis e escolher um onze que melhor defenda as ideias que ele difunde nos treinos, mesmo que isso implique deixar de fora alguns consagrados. A segunda tem de olhar para as ideias do treinador e parar de contratar gente só porque são excelentes oportunidades ou porque acha que isso vai satisfazer os adeptos mais sedentos de novidade. A boa notícia é que a qualidade está lá e ainda podem ir a tempo.
A cobiça a Amorim. Depois das notícias que contam que vai ser entrevistado para a vaga que se abrirá em Anfield Road na sequência da decisão de Jürgen Klopp fazer um ano sabático, Rúben Amorim é dado pelo The Guardian de hoje como um dos favoritos ao lugar de treinador do Chelsea, onde já se admite que depois de terem demitido Thomas Tuchel e Graham Potter em menos de um ano, os donos americanos vão deixar cair Maurício Pochettino no final desta época. No Liverpool FC, o favorito à vaga é Xabi Alonso, praticamente campeão alemão com o Leverkusen. No Chelsea, a concorrência é Roberto de Zerbi, o treinador que pôs o Brighton a jogar um futebol de autor, depois de já o ter feito na US Sassuolo e no Shakhtar Donetsk. Pode discutir-se se o melhor é este ou aquele, mas não é isso que está em causa. E vale mais encontrar os pontos comuns entre os três: são jovens (entre os 39 e os 44 anos) e não só têm ideias claras como a inflexibilidade que os leva a baterem-se por elas em cada momento, incluindo o da construção dos plantéis. Aquilo em que falhou Schmidt, em suma. É isso que querem os grandes clubes, porque isso pode reduzir-lhes a margem de erro – ainda que, depois, com mais dinheiro para gastar, muitos destes treinadores mais idealistas se percam na subida de patamar. Continuo a achar que Amorim se estica demasiado quando se trata de falar do seu futuro, que assumiu erradamente que pode sair do Sporting se não for campeão, deitando para trás das costas esse “pormaior” que é a cláusula de rescisão (são aparentemente 20 milhões de euros) e a vontade do clube em mantê-lo, mesmo assim. E não só não é líquido que venha a ser ele o escolhido para um desses dois clubes – Alonso e De Zerbi parecem estar à frente – como acho que ele terá a inteligência de perceber que não ganha muito em sair se colocar a bitola mais abaixo. Além de que 2024/25 será a época mais desafiante desde a chegada de Frederico Varandas à liderança do Sporting. O presidente terá de saber ser firme no fecho do dique às saídas de mercado, que se anunciam às pazadas, sendo que com uma ou, no máximo, duas, se resolverá a questão das contas. E é nesse contexto que um treinador idealista e com poder para impor as suas ideias será fundamental para evitar um desastre como o de 2019.
A vontade de Conceição. Pinto da Costa voltou a falar na sequência da goleada ao Benfica e, como é natural, fê-lo para se colar ao sucesso, que estamos em período pré-eleitoral. Não só apareceu milagrosamente o bilhete que ele escreveu à equipa antes do jogo como nessa nota estava o elogio ao sentir do treinador, o Sérgio Conceição que dá lições de portismo à bancada do Dragão, como naquele momento em que bateu no símbolo que leva ao peito, incomodado com o facto de estar a ganhar por 4-0 e de só ouvir cânticos dos benfiquistas que tinham ido ver o jogo ao estádio. A equação no FC Porto é complicada. A única certeza que tenho é a de que Pinto da Costa quer continuar com Sérgio Conceição. Provavelmente, Conceição quererá que Pinto da Costa ganhe as eleições, ainda que a sua presença na apresentação da candidatura do atual presidente possa ser vista como mero gesto de reconhecimento e gratidão – quem conhece o Conceição sentimentalão sabe que isso não seria estranho. Mas já tenho muitas dúvidas de que ele queira continuar no FC Porto, com este presidente ou outro qualquer. Como as tenho de que André Villas-Boas, o outro candidato com aspirações reais à presidência, o mantenha se for ele o eleito dos sócios. Maio vai ser tórrido no FC Porto. E de uma coisa estou igualmente convicto: se Conceição sair, o FC Porto fica a perder.
Mourinho vai à bola. José Mourinho tem sido presença frequente nos estádios da sua área de residência. Tem ido ver o Benfica, tem ido ver o Sporting, mas também tem ido ver o Vitória FC. Não vejo nisso nenhum mal, nenhuma ameaça aos treinadores que lá estão, porque acho que o mais natural mesmo é que um treinador recentemente desempregado vá aos estádios ver jogos. Pior era se ele ficasse a remoer no que lhe aconteceu em Roma e no que está a viver a equipa depois da sua substituição por Daniele de Rossi. É verdade que os “giallorossi” aproveitaram uma fase de calendário mais simples para fazer a troca, com as partidas contra o Hellas Verona, a Salernitana e o Cagliari a facilitarem o arranque vitorioso ao novo técnico, mas isso não invalida que a equipa esteja a viver um daqueles casos em que até se ganha com a chicotada. De Rossi soma seis vitórias, dois empates (ambos com o Feyenoord) e uma derrota (com o Inter) na sequência de algumas mudanças, como a passagem do 3x5x2 para o 4x3x3 e a introdução de mais uma unidade de ataque. Mas uma coisa mudou acima de todas as outras. “De Rossi tranquilizou um ambiente que estava em constante fibrilação”, considerou Arrigo Sacchi na Gazzetta dello Sport de hoje, falando de uma equipa “mais educada” face a outra em que “toda a gente protestava com os árbitros”. É que, repito, há muito mais no futebol do que os sistemas e as escolhas dos jogadores.
E qual o melhor plantel? Será o do Benfica realmente melhor do que o dos outros 2?
Caro António Tadeia, vi a segunda parte do clássico no café e os treinadores de bancada diziam que o Sérgio Conceição, com o plantel do Benfica era campeão com 20 pontos de avanço. A minha pergunta é: será o plantel do Sporting e o do Porto mais fraco que o do Benfica? Tenho lido o António e concordo com a diferença entre jogadores e ideia de jogo. Mas os planteis do Sporting e do Porto têm jogadores como Hulman, Morita, Gyokeres, Trincão (custou milhões ao Barcelona), Nico Gonzales (formado em La Masia) Pepê, Diogo Costa (que coloca bolas com os pés como ninguém), Galeno. E podíamos continuar. Será mesmo um plantel mais forte o do Benfica?