Schmidt está feliz
Mais do que a garantia ilusória de vitórias eternas ou a defesa contra a cobiça de clubes mais endinheirados, é a felicidade que o treinador expressa ao renovar que deve tranquilizar o Benfica.
Roger Schmidt renovou o contrato com o Benfica até 2026 e isso é uma boa notícia por uma série de razões. Já tinha enumerado várias aqui, quando se soube da intenção do clube lhe dar mais dois anos de contrato, mas ele ainda não tinha assinado o novo vínculo. Agora, que o facto está consumado, é possível juntar a fundamental: Schmidt está feliz no Benfica. É isso, mais do que a garantia ilusória de vitórias eternas que o presente parece prenunciar mas que o futuro inevitavelmente deixará de cumprir ou do que a defesa contra a cobiça dos grandes clubes europeus, que dificilmente passaria por cima da cláusula de rescisão que já existia, que merece festejo por parte dos benfiquistas. Schmidt vai provavelmente ser campeão e tem hipóteses de protagonizar a melhor carreira do Benfica na Champions desde as duas finais de há três décadas, mas nem ele inventou um futebol revolucionário nem, caso o tivesse criado, esse futebol seria eternamente imparável. É um representante muito competente de uma escola que tem outros nomes acima do dele, está a fazer um trabalho extraordinário, mas já não é uma jovem revelação que leve os grandes clubes europeus a olhar para ele sem ver o resto de uma carreira curta em termos de títulos. Schmidt tem 56 anos, é o treinador mais velho da Liga Portuguesa, e isso, somado ao facto de até aqui só ter ganho um campeonato da Áustria e três taças, na Áustria, na China e na Holanda, funciona como dissuasor para o mercado internacional. O que dissuade não é a idade – ainda agora se fala na possibilidade de Carlo Ancelotti, 63 anos, virar as costas ao Real Madrid para se ocupar da seleção do Brasil. O que dissuade é a conjugação da idade com o palmarés. Schmidt é quatro anos mais novo do que Mourinho e este já ganhou cinco taças europeias e oito campeonatos nacionais, seis deles em clubes das Big Five. Na perspetiva do Benfica, ainda bem. Na perspetiva do Benfica, o que esta renovação traz de bom é a certeza de que Schmidt está feliz e prefere ficar aqui a, por exemplo, voltar para casa – e certamente que conseguiria uma vaga num dos primeiros da Bundesliga, se assim o entendesse. Na perspetiva do Benfica, continuar com Schmidt é ter a certeza de que, ganhando ou perdendo, terá competência aos comandos da equipa. Porque tudo o que ele fez esta época foi bem feito. Foi firme na escolha do plantel, formando-o com jogadores capazes de pôr em prática as suas ideias e não aceitando como bons os fenómenos de mercado (o Weigl dos 20 milhões) ou de popularidade (o Taarabt que era “melhor do que João Mário”) que imperavam na Luz. Formou rapidamente um onze-base, entendendo que o sucesso passava por um bom arranque, pela entrada na Liga dos Campeões, e depois, contra a doutrina dominante, apostou as fichas todas num lote restrito de jogadores que continua a dar-lhe resultados, sem ceder ao cansaço da época, apesar da elevada exigência física do seu futebol. Pôs em campo um futebol ofensivo, intenso, pressionante, com muita gente a partir de posições avançadas, muita gente por dentro, ligações velozes e mudanças de velocidade súbitas, que tornou o Benfica forte tanto dentro como fora do país. Geriu bem casos como o da saída de Enzo Fernández, fazendo de Chiquinho algo que ninguém – nem o próprio – sabia que lá estava. O futebol de Schmidt não é uma ciência oculta, vai ser desmontado quando se esgotar o efeito-novidade, vai obrigá-lo a alguma maleabilidade, mas a sua renovação é uma excelente notícia para o Benfica. Sobretudo porque deixa a certeza de que o homem está feliz.
A mão de Varandas. Frederico Varandas explicou ontem, na Sporting TV, a posição do clube acerca dos casos judiciais que envolvem o Benfica. Fez o que podia fazer dentro dos limites do razoável e das suas habituais dificuldades discursivas ante as câmeras – e não precisava de recorrer à expressão “nojo”, porventura usada para aglutinar os radicais cegos que ontem condenaram até o facto de ele ter dado um abraço de felicitações a Rui Costa após a derrota na final da Taça de Portugal de futsal. Varandas deu uma opinião, relacionou o Saco Azul com a Operação Malapata, abriu os horizontes com o E-Toupeira e comparou tudo com o Apito Dourado. Mostrou convicções, no fundo idênticas às da generalidade dos observadores, que têm dificuldade em entender como é que a SAD do Benfica escapou a todas as acusações. Não é à culpa, atenção. É aos julgamentos, que isso da culpa só o tribunal poderia decretar – desde que os factos tivessem sido investigados e fossem apresentados. A mão de Varandas, que não vi vacilar nem quando disse que Hugo Viana tinha tido convites das maiores ligas europeias ou quando se gabou porque os jogadores do Sporting eram falados no mercado, tremeu quando cumpriu a missão de falar com clareza sobre a posição do clube nos casos judiciais. Quem sabe porque sabia perfeitamente que não tinha trunfos. Na verdade nem podia tê-los, que eles já nem estavam no baralho.
Henrique Bengala, pois então. O Tottenham não conseguiu mais do que um empate no terreno do Everton, ontem, perdendo a oportunidade de se distanciar (ainda que com mais dois jogos) de Newcastle United e Manchester United na luta por dois lugares na próxima Champions. E perdeu essa oportunidade com tudo a favor, pois já jogava contra dez quando se colocou na frente do marcador, com um penalti de Harry Kane. Ou devemos antes chamar-lhe Henrique, Henrique Bengala – e sim, sei muito bem que “cane” se escreve com um “c”. O aportuguesamento do nome do capitão do Tottenham fica a dever-se ao seu envolvimento no lance da expulsão de Abdoulaye Doucouré. A coisa aconteceu numa jogada que decorria muito à inglesa: falta de Kane, que aí ainda se chamava assim, sobre Demarai Gray, carrinho agressivo de Doucouré sobre Kane na sequência e encontrões entre os dois jogadores já com o jogo interrompido. Normal, é a fusão da adrenalina com a testosterona a funcionar. Kane agarrou a camisola de Doucouré, este pôs-lhe a mão na cara em resposta. Há contacto? Há. Justifica a queda de Kane, aqui já transformado no lusitaníssimo senhor Bengala, agarrado à face, como se lhe tivessem arrancado um olho? Nem pouco mais ou menos. Em Portugal, isto é o pão nosso de cada dia. Em Inglaterra foi visto com incredulidade, sobretudo por ter sido protagonizado pelo capitão da seleção nacional. É sobretudo uma questão de mentalidade. Por cá, vemos estas situações como uma oportunidade de ganhar a falta e o cartão. Por lá, o jogo é físico, e estas coisas são vistas como uma hipótese de mostrar resistência, cabedal e coragem. Kane devia ter sido duro e aguentado, porque é isso que se espera de um jogador de alto nível. Ao invés, foi débil e aproveitou a situação para ganhar um vermelho, ao mesmo tempo que deixava crescer bigode e patilhas e se tornava no senhor Bengala.
senhor Bengala tá muito bom.