A esquizofrenia aguda no futebol
Olha-se para o Manchester United e pode pensar-se que quanto mais se gasta menos se ganha. Mas o verdadeiro problema é ter a decidir quem não pesca nada de bola. E achar que assim é que está bem.
O empate do Manchester United com o Burnley FC, último classificado da Premier League, a manter a equipa fora das posições de qualificação para a Liga dos Campeões, com Ronaldo a ver os primeiros 70 minutos do banco, trouxe para o topo da atualidade o mais recente estudo do Observatório do Futebol, divulgado no início desta semana. Nele, o ramo futebolístico do Centro Internacional de Estudos do Desporto fez as contas à balança de transferências dos clubes das cinco grandes ligas nos últimos dez anos, para concluir que o maior gastador, afinal, não é nenhum dos clubes-Estado de que todos suspeitávamos, mas sim o United. Foram mil milhões de euros de saldo negativo, sem consequências na conquista de títulos, a provar que o dinheiro nem sempre traz a felicidade. E que o senso comum no futebol sofre de um caso de esquizofrenia aguda difícil de explicar.
Quando se fala em dinheiro e em futebol, imediatamente se pensa no Paris Saint-Germain do Qatar, no Manchester City do Abu Dhabi ou no Chelsea de Abramovich. Mas se olharmos para os números, quem nos agride a perceção desde logo é o Manchester United, que nestes dez anos perdeu mais 91 milhões de euros do que o City no mercado. Convenhamos que gastar mais 1.075 milhões de euros do que se recebeu em dez anos para ganhar uma Premier League – em 2012/13, ainda fruto da gestão anterior –, uma Taça de Inglaterra (em 2016), uma Taça da Liga e uma Liga Europa (as duas em 2017) é sinal de desorientação bem à vista na forma como foi montada a equipa que Ralf Rangnick claramente não teve arte para fazer funcionar, depois de lhe pegar com a época em andamento. E o que é curioso é que, depois de City e PSG, dois clubes para quem o dinheiro não tem grande significado, os maiores perdedores desta tabela são o FC Barcelona (650 milhões de euros), o Arsenal (583 milhões) e a Juventus (561 milhões). Os italianos até tiveram durante anos o domínio da Serie A, mas entretanto tiveram de atalhar caminho, como os catalães, a quem a falta de títulos – ganharam uma Taça do Rei nos últimos três anos – quase abria as portas da falência. E do Arsenal é melhor nem falar.
Dir-me-ão que o mercado tem as suas próprias regras e que um dos fatores a fazer o preço é o nome do comprador. É verdade. Não é a mesma coisa ir ao mercado em nome do United e fazê-lo em representação de um clube mais modesto e com menos zeros na conta bancária. Mas muito do que o gigante de Old Trafford está a experimentar neste momento resulta de uma perceção demasiado mercantil da gestão. O sucesso de Alex Ferguson baseou-se sempre em golpes cirúrgicos – Cantona, Ronaldo... – a somar ao aproveitamento dos valores que iam emergindo em casa – sobretudo a classe de 1992, formada por Beckham, pelos dois Neville, por Scholes, por Butt... E esta não é uma receita que sirva apenas para o United: em Portugal vemos a mesma coisa todos os anos. O maior investimento da história de um clube português, feito na época passada pelo Benfica, conduziu a zero títulos e a um agravamento do número de excedentários com estatuto, que o clube terá de atacar de forma a estancar a hemorragia que já conduziu ao caso-Pizzi, por exemplo.
A verdade é que não há aqui uma regra clara. Sim, podemos associar o ressurgimento do FC Porto à crescente aposta na prata da casa, em gente que sabe o que é o clube, como Vitinha ou Fábio Vieira. Sim, também podemos associar o título do Sporting em 2020/21 aos mesmos fatores, a gente com fome de vitórias – ou o do Benfica em 2018/19, com entrada no onze de João Félix para a segunda metade da época. Mas Luís Filipe Vieira também foi muito acusado, dentro do Benfica, de ter achado que tinha tudo de tal forma controlado após ganhar quatro campeonatos seguidos (em 2014, 2015, 2016 e 2017) que descurou o fator investimento e permitiu o ressurgimento de um FC Porto intervencionado pela UEFA, debaixo das limitações do Fair Play Financeiro, mas mesmo assim campeão em 2018. O que a tabela do Observatório do Futebol nos mostra é que os números são isso mesmo – apenas números. E fundamental é ter um racional por trás deles. O racional do Manchester City – quase 1700 milhões de euros gastos, para um saldo negativo de 984 milhões nestes dez anos – obedece a um plano que é antes de tudo futebolístico e não mercantil. Ali há um fio condutor, que é o futebol e não o mercado. E é muito diferente ter a decidir alguém que sabe o que quer fazer com os jogadores que se compra ou alguém que se limita a querer exibir um brinquedo reluzente, a alimentar o apetite consumista – “compro porque posso...” –, a satisfazer a imensa clientela de agentes, parceiros e comissionistas ou a acalmar a fúria da turba que quer novidades para parar de contestar. Essa bola de neve, quando começa a rolar, é imparável.
É por isso que sempre que ouço ou leio que é perigoso ter um treinador a mandar num clube rio para dentro. “E se o treinador vai embora e depois vem outro que quer seguir um caminho diferente?”, perguntam esses teóricos que defendem que quem deve mandar num clube são os sócios ou um qualquer construtor civil que eles elegem para os representar. O papel deles é soberano, como é evidente. Devem escolher o treinador, alguém que saiba de futebol para definir o plano. Depois, devem deixá-lo decidir, sim. Se o treinador for bom, se decidir bem, há resultados e é improvável que acabe por ir embora sem a devida compensação. Ou que, se estivermos a falar de um clube de topo, acabe por ir embora de todo. Só mesmo no futebol é que há quem ache que bom, bom é ter a decidir quem percebe menos do tema – porque se deixarmos decidir quem sabe mais pode haver o risco de essa pessoa decidir ir-se embora. Se isto não é esquizofrenia aguda, não sei o que poderá ser.
Como um adepto ferrenho do Manchester United e principalmente do futebol entristece-me o facto de não entender e será uma dúvida que irei de certeza levar para minha sepultura sem nunca ser respondida, como o Harry Maguire é titular no Manchester United e principalmente capitão. Se o António souber a resposta para este acontecimento ( não sei que nome lhe darei) por favor esclareça-me.
Ter dinheiro para comprar bons jogadores ajuda. Quando bem gasto, convenhamos, o dinheiro é decisivo. Orçamentos não ganham jogos, mas pôr o City a jogar com o Paços de Ferreira não resultará num jogo muito equilibrado. Pelo menos 99 em cada 100 jogos o city ganhará. Agora, é preciso saber ter dinheiro. O futebol português é exemplo perfeito. Porto e Sporting foram campeões em épocas de penúria, tal como perderam quando pareciam mais desafogados, embora o Sporting esteja há anos a viver no limbo. O Porto conseguiu mesmo desbaratar os milhões que ganhou no pós conquistas europeias sem efeitos práticos e quanto ao investimento do Benfica nos últimos anos... Já não vale a pena bater no ceguinho. Em relação ao United, o clube parece um daqueles velhos aristocratas que vivem da fama de antigamente e vai esbanjando uns milhões para manter as aparências. Muito dinheiro gasto, pouca gente a fazer realmente a diferença. Olhando para vizinho do lado e para um bocadinho mais longe, Liverpool, já daria para perceber que pouca coisa tem sido acertada no united. A equipa está tão torcida que a solução é mesmo quebrar. Ou vai ter uma travessia no deserto maior do que aquela que antecedeu os anos de ouro do Ferguson.