A importância do grito
O Benfica ganhou bem em Tondela porque Rui Costa foi dar um ralhete aos jogadores? Porque Pizzi foi embora? Acreditar nisso é reduzir o futebol a algo que ele não é nem nunca será.
A vitória tranquila do Benfica em Tondela (3-1), ontem, contrastou com as exibições tremidas e os fracos resultados conseguidos pela equipa encarnada nos últimos tempos de Jorge Jesus e depois, também, com Nelson Veríssimo, o treinador que o substituiu. O paralelismo estava lá à espera de ser feito: terá o Benfica jogado melhor e ganhado porque Rui Costa foi dar um ralhete à cabina no final do jogo com o Gil Vicente e porque Pizzi, visto como um elemento desestabilizador, já seguira para a Turquia, onde deverá ser hoje apresentado pelo Istambul Basaksehir? Isso faz pouco sentido, porque reduz o futebol de alta competição a uma questão de vontades e contra-vontades, que é coisa que ele não é, apesar da importância enorme que nele assume a questão mental. O Benfica ganhou em Tondela porque teve mais argumentos técnicos e táticos – e explicá-los-ei no Futebol de Verdade, às 12h30. Aqui, agora, tentarei desmistificar as outras razões.
É possível que as palavras do presidente tenham tido algum efeito na cabeça dos jogadores, para os fazer sentir o peso da responsabilidade que é representar um clube com a grandeza do Benfica, que não se compagina com o registo apresentado desde o jogo que ditou a saída de Jesus: duas vitórias, dois empates e três derrotas. Ditas no balneário, essas palavras têm a vantagem de chegar aos destinatários – coisa que provavelmente não sucederia se fossem proferidas num qualquer canal de televisão, porque se há coisa que tenho como certa é que os futebolistas desligam da realidade competitiva do clube no momento em que acaba o treino e se juntam à bolha construída para os proteger de uma realidade psicologicamente muito exigente. Quem vive as narrativas montadas pelos muitos programas sobre “futebol” que temos no espectro mediático são os adeptos – e só os mais sofredores, que felizmente ainda há muito por aí quem consiga separar as coisas. Se houve coisa que o profissionalismo exacerbado trouxe ao futebol de alta competição foi a capacidade – diria mesmo necessidade – de os jogadores desligarem. E não, isso não é coisa má, por mais que vos seja apresentado como tal pelos teóricos do “amor à camisola”.
A questão, aqui, é: mas mesmo os estrangeiros, que podem não ter a noção exata do que é jogar num grande de Portugal, precisam de que os recordem de que no Benfica, como no Sporting ou no FC Porto, se joga sempre para ganhar? Mais: mesmo que o desconhecessem, nesse caso só não ganhavam os jogos anteriores porque não queriam? Ou pelo menos não o queriam com força suficiente? Acreditar nisso é crer no tal jogo de vontades e de contra-vontades em que ganha a equipa que tem mais daquilo a que os leigos chamam “atitude” e que, a dada altura, no comentário futebolístico, deixou até de precisar de qualificativo. A partir de determinado momento, ganhava quem tinha “mais atitude”. Reparem que não era quem tivesse uma atitude positiva, aguerrida, negativa ou desleixada. Ter “atitude”, por si só, já explicava tudo. Quando qualquer jogador ou ex-jogador vos dirá precisamente duas coisas que indicam um caminho contrário: que se há coisa de que não gostam nem valorizam é de ver dirigentes no balneário e que embora o aspeto mental e volitivo seja importante para os resultados, não é coisa que se ligue e desligue no grito.
O Benfica não ganhou em Tondela por causa do ralhete de Rui Costa nem por causa da saída de Pizzi, como se o ex-capitão fosse uma maçã podre num balneário a precisar de inseticida. A questão-Pizzi é muito simples, por mais que Veríssimo a tenha querido mascarar de uma forma simpática na conferência de imprensa de ontem, atribuindo a saída à vontade do jogador exercer o direito a ser feliz noutro sítio. Pizzi deixou de ser útil para Jesus e, se mais provas fossem necessárias de que a questão era meramente futebolística, elas chegaram com a pouca utilização que lhe tem sido dada por Veríssimo também. A questão-Pizzi radica numa opção tomada num início de época em que o Benfica foi vítima da sua própria grandeza e a deixou escorregar para a megalomania descontrolada. Em Julho, o Benfica escolheu ter um plantel vasto, excessivamente vasto, o que implica sempre algumas azias de quem está na fila de trás e não consegue ver o relvado com a regularidade de que gostaria. Gerir muito bem era antecipar isso, cruzando utilidades com personalidades – porque haverá quem aceite melhor e pior essa perda de relevância. Gerir mal era permitir que o problema continuasse a prejudicar. Ao facilitar a saída do jogador, o Benfica mete trancas à porta depois da casa roubada. Resta perceber se aprendeu com o erro. Em Junho e Julho veremos.
O Benfica não era a pior equipa do mundo quando perdeu com o Gil Vicente, nem é a melhor agora que ganhou ao Tondela. Ganhou porque é superior e tem melhores jogadores. Quando assim é, a equipa mais forte está sempre mais perto de ganhar. A não ser que a outra jogue muito bem, o que também não aconteceu com o Tondela. Aliás, esteve bastante abaixo do que já fez. O Benfica continua é com uma inconstância incrível... Não se sabe se no próximo jogo não descamba outra vez. E isto não é culpa de pizzis nem de atitudes, muito menos de arbitragens. É de falta de planeamento e de escolhas de protagonistas, treinadores e jogadores, falhadas.
Dispensáveis mesmo eram as publicações dos clubes a mandarem postas de pescada contra os adversários. Desta vez foi o Benfica, mas são TODOS iguais. A patetice não escolhe cor. Enquanto assim for, esqueçam lá a "venda" do campeonato para o exterior. Gostamos mais de ser pequeninos.
Cada vez acredito mais na tese que um treinador moderno é mais um "Mental Coach" que um "mestre da tática". veja-se o caso de Jorge Braz, com a seleção nacional de futsal.
À parte este aparte fico na dúvida (a sua consciência a funcionar :) ) sobre alguns casos no SLB: alguém consegue explicar o acaso de Pizzi? ou, agora mais recentemente, de João Mário? E Veríssimo terá mesmo condições de continuar até final da época...