A decisão vencedora
O que vale mais numa equipa? As individualidades ou a ideia? É a ideia, sempre. A decisão de Rúben Amorim na substituição de Coates por Quaresma, contra o FC Porto, volta a mostrar isso mesmo.
O Sporting-FC Porto de ontem terá sido o primeiro em muito tempo no qual Rúben Amorim impôs em campo as suas ideias estratégicas a Sérgio Conceição. Quando ficou sem Coates, segundo diz “mesmo no final do último treino”, o treinador leonino não remendou a defesa como seria mais normal, com a passagem de Matheus Reis para central esquerdo e de Inácio para central do meio. Essa seria a decisão a tomar em função das individualidades: sem o capitão e sem Saint Juste, os três centrais mais fiáveis do Sporting eram Diomande, Inácio e Reis, que atrás vinham Neto, um problema na velocidade e na construção, e Quaresma, um jogador inconstante que ainda nem tinha sido titular esta época e gozava de poucos minutos de rodagem. Só que essa decisão tomada em função da valia individual dos jogadores envolveria a necessidade de entrar Nuno Santos para jogar a ala esquerdo e obrigaria Amorim a abdicar de Geny Catamo do outro lado. É que, nas dinâmicas da transformação do 3x4x3 em 4x2x4, entre os dois alas, há sempre um que se transforma em extremo e outro em defesa lateral, o que significa que só mesmo em situação de desespero estarão os dois em campo ao mesmo tempo. “E qual é o problema?”, perguntarão. Acaso Nuno Santos é pior do que Catamo? A questão não é essa. Mais uma vez, não tem que ver com a valia individual dos jogadores mas sim com essa coisa não palpável que é a ideia. A opção do treinador do Sporting foi chamar Quaresma, o que envolvia grande dose de risco, dada a raridade das titularidades do primeiro central em quem apostou ao chegar a Alvalade. E fê-lo em função da dimensão estratégica. Só a presença de Catamo, só a inclinação para a direita na transformação do sistema, forçaria Conceição a baixar Galeno para acompanhar o ala leonino, afastando-o de onde podia de facto ser mais desequilibrador, que era na frente. O FC Porto reagiu como era esperado e, nos encaixes do seu 4x4x2, meteu Galeno em Catamo e Zaidu, um lateral como segunda vida como central, em Edwards, que procura sempre mais o espaço interior, deixando no outro lado João Mário atento a Matheus Reis e Zé Pedro com Pedro Gonçalves, até para libertar Pepe para acompanhar as diagonais de Gyökeres, quer o sueco buscasse a profundidade pela direita ou pela esquerda. O jogo correu como Amorim o tinha desenhado, com Quaresma a poder apanhar Galeno mais à frente, ganhando aí confiança para se impor nos duelos, e com Gyökeres a dinamitar Pepe em cada sprint, alargando as linhas do FC Porto e ajudando até a criar espaço para Hjulmand mandar no meio-campo. Os três foram os melhores do Sporting na vitória de ontem, mas na qualidade das suas exibições houve uma elevada componente estratégica.
A reação portista. Devo remeter-me à condição de “comum dos mortais”, pois não consegui ver no jogo de ontem as “dificuldades” que Sérgio Conceição descobriu no Sporting, pelo menos de uma forma estrutural. A reação do FC Porto foi corajosa: a equipa subiu a linha de pressão quando se viu a perder, passou logo a jogar mais dentro do meio-campo adversário, manteve-se subida mesmo quando ficou com dez, depois da expulsão de Pepe, rearrumou-se então como pôde, com Pepê e Galeno a defenderem por fora de Zé Pedro e Fábio Cardoso e a projetarem-se no ataque, altura em que era Varela quem baixava para o espaço entre os centrais. No fim, o FC Porto teve até mais bola do que o Sporting, mas mesmo aí o jogo estava a decorrer como Amorim o desenhara, porque a intenção era chamar o adversário de forma a encontrar maneira de soltar Gyökeres atrás do seu bloco subido. O FC Porto teve ocasiões para marcar? Teve, eventualmente três, ainda que não flagrantíssimas, fruto da tendência desta equipa do Sporting para perder o controlo episódico dos jogos nos momentos em que tem menos bola. Mas Galeno e Evanilson esbarraram em boas intervenções de Adán e Fran Navarro cabeceou para fora, mesmo no final. Ainda assim, do outro lado eram constantes as vezes em que o Sporting, ganhando um primeiro duelo, ficava com bola descoberta para se lançar em transição no último terço em situações de igualdade ou até de superioridade numérica. Os leões esbanjaram muitas hipóteses de finalização com uma definição irregular dos lances e mesmo assim ainda viram Diogo Costa tirar o golo a Edwards e Pedro Gonçalves e este desperdiçar o 3-0 depois de ser isolado por Gyökeres.
Memórias de Hulk. O peso de Gyökeres no futebol português – são 17 golos e seis assistências em 20 jogos pelo Sporting – levou ontem muita gente a lembrar Hulk, o portento de força que se impôs no FC Porto no início da década passada e ainda atormenta defesas no Brasil, com a camisola do Atlético Mineiro. São jogadores diferentes com um denominador comum, que é a potência na explosão. Hulk rematava melhor, sobretudo de longe, Gyökeres é mais rápido e impõe-se em sprint até aos mais velozes defesas da Liga, porque se defende muito bem com o espaço que ocupa. Tal como Hulk, também Gyökeres parece destinado a tornar-se grande demais para a nossa Liga, mas francamente não me passa pela cabeça que tal possa suceder já em Janeiro, como parecem querer fazer-nos crer os especialistas em mercado do Twitter pelo seu cerco permanente. Um Chelsea investir 121 milhões de euros num Enzo Fernández com seis meses de Europa e de Benfica é uma maluqueira que os “blues” ainda estão a pagar, mas aparecer quem invista 100 milhões num avançado que há seis meses estava lá, no jardim das traseiras da Premier League, a jogar pelo Coventry City, seria mesmo o fim da macacada.
Um sorteio docinho. O FC Porto não teve assim tanta sorte quando lhe calhou o Arsenal, mas caramba, está na Liga dos Campeões e já não havia rebuçados para distribuir. Mas o playoff da Liga Europa correu às mil maravilhas aos três clubes portugueses envolvidos, todos eles favoritos para seguirem para o lote de 16 que vai discutir o troféu – e ainda com a vantagem de verem um de dois candidatos, a AS Roma ou o Feyenoord, afastado. Contra o FK Qarabag, campeão atual e provavelmente futuro do Azerbaijão, o SC Braga só terá contra ele o facto de os adversários poderem centrar-se mais na eliminatória, tão ampla é vantagem de que já gozam na sua Liga. No Toulouse FC, o clube comandado pelo carismático Damien Comolli de acordo com a tirania dos dados no recrutamento, o Benfica encontra o 15º classificado da Liga Francesa, uma equipa que desde Outubro só ganhou mesmo na Europa – ainda que uma das vitórias tenha sido às custas do Liverpool FC, um dos ex-clubes do seu atual presidente. Por fim, no Young Boys, campeão e líder da Liga suíça, o Sporting terá eventualmente o mais forte dos três adversários sorteados, ainda por cima com a chatice suplementar que é jogar num sintético, mas também se lhe adivinhavam mais dificuldades, pois teria de defrontar um dos despromovidos da Champions e os helvéticos até eram os mais apetecíveis. O normal será que os três clubes portugueses sigam para os oitavos-de-final, melhorando o ranking da nossa Liga, eventualmente lançando candidaturas a uma presença em fases mais adiantadas da prova e mudando o panorama das quintas-feiras no futebol português. E contribuindo para o adiamento regular de alguns dos mais interessantes jogos da nossa Liga para longe do fim-de-semana. E disso eu não gosto.