Nove em nove
O Benfica fecha a primeira volta com três vitórias em três jogos contra outros candidatos. A equipa de Schmidt continua a mostrar algumas fraquezas, mas esta semana pôs mais uma para trás das costas.
Concordaremos todos que a exibição do Benfica em Braga não pode ser apresentada como exemplo de um futebol avassalador, de um rolo compressor que nem deixa os adversários respirar que é o sonho de qualquer adepto mais empolgado. Mas a equipa de Roger Schmidt, que já tinha ganho ao FC Porto com um jogo mais dominador, que contra o Sporting exibiu uma garra e a capacidade de se encontrar com o destino que voltou a aparecer na terça-feira em Salzburgo, com golos nos últimos instantes, voltou a ganhar, desta vez marcando logo de início e fechando a baliza nos mais de 90 minutos que se seguiram ao golo de Tengstedt. O Benfica somou nove pontos em nove possíveis contra os outros três candidatos. E pôs esta semana para trás das costas mais uma fraqueza: a ideia de que não é capaz de sofrer, que até o jogo de Salzburgo tinha contribuído para gravar na história da época. Na Áustria, o Benfica fez os dois golos que tinha de fazer mas não foi depois capaz de segurar o ataque adversário e viu-se perante a necessidade de ter de marcar outra vez, o que só conseguiu no calcanhar de Arthur Cabral, já nos descontos. No Minho, se de início a estratégia das duas equipas levou a essa colisão de comboios de alta velocidade que era um SC Braga a atacar pelos laterais, mas a deixar sempre entre eles e os extremos – ou até atrás deles – o espaço que os aceleradores benfiquistas aproveitavam para carregar a bola nas botas e criar situações de superioridade numérica em contra-ataque, na segunda parte faltou ao Benfica a capacidade de sair com bola, da mesma forma que o SC Braga pareceu mais equilibrado na coordenação da pressão a partir do meio-campo em transição defensiva e o jogo foi bastante mais unidimensional. O SC Braga atacava, o Benfica juntava duas linhas disciplinadas à frente da sua área e convidava os donos da casa a rematar de longe ou a fugir para as alas, de onde saíam cruzamentos que a conjugação de António Silva e Otamendi, com Aursnes e Morato a fecharem dentro se a bola vinha do outro lado, a chegar para desfazer a ameaça. Olhando para o histórico recente do Benfica, parecia a combinação ideal para a equipa se dar mal, mas no final o ataque mais realizador da Liga ficou pela primeira vez em branco. E isso só aconteceu porque, alem de ter tido um “bom guarda-redes”, como destacou Schmidt no final, o Benfica conseguiu tirar ao SC Braga a capacidade para ligar jogo por dentro – o que é uma novidade. O Benfica de 2023/24 não escapa já aos erros de início de época, à construção desastrada do plantel e à tentativa tosca de adaptar uma ideia antiga a novos jogadores, mas está dentro da luta. Cresceu primeiro em cima da capacidade individual de alguns dos seus jogadores, com Di María à frente de todos, mas mostra já argumentos defensivos que não se lhe viram nem no ano do título. Em 2022/23, o Benfica defendia bem na frente e mal atrás, tentava asfixiar na pressão mas dava-se mal com adversários capazes de a contornar. Esta época não mostra a mesma capacidade para meter a pressão mais subida, porque lhe falta Ramos, porque tem Aursnes mais baixo no campo, mas em contrapartida mostrou ontem argumentos na linha de trás que há um ano não pareciam ao seu alcance. Tudo para dizer que está vivo na corrida.
Quem merece mais? O jogo de Braga foi mais um dos que apresenta aquela equação que abre caminho às discussões mais acaloradas entre as que verdadeiramente interessam – e que não têm pelo meio as palavras “penalti”, “fora-de-jogo” ou “intensidade do toque”. Hoje, quando lá fui, depois de um fim-de-semana meio “off”, vi que o tema agitara o debate numa das ‘chat rooms’ do meu servidor de Discord. Quem é que mereceu ganhar? Quem atacou muito mas não mostrou arte para criar desequilíbrios? Ou quem se remeteu à defesa mas ocupou de forma equilibrada os espaços à frente da sua baliza e depois teve a capacidade para chegar à frente em situações de igualdade ou até de superioridade numérica? O SC Braga rematou mais (21-11), teve um índice de golos esperados superior (1.71-1.49), mas, em média, cada remate do Benfica teve um xG de 0,14, enquanto que os do SC Braga se ficaram por uma média de 0,08. Os dois remates do Benfica em situação mais prometedora – o golo de Tengstedt, com 0,47, e a ocasião perdida por João Mário, aos 47’, com 0,48, tiveram o dobro da possibilidade de golo dos remates mais promissores do SC Braga, feitos por Ricardo Horta, a acabar a primeira parte, e por Banza, a meio da segunda (ambos com 0,22). O que é que isto nos diz? Mais volume ofensivo do SC Braga, mais capacidade para manter um equilíbrio defensivo capaz de forçar o adversário a chutar de posições e situações pouco prometedoras do Benfica. O que é que vale mais? É irrelevante. O resultado, ontem, disse-nos que valeu mais a defesa porfiada. Mas podia ter dito outra coisa. Porque é importante mantermos uma ideia presente: os números ajudam-nos a suportar teses, ajudam a explicar o futebol, mas podem mentir-nos, porque podemos torturá-los até que digam aquilo que queremos que eles digam. Isso é a especialidade das narrativas parciais – legitimam-se com números que acabaram de torturar.
Cimeira da liderança, parte II. Hoje há Sporting-FC Porto, a segunda parte desta cimeira pela liderança da Liga. Como está o campeonato, este não é um jogo de três pontos nem sequer de seis, como destacou Sérgio Conceição. Pode valer os três pontos que se ganham, os três que o adversário deixa pelo caminho e ainda a vantagem psicológica de lhe agravar a dúvida, que é incomensurável. O Sporting de Amorim joga bem, mas tem razões mais do que suficientes para duvidar do seu guarda-redes e da sua capacidade para se impor nestes desafios de perfil mais elevado – esta época já perdeu em Guimarães e na Luz e empatou em Braga, em três jogos nos quais esteve a ganhar. Além disso, já leva dez clássicos contra FC Porto e Benfica sem uma vitória, desde a final da Taça da Liga de 2022. Diz o seu treinador que foram detalhes, mas a verdade é que o Diabo está nos detalhes – e a arte de os dominar é fundamental. O FC Porto de Conceição parece a mais débil de todas as equipas que este treinador montou no Dragão em sete anos, demasiado dependente de Pepe e de Diogo Costa, o guarda-redes que fez a diferença, por exemplo, em Guimarães. Sente falta a meio-campo da abrangência que lhe davam Otávio e Uribe, que Varela ocupa menos espaço e Pepê não tem a mesma capacidade no trabalho sem bola ou a mesma visão. Quem ganhar hoje vai ultrapassar parte da dúvida, como está a fazer o Benfica a propósito da sua capacidade de defender atrás. Quem perder terá dificuldades em recuperar dela.