A coerência e os desafios do Benfica
Apesar das goleadas, o Benfica de Roger Schmidt está ainda longe de ser um produto acabado. Mas há razões para otimismo, porque desta vez se nota coerência entre as ideias e a escolha de jogadores.
Há duas coisas seguras acerca do Benfica de 2022/23: a equipa está melhor, sim senhor, mas ainda não foi campeã nacional, apesar da onda de euforia que se tem gerado em torno das vitórias confortáveis e rapidamente garantidas, contra o OGC Nice (3-0) e o Fulham AFC (5-1). Roger Schmidt mexeu onde tinha de mexer, identificou bem as lacunas do plantel anterior, tem mais qualidade em alguns setores, mudou coisas tão evidentes como a saída de bola e promete casar as caraterísticas dos jogadores com a ideia de jogo, mas as grandes dificuldades ainda estão por chegar. Este Benfica ainda não “joga o triplo” – nem vai jogar – mas aquilo em que melhorou deixa boas sensações.
A conversa foi tão feita nos últimos dois anos que começava a ser fastidiosa: ao Benfica faltava um médio com intensidade capaz de jogar num meio-campo a dois. A única dupla que deu um pequeno sinal de poder resultar – Weigl e João Mário – só funcionava verdadeiramente quando os adversários desistiam de lhes procurar as costas, o que dependia da intensidade do pressing coletivo. A resposta ao dilema era também mais ou menos evidente: ou se jogava a três, para assegurar um melhor preenchimento do espaço, ou se procurava um médio mais intenso, fosse ele um oito que acompanhasse Weigl ou um seis mais físico capaz de ser complemento para João Mário. Ora Schmidt fez as três coisas. Está a dar minutos e confiança a Florentino para ser um dos médios – ali não há bem um seis e um oito, que eles jogam os dois a par e baixam ambos na saída de bola –, acelerou a aposta em Enzo Fernández para o ter já a carburar na fundamental pré-eliminatória da Liga dos Campeões e passou o meio-campo para três unidades, com a colocação de João Mário a 10, nas costas do ponta-de-lança, ou até na esquerda, derivando Rafa para o meio.
É o ideal? Não. Acho que a João Mário falta em golo o que lhe sobra em inteligência, classe e criatividade para poder ser avançado. O seu máximo num campeonato são os seis golos na Liga de 2015/16, pelo Sporting. Portanto, um problema resolvido, outro a resolver... Como impedir que a equipa perca golo se um dos seus avançados não é capaz de os fazer? A resposta pode acabar por ser a colocação ali de um dos pontas-de-lança – Gonçalo Ramos já lá jogou na época passada e, baixando, abriria caminho ao futebol inteligente na ligação de Yaremchuk –, mas por enquanto passa pela presença constante dos extremos por dentro, próximos de zonas de finalização. Rafa, por exemplo, tem ganho proeminência goleadora, também por estar a jogar muitas vezes como 10. E Neres trouxe um incremento de qualidade à equipa que, se não for apenas fogo de vista, pode vir a ser grande ajuda no desbloquear de jogos contra equipas mais compactas, ante as quais se peça mais criatividade e situações de um para um.
Só que, já sabem, uma das coisas mais interessantes no futebol é que o retângulo a ocupar é sempre o mesmo e cada peça que se mova implica a criação de zonas vazias. É por isso que digo que as equipas são organismos vivos, que precisam constantemente de se adaptar às suas próprias alterações. Ora, se os extremos estão muito dentro, quem ocupa os corredores laterais? Neste Benfica são os dois defesas laterais, que têm surgido sempre projetados em simultâneo e a quem se pede mais profundidade e presença na frente. Gilberto e Grimaldo – e Bah, quando entra – tornaram-se armas ofensivas mais frequentes, o que, já se sabe, cria um novo problema: se eles sobem em simultâneo, há muito espaço atrás para cobrir nos momentos em que se perde a bola. A resposta, aqui, diverge consoante os momentos. Em saída de bola, os dois médios – que têm sido Florentino e Enzo Fernández – disponibilizam-se para criar linhas de passe próximo para os centrais, de certa forma atraindo marcações e criando uma certa segurança na posse. Daí a necessidade de os ter a par e não na conjugação clássica de um seis e um oito. Em transição defensiva, a ideia é reagir forte ao momento da perda da bola, para impedir que o adversário tenha tempo para pensar e capacidade para se fazer ao espaço que lá está através das tais triangulações que tantas vezes mataram o Benfica no passado recente.
Ora – adivinharam... – isto cria um novo problema. Se a ideia é pressionar forte, isso tem de ser feito de forma compacta, com toda a equipa a subir em bloco, coisa que o Benfica dos dois últimos anos teve sempre dificuldade em fazer. A linha defensiva, por exemplo, sentia-se sempre mais à vontade baixando e reduzindo o espaço nas costas do que subindo em busca da aproximação a um resto de coletivo pressionante, o que resultava no aumento do espaço entrelinhas e também era um convite aos tais contra-ataques triangulados. Lucas Veríssimo ainda demora – e vamos ver como regressa, depois da lesão gravíssima que sofreu – e João Vítor está a entrar. Pelo menos os dois juntos, Otamendi e Morato não são a solução ideal para esta linha subida, faltando perceber como é que o guarda-redes – e que guarda-redes – pode ajudar a diminuir o risco com um melhor controlo da profundidade do que aquele que vinha sendo feito por Vlachodimos.
Apesar das goleadas e da euforia que possa estar a provocar, o Benfica de Roger Schmidt está ainda longe de ser um produto acabado ou uma equipa imbatível. Os verdadeiros testes estão por chegar, mas há razões para otimismo, porque ao contrário do que vinha acontecendo há anos, desta vez há coerência entre as ideias e os jogadores.
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