O que vale uma Champions
O Manchester United pode ter problemas em convencer jogadores porque não está na Liga dos Campeões. Mas para o clube, este pode ser um belo ponto zero em cima do qual pode montar a recuperação.
Poucas combinações me provocam tanta expectativa para o arranque desta época como a das ideias de Erik Ten Hag com o peso institucional do Manchester United. Nada a ver com os 4-0 ao Liverpool FC no Oriente, que estes jogos de pré-época não servem para tirar conclusões a não ser aos muito precipitados, mas quando um clube tão poderoso como aquele, com tanta capacidade de fazer dinheiro e tantos adeptos como o Manchester United tem contrata um treinador cujas ideias são firmes e comprovadamente boas, como as do holandês, há razões para crer que dali pode surgir uma grande equipa. E, no entanto, ninguém – Ronaldo, De Jong... – quer ir para lá jogar. Será a ausência na Champions um empecilho assim tão grande para se contruir um projeto? Creio que não.
Claro que os casos são diferentes e cada um terá as suas próprias motivações individuais. No caso de Ronaldo, a questão é o tempo que começa a escassear-lhe. Para ele a Champions é a continuada busca de recordes – ou da sua melhoria – e de um lugar eterno na história do futebol mundial, como se ainda o não tivesse atingido. Tudo isso terá o seu peso, a um nível bem superior ao das más experiências que viveu na época passada, que também contarão alguma coisa. O futuro próximo, contudo, não está fácil e começa a ser mais provável que acabemos por ver um regresso a Old Trafford do melhor jogador português de sempre, que não deve poder continuar até 31 de Agosto e ao fecho do mercado a treinar em casa à espera que Jorge Mendes lhe arranje clube. Quanto a Frenkie De Jong, aparentemente há questões salariais antigas ainda por regularizar e falta de vontade de trocar a soalheira Catalunha pela cinzenta Manchester, mas aqui tenho poucas dúvidas de que ele se mudará mesmo, até porque terá em Manchester o treinador que lhe garantiu mais brilho na carreira até hoje, durante a bela campanha do Ajax na Champions, em 2018/19.
Sem a Champions para atrair jogadores, que ligam mesmo muito ao facto de poderem ouvir aquele hino a uma cadência regular e de se mostrarem às maiores audiências, Erik Ten Hag precisará muito daqueles com quem já viveu bons momentos no passado, aqueles em quem confia e que nele confiam: além de De Jong, fala-se com cada vez mais insistência em Lisandro Martínez, defesa-central argentino do Ajax, que está avaliado em cerca de 30 milhões de euros. A questão é se isso chega para tornar vencedora uma equipa que estava moribunda. Nesta perspetiva, olhando para o passado, quando um treinador leva com ele muita gente com quem já fez boa parceria, são mais os casos de fracasso do que os de sucesso. Assim de repente, grande êxito foi o de José Mourinho, quando em 2002 transportou para o FC Porto Derlei, Nuno Valente e Tiago, com quem estivera em Leiria, e Maniche, que também conhecia – e com quem até tivera problemas – do Benfica. Mas também me vem à memória o caso de Carlos Manuel, quando chegou ao Sporting e quis com ele jogadores e até o secretário-técnico que lhe tinha dado uma grande época no Salgueiros, apenas para verificar, meses depois, que não tinha havido qualquer upgrade.
Mourinho exagerou em 2002 – que aquele FC Porto precisava mesmo de uma revolução – a um nível que já não fez depois, em 2004, quando chegou ao Chelsea e levou com ele Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho, acabando por contratar Drogba quando viu frustrada a hipótese Benni McCarthy. Mas é curioso que cada vez mais os treinadores queiram ter com eles gente que sabem ser capaz de interpretar as suas ideias: olha-se para o Sporting de Rúben Amorim e, ainda ontem, com o Villarreal CF, estiveram em campo Esgaio, Paulinho e Trincão, que já tinham trabalhado com o técnico em Braga. O que falta de mercado ainda há-de dizer-nos se as notícias acerca do interesse de Roger Schmidt em Götze ou Sangaré eram ou não mais do que pura especulação, enquanto que no caso de Sérgio Conceição pode ter sido a falta de uma base estável e duradoura em qualquer outro clube antes do FC Porto a ditar que tenha olhado sempre para a frente e nunca para trás na definição dos plantéis com que já foi três vezes campeão nacional em cinco épocas.
A verdade é que em Portugal os grandes são e serão os grandes, mesmo que não joguem uma Liga dos Campeões. Por cá, a ausência da maior competição de clubes do Mundo é vista de outra forma – será, sim, sempre um problema orçamental a curto e médio prazo. Mesmo assim, já vimos por cá casos de recuperação montada em cima do esvaziamento da pressão competitiva que significa estar fora das competições europeias. Houve o Sporting de Rúben Amorim, que foi campeão em 2021. Mas houve também o primeiro Benfica de José António Camacho, segundo em 2003, a iniciar ali um trajeto que o levaria a interromper um jejum de nove anos e a ser campeão em 2005, já com Trapattoni, ou o Sporting de Leonardo Jardim, igualmente segundo em 2014 e que começava também ali um caminho que bem podia tê-lo levado a ser campeão em 2016, com Jesus, interrompendo também um jejum que no caso teria sido de 14 anos.
A ausência da Champions pode ser, para o Manchester United, um bom ponto de partida. Mais a mais tratando-se de um clube onde não falta receita, a falta dos milhões da UEFA em nada afetará a possibilidade de Ten Hag vir a fazer uma grande equipa. Assim ele consiga convencer os jogadores de que, sem a Champions a “atrapalhar” tem muito mais chances de ganhar a Premier League e de interromper um jejum que já vai para dez anos e é o mais longo desde que a Old Trafford chegou um certo Alex Ferguson.
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