Vítor Bruno caiu pelo grupo
Os adeptos que se concentraram junto ao Dragão, de madrugada, celebraram a demissão do treinador, como se tivessem sido eles a forçar a mão à administração. Mas Vítor Bruno caiu pelo grupo.

Palavras: 1374. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
Conhecido pelo drible, pela imprevisibilidade com que encara o um contra um, quando finge que entra por aqui para depois tentar entrar por ali, Gonçalo Borges não conseguiu mascarar tão bem o que lhe ia na alma quando compareceu à flash-interview da Sport TV que se seguiu à derrota do FC Porto em Barcelos (1-3) e, na tentativa de mostrar crença na viragem, a encheu de ingenuidade. “O que os jogadores podem prometer é que vão dar o máximo. Sempre! Seja com o Mister Vítor...”, disse o extremo, sem contudo acabar a frase, porque a meio deste drible percebeu que se o concluísse ia para a parte pantanosa do terreno, de onde já não conseguiria tirar a bola com vantagem. Mas atrás do início da frase estava a certeza de que alguma coisa ia mudar. Tinha de mudar. Os resultados do FC Porto de Vítor Bruno não são assim tão piores do que os do último FC Porto de Sérgio Conceição, mas o descontrolo emocional que a equipa mostrou no fim da partida, a quebra flagrante de rendimento de alguns jogadores impactantes e a opção do treinador pela alienação de ativos em vez da insistência na sua agregação foram a gota de água na primeira grande derrota pessoal de André Villas-Boas – a cedência à claque na demissão do treinador.
Gosto mais de falar de factos do que de perceções. E são os factos que me dizem que, apesar de ter completado ontem a segunda série de três derrotas seguidas esta época, este FC Porto não está assim tão abaixo do da temporada anterior. Com a derrota de ontem ficou um ponto abaixo do que tinha feito o último de Sérgio Conceição – tem 40, há um ano tinha 41. Mas em contrapartida já ganhou um troféu – a Supertaça –, ainda que possamos sustentar que o fez em circunstâncias únicas e provavelmente irrepetíveis. Em sentido inverso, além de ter caído da Taça da Liga na meia-final – e há um ano nem à Final Four foi –, já foi eliminado da Taça de Portugal. Está a dois pontos, no máximo três, de assegurar a continuidade na UEFA, ainda que neste caso se possa apontar que, estando este ano na Liga Europa e não na Champions, devia já ter o apuramento fechado. Ao todo, o FC Porto de 2024/25 chegou a meados de Janeiro com oito derrotas em 29 jogos, quando o de 2023/24 tinha sete em 30. E sim, vale a pena lembrar que as sete derrotas da época passada tinham sido contra o FC Barcelona (duas), o Benfica (duas), o Estoril (duas) e o Sporting (uma), o que se por um lado é mais facilmente justificável pelo potencial que está do outro lado, por outro dói mais, por implicar cedências contra os maiores rivais.
Vítor Bruno, que foi na semana passada eleito pelos seus homólogos como Treinador do Mês de Dezembro na Liga Portuguesa, poderia até alegar que a crise de rendimento da sua equipa se circunscreve a dois períodos de quinze dias – três derrotas seguidas de 7 a 24 de Novembro, outras três de 7 a 19 de Janeiro. E que está a ser carne para canhão na guerra política que se trava no clube, porque se a atual gestão aponta à anterior pela divulgação de auditorias, esta responde pela contestação do treinador, identificado como elo mais fraco. Já tive uma vez uma claque a insultar-me em cântico enquanto fazia um direto no relvado, antes de uma final da Taça de Portugal, mas nem isso me doeu tanto como ouvir ontem toda uma bancada por trás de uma baliza a cantar em uníssono “Vítor, cabrão, pede a demissão!” E calculo que, ao invés de ter precipitado a saída do treinador, esse facto até pudesse funcionar como motivo para que André Villas-Boas se mantivesse firme na sua escolha, porque ceder à trubamulta é o exato contrário do que o presidente precisa neste momento. Não é questão de teimosia, é uma questão de sensibilidade, de permitir que se espalhe a ideia de que se cedeu no técnico também o fará noutras áreas.
O que aconteceu foi que, além dos problemas que já teria identificado na liderança de Vítor Bruno (e acerca dos quais escrevi pela última vez há uma semana, aqui), os últimos dois jogos permitiram acrescentar uns quantos ao lote, com clímax no confronto público que o técnico alimentou com Pepê nas horas a seguir. Que Pepê esteve completamente ausente no jogo da Choupana foi uma evidência e justificou plenamente a sua substituição ao intervalo. O que se passou a seguir, só quem está no grupo saberá, mas não é todos os dias que se vê um treinador dizer que um futebolista “se autoexcluiu de um jogo” e, mais ainda, ver depois esse jogador responder através das redes sociais, em atitude tão desrespeitosa que mostra sobretudo uma coisa: que o treinador já não controlava o grupo. E isto lança uma nova luz sobre o descontrolo emocional de Samu, que se fez expulsar após o final da partida de ontem, aparentemente por insultar o árbitro, e se vingou depois com um violento soco que fez abanar o placar publicitário das flash-interviews. A novidade aqui não é haver proscritos no FC Porto – David Carmo, Ivan Jaime, Toni Martínez, Jorge Sánchez e André Franco passaram por aí na época passada, com o técnico anterior. A novidade aqui é o proscrito sentir a moral suficiente para responder, dando assim um novo sentido à expressão de auto-responsabilização ensaiada por Gonçalo Borges antes: “Nestes momentos, o que se pede é homens. E é o que vocês vão ver. A partir de agora vão ver homens dentro do balneário”, disse o extremo. Mas porquê a partir de agora? Por que não antes?
No fim das contas, Vítor Bruno caiu porque não foi capaz de potenciar o grupo, que já de si era mais fraco do que os dos rivais e apresentou a dificuldade acrescida de ter sido reunido com atraso, já com a Liga em curso. A questão é que, em vez de agregar, o treinador começou a alienar ativos. Além de Pepê, já tinha perdido Otávio – e o que recuperou não tem sido bom... – e passa neste momento sem Varela. Passou a ter menos Galeno, nunca potenciou Nehuén Pérez e não resolveu a equação que tem impedido que Fábio Vieira pareça mais do que um jogador aburguesado, sem real impacto na produção ofensiva da equipa. Rodrigo Mora baixou de rendimento nos dois jogos antes deste e voltou a ser preterido em favor de Namaso, que pode até ser um dos que, nas palavras do treinador, “quer mais do que os outros”, mas não tem o mesmo talento. Em função da ligação rara que os dois estabeleceram, tipo “sorte grande e terminação”, assim que se extinguiu o fogo de Mora – dois golos e três assistências na segunda quinzena de Dezembro, folha em branco na primeira de Janeiro – apagou-se a de Samu – três golos e uma assistência na segunda quinzena de Dezembro, uma expulsão na primeira de Janeiro. E a equipa não só caiu por arrastamento como teve a noção disso, como se estivesse a ver o filme em 4K à sua frente.
A frustração de ontem, com o jogo que correu mal, com os adeptos que tiveram de enfrentar mais uma vez em ato penitente, com o árbitro, com a vida, refletiu-se na incapacidade do plantel para continuar a andar com a carruagem para a frente. E foi por isso que André Villas-Boas cedeu e deixou cair a sua aposta mais forte desde que se fez presidente do FC Porto, que foi a do treinador. As centenas de adeptos que se concentraram à volta do Dragão enquanto decorria a reunião que, altas horas da noite, acabou por ditar a mudança de comando técnico, celebraram a chicotada como se tivessem marcado um golo, mas na verdade não foram eles que o marcaram. Este golo marcou-o o grupo, ainda sem a certeza de que não tenha sido na própria baliza.
Dúvidas sobre o Substack:
Como posso pagar a subscrição? Pode ser por MBWay?
Há várias formas de pagar a subscrição mas, infelizmente, o MBWay ou o PayPal não são uma delas. Digo infelizmente porque isso tornaria o processo bem mais prático. As subscrições podem ser pagas através da utilização de qualquer cartão de débito ou crédito ou, em alternativa, por transferência SEPA. O processo é inteiramente seguro e, em mais de três anos, só tive uma contestação, vinda de um leitor que não sabia que o sistema tinha renovação automática e, por isso, foi apanhado desprevenido. Mas mesmo esse leitor recebeu o dinheiro de volta. O que há mais é casos contrários, de leitores que me escrevem a dizer que querem renovar mas que as renovações estão a esbarrar em medidas de segurança postas em prática pelo Substack ou pelos seus bancos. Ainda assim, como sei que muita gente resiste a deixar os dados dos seus cartões bancários online, pode usar aplicações como o MBWay para criar cartões provisórios, de utilização única ou com plafond limitado ao valor da subscrição, o que desde logo impede quaisquer problemas.
A conselho de um amigo, o Último Passe passou, desde a semana passada, a conter a resposta a uma dúvida que possa surgir-vos acerca da minha atividade. No final, todas estas perguntas e respostas serão compiladas num FAQ que vai ficar disponível no meu Substack.
Não percebo porque diz que AVB cedeu à claque ou aos adeptos por ter demitido o treinador? Não pode AVB ter chegado a essa decisão sem ter em conta a vontade ou pressão dos adeptos? Parece-me que para se fazer essa afirmação de que é uma cedência é preciso ter alguma base e algum conhecimento do que era a vontade do AVB.
A gestão de Sérgio Conceição não ajudou, nem a renovação em fim de mandato, nem a sua dispensa e do filho, com o argumento do apoio a Pinto da Costa, como se Sérgio Conceição fosse conspirar contra AVB. Além da forma pouco clara entre ambos na gestão da saida de um e entrada do outro. Vítor Bruno foi apanhado no meio do turbilhão e a equipa ressentiu-se com isso.