Isto é que vai uma crise...
Vê-se as nossas equipas de topo a jogar e recupera-se a memória do Agostinho e da Agostinha a que Camilo de Oliveira e Ivone Silva deram vida no início dos anos 80. A crise é real e generalizada.

Palavras: 1093. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
Quem olhasse apenas para a hostilidade da receção à equipa do FC Porto, ontem, à chegada do Funchal, onde acabara de perder, contra o Nacional, a possibilidade de assumir a liderança isolada da Liga pela primeira vez desde que foi campeã, em Maio de 2022, acharia que está tudo mal por ali. Não está. O FC Porto é, entre os nossos “europeus”, a única equipa que fez mais pontos nesta metade de Liga do que tinha a meio caminho do campeonato passado. E, se também não está tudo bem – a exibição paupérrima na Choupana não deixa mentir – há que ter a noção de várias coisas. Uma é a de que, afinal, o FC Porto de 2023/24, aquele FC Porto de Pinto da Costa, Sérgio Conceição, Pepe, Taremi e Evanilson já não era assim grande coisa. Outra é a de que o nível das nossas equipas de topo caiu bastante esta época e provavelmente acabaremos por ter um campeão abaixo dos 90 pontos. Só assim se explica que a crise alastre, agora aqui, depois ali, mais tarde acolá, como se fosse já parte integrante do futebol nacional, sempre tão pronta a espreitar atrás de cada esquina como a fugir após um par de vitórias efémeras.
A vida dos candidatos explica-se ‘avant la lettre’ com o refrão da cantiga do Agostinho e da Agostinha, os mendigos protagonizados por Camilo de Oliveira e Ivone Silva no Sabadabadu, programa de humor de 1981, quando Portugal vivia debaixo de uma inflação acima dos 20 por cento ao ano – tivemos 2,3 por cento em 2024, caso queiram comparar. “Ai Agostinho; Ai Agostinha; Que rico vinho; Vai uma pinguinha?; Este país perdeu o tino; A armar ao fino, a armar ao fino; Este país é um colosso; Está tudo grosso, está tudo grosso”, cantavam os dois, antes da frase que se alojou no imaginário coletivo de uma geração – a minha – que entrava na adolescência. “Isto é que vai uma crise!” A cantiga aplica-se ao que se vive na Liga porque as crises são tão extensíveis a qualquer dos candidatos como o tem sido a ilusão da recuperação. Aplicou-se ao Sporting das quatro derrotas seguidas em Novembro, depois da saída de Rúben Amorim – mas os leões já “armam ao fino” com a liderança de meio campeonato, que lhes caiu no colo ontem, ou com as duas vitórias em três clássicos de Rui Borges, a fazê-los acreditar na glória da segunda volta. Aplicou-se ao Benfica de Schmidt, antes de também as águias armarem “ao fino” com as goleadas conseguidas no início do período-Lage. E a crise voltou à Luz depois das derrotas seguidas contra o Sporting e o SC Braga, no virar do ano, mas já foi afugentada pela conquista da Taça da Liga, derrotando precisamente esses mesmos dois adversários. De crise podem queixar-se o SC Braga, a dez pontos do topo, ou o Vitória SC, que é sexto, a seis pontos de um lugar europeu e foi ontem afastado da Taça de Portugal pel’O Elvas, do Campeonato de Portugal.
E depois há o FC Porto. Os dragões viveram a crise de início de época, em que nem plantel para lutar pareciam ter. Puseram-na a andar com a ilusória vitória na Supertaça e a entrada de uma série de reforços de última hora – Samu, Gül, Fábio Vieira, Nehuén Pérez, Tiago Djaló e Francisco Moura, todos chegados depois das primeiras três jornadas de campeonato. Ela voltou com os quatro jogos sem ganhar de Novembro, mas estava outra vez a desaparecer à conta da possibilidade da primeira liderança isolada ao fim de dois anos e meio. Só que, para lá chegar, a equipa tinha de mostrar serviço na Choupana. E aí o FC Porto perdeu. Perdeu bem, o que é pior e torna a coisa mais dificilmente explicável, acicatando os ânimos dos que estão sempre lá para mostrar a saudade do passado recente. O FC Porto de André Villas-Boas e Vítor Bruno está longe de uma caminhada inatacável. O treinador mudou de ideias ao longo desta época, acabando por fracassar na tentativa de fazer de Nico González a peça-chave móvel do camaleão tático e estratégico que parecia querer construir. Houve um FC Porto com Nico como segundo avançado, atrás de Namaso, ele próprio um jogador mais associativo. Houve outro FC Porto com a chegada de Samu e Moura, a afirmação de Pérez e Otávio, com o espanhol a baixar para início de construção e um ataque mais vertical, a praia de Galeno. Talvez tenha sido este o melhor. Há outro agora, com Galeno atrás, Eustáquio a sobrepor-se a Varela como terceiro homem de saída e Nico a manobrar no entre-jogo. Podia funcionar, se houvesse Pepê e Fábio Vieira – e não tem havido um nem o outro, a ponto de o primeiro ser substituído antes do intervalo e de o segundo ser suplente de André Franco.
A responsabilidade de Vítor Bruno estará nesta indecisão, na forma como tentou mesclar a sua primeira ideia – o jogo associativo – com a segunda, resolvendo a equação do homem que lhe sobrava na frente com o recuo de Galeno, o que lhe diminui a vertigem nos últimos metros. Pode alargar-se à aposta eventualmente tardia em Rodrigo Mora, ainda que em rigor ninguém possa garantir que ele já estaria em condições de entrar no onze antes de o ter feito. Estender-se-á seguramente à incapacidade para motivar a equipa num jogo tão importante como era o de ontem, na Choupana, porque a forma apática como muitos jogadores entraram é do domínio do inexplicável num grupo que se quer de alta competição e exigência. Mas uma culpa ele não tem, que é a de ter estragado a equipa. Há um ano, o FC Porto de Pepe, Taremi, Evanilson e Conceição tinha menos dois pontos do que este e estava a cinco – e não a um – do topo da classificação. Não tinha perdido o campeonato, que esse só se desvaneceu em definitivo com dois empates e uma derrota em Fevereiro, contra Rio Ave, FC Arouca e Gil Vicente, mas já não era assim tão boa equipa como os que agora vão ao aeroporto insultar jogadores, treinadores e dirigentes julgam. A crise no Dragão é real. Falta é interiorizar que não é de hoje e que, para felicidade de quem tenta invertê-la, é generalizada.
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Devia ser um caso de estudo, as equipas que entram em campo a achar que já ganharam, e que nem com o jogo a correr horrivelmente mal perdem essa ideia, e o que se vê é uma exibição de uma pobreza franciscana e uma falta de motivação e emprenho gritantes.