Uma Champions para adultos
No ano em que se torna evidente a passagem de testemunho a uma nova geração, a Liga dos Campeões será ainda mais para adultos, porque se joga quase sem pausas para respirar e limpar a cabeça.

Começa hoje, sem Cristiano Ronaldo e com Leo Messi a desempenhar um papel que já não é o principal, mais uma edição da maior prova de futebol de clubes de todo o Mundo. A Liga dos Campeões de 2022/23 é um dos maiores sinais de passagem de testemunho na hierarquia que dominou a última década do futebol Mundial. Ainda haverá Benzema ou Lewandowski, Mané, Modric, De Bruyne, Kanté ou Salah, toda uma classe de tenentes dispostos a assegurar de forma interina que o poder não cai na rua. Tal como ninguém poderá afastar a hipótese de um último estertor glorioso do próprio Messi ou até de Neymar. Mas esta está destinada a ser a Champions da nova geração. De Haaland e Mbappé. De Vinicius Júnior e Pedri. Até de João Félix ou Rafael Leão. Está oficialmente aberta a guerra pela sucessão da dupla formidável que encantou o futebol mundial na última década.
Não vos surpreendo se vos disser que esta será uma Liga dos Campeões aberta, porque o próprio formato da competição faz com que ela seja sempre uma prova aberta. Só neste formato, por eliminação direta em dois jogos a partir dos últimos 16 competidores, é que o Real Madrid de 2022 ou o Chelsea de 2021 puderam ser campeões da Europa sem serem as melhores equipas do continente – e não eram. É, por isso, sempre ingrato definir aqui, no dia em que começa a competição, quem são os favoritos a vencê-la. As equipas com mais potencial são o Manchester City e o Paris Saint-Germain, mas ambos lutam contra sortilégios de nível semelhante ao que todos os anos parece empurrar o Real Madrid para o palanque onde é entregue a “orelhuda” – a ideia de que Pep Guardiola só ganhou a Champions naquele super-Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta e não conseguirá emular esse feito e a noção de que, por mais milhões que torrem em estrelas, nunca os cataris do Paris Saint-Germain terão a taça por que tanto anseiam, pois continua a faltar-lhes o pedigree.
Ainda assim, para ser honesto convosco, terei de vos dizer que City e PSG são os dois favoritos. Que num segundo plano aparecem o Bayern Munique, o Real Madrid, o Liverpool FC e até o Chelsea, que foi quem mais investiu no futebol mundial neste verão e que certamente o fez com a ideia de ver esse investimento de 280 milhões de euros frutificar. E que, bem vistas as coisas, até o FC Barcelona, o Inter Milão ou o Milan podem sonhar com feitos inesperados, se tiverem um bom sorteio, uma boa alavancagem estratégica neste ou naquele jogo e se os adversários que forem apanhando pela frente atravessarem noites menos conseguidas. É a tal questão de tudo se decidir em dois jogos. Metade das seis Ligas mais importantes da Europa em 2021/22 viram o campeão ser incapaz de se superiorizar ao segundo classificado no confronto direto: foi o que sucedeu com Manchester City, Real Madrid ou FC Porto, campeões sem serem melhores do que Liverpool FC, FC Barcelona ou Sporting nos jogos entre ambos. É verdade que depois o Paris Saint Germain se impôs neste particular ao Olympique de Marselha, que o Milan bateu o Inter e que o Bayern se superiorizou ao Borussia Dortmund, mas ainda assim metade destas eventuais “eliminatórias” obrigaria as melhores equipas a, pelo menos, jogar um prolongamento – no caso espanhol o Barça eliminaria mesmo o Real Madrid.
É, por isso, normal que as expectativas estejam muito abertas neste momento. Ainda há um ano o Benfica e o Sporting beneficiaram da conjuntura para eliminarem o FC Barcelona e o Borussia Dortmund e o FC Porto esteve a um milímetro de poder afastar o Atlético Madrid. Na edição deste ano, os três portugueses voltam a ter em aberto as opções de seguir para a fase a eliminar da competição – mesmo não sendo favoritos. Tem mais responsabilidades o FC Porto, que além de ser cabeça-de-série do seu grupo já acumulou um capital-experiência que o Sporting não tinha na edição anterior. Os dragões estarão eventualmente menos fortes do que quando abriram a competição anterior com um empate em Madrid – dos que jogaram faltam-lhes Díaz, Vitinha, Corona e Sérgio Oliveira – mas precisam de começar a somar pontos para poderem abordar com algum à-vontade os jogos que certamente decidirão tudo, que são os do duplo confronto com o Leverkusen, no início do mês que vem. O Benfica, primeira equipa portuguesa a competir, já hoje com os presumivelmente frágeis israelitas do Maccabi Haifa, sabe que tem mesmo de ganhar para depois discutir com a Juventus a vaga que há-de sobrar, assumindo que o PSG vai ser primeiro do grupo. E o Sporting enfrenta uma viagem à Alemanha onde qualquer ponto tirado ao Eintracht Frankfurt será ouro, num grupo super-aberto, que também conta com o Tottenham e o Olympique Marselha. Os leões sabem que o pior que pode acontecer-lhe agora é repetirem a entrada em falso do ano passado (1-5 com o Ajax), tal é o estado de depressão que o clube atravessa.
Esta vai ser uma Champions diferente, porque está mais aberta do que nunca e porque se joga em três duplas-jornadas, sem tanto tempo para respirar, descansar e limpar a cabeça como era tradicional. Será uma competição aberta a jovens lobos, mas onde vai ser preciso ser muito adulto para vingar.