Um polícia na Amoreira
Depois da bela exibição e da eliminação do Estoril, Conceição chamou os jogadores à terra falando da vantagem de eles também terem sido homens. Mas não foi isso o fundamental no jogo de ontem.
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No auge da sua carreira como herói de filmes de ação, pouco tempo depois de ser Conan, Terminator, Comando ou de confrontar o terrível Predador, Arnold Schwarzenegger deixou-se levar pelos executivos de Hollywood e tentou apelar a mais e mais público, enveredando pelas chamadas comédias de ação, de que o Polícia no Jardim Escola não é o exemplo inaugural – pouco antes tinha havido Três Homens e um Bebé, com Tom Selleck – mas é o caso mais paradigmático. A ideia era simples: levar às salas a malta que mede o sucesso na vida pelo peso que consegue levantar no supino, mas também as namoradas deles, que acham fofo ver um brutamontes a cuidar de crianças. Até porque nessa altura das vidas delas isso pareceria ser o que o futuro lhes tinha reservado... Pois o bom do Arnold sabia as falas, mantinha aquele sotaque austríaco que fazia dele único, continuava a ser musculado, mas parecia sempre fora de contexto – aliás, a ideia do filme era essa mesmo e veio depois a ser replicada por muitos outros atores desse segmento. E foi por isso que ontem, após o Estoril-FC Porto, me lembrei dele. Não foi por ter podido ver a forma implacável como a associação entre Evanilson e Pepê exterminou a resistência da equipa canarinha, que esta época já tinha vencido duas vezes os dragões. Foi porque, tendo acertado ao dar à equipa a disposição tática mais larga de que ela precisava a atacar, com a abertura de Francisco Conceição e Galeno num 4x2x3x1 a contrariar a tendência afuniladora que o mais recente 4x2x2x2 lhe vinha conferindo, tendo tomado a opção correta no plano estratégico, com Pepê a baixar no fecho do espaço interior defensivo, potenciando assim os momentos de recuperação de bola com espaço para explorar atrás da última linha adversária que antes tinha atraído, Sérgio Conceição ainda frisou que, desta vez, “no campo, estiveram os jogadores e os homens também”. Já vi escrito que o futebol é uma espécie de metáfora da guerra, uma “guerra sem lágrimas” parecida à evocada por Peter Gabriel em Games Without Frontiers, mas puxar dos galões da testosterona depois de um jogo tão refinado como o que o FC Porto fez ontem, um oásis na crise criativa – e não, não tem sido só de finalização... – por que a equipa vem passando esta época, é tão desajustado como ter Arnold Schwarzenegger a fazer de baby-sitter. Sim, o Estoril é uma equipa positiva, que em cinco dias encaixou nove golos de Sporting e FC Porto, sendo que em ambos os casos os adversários criaram pelo menos outras tantas ocasiões, mas isso não deve chegar para tirar o foco do brilhantismo de alguns momentos coletivos que a equipa azul e branca teve ontem. O terceiro golo de Evanilson começa 36 segundos antes de a bola entrar, num lançamento lateral de Wendell, leva a bola a passar por oito dos dez jogadores de campo – as exceções foram Nico e Galeno – nos três corredores, tem um belíssimo passe de rotura do lateral, uma simulação fantástica do marcador, a inventar o espaço para a assistência, e merece muito mais destaque do que o “caráter e a personalidade” que a equipa mostrou. O apelo ao gregarismo é tão intrínseco a Sérgio Conceição como a ideia de esmurrar o opositor é própria de Arnold Schwarzenegger. E percebo que, depois de um 4-0 que pareceu exorcizar a besta negra desta época, o treinador do FC Porto sinta a necessidade de se comportar como polícia, para trazer os jogadores de volta à terra, que a equipa está nos quartos-de-final da Taça de Portugal e nos oitavos da Champions mas continua fora da Taça da Liga e a cinco pontos do Sporting na Liga. Mas o fundamental do jogo de ontem foi o facto de o FC Porto ter conseguido alargar o campo, dessa forma encontrando o espaço para ligar Pepê e Evanilson. A chave do sucesso futuro passa por ser capaz de o fazer contra equipas que deem menos campo do que dá o Estoril.
Benfica estável, SC Braga circular. Diz a máxima que “o futebol é o momento” e não me canso de apontar as diferentes fases que as equipas, como organismos vivos, vão passando ao longo de uma época. Já anteontem aqui frisei como o Benfica está hoje muito diferente da equipa que começou a temporada, por sua vez bem diferente da que ganhou a última Liga. E também o SC Braga, que hoje abre contra os encarnados, na Luz, na Taça de Portugal (20h45, RTP1), duas semanas que o levarão a defrontar o FC Porto na Liga e o Sporting na Taça da Liga, está bem diferente da equipa que impôs o seu ataque mas experimentou grandes dificuldades atrás nos primeiros meses da temporada. O SC Braga enfrenta esta fase da época sem Banza, o ponta-de-lança mais acutilante no ataque a zonas de finalização, devendo substituí-lo pelo mais combinativo mas menos presente na área Abel Ruiz. Depois, fá-lo-á provavelmente sem Bruma, que se magoou no aquecimento do jogo de sábado contra o Vitória SC, restando saber se surgirá com o regresso de Djaló – mais veloz e objetivo, menos forte nos espaços apertados, mas ainda assim bastante vertical – ou com a manutenção de Ronny Lopes, mais refinado nas ligações interiores. Por fim, a equipa parece ter estabilizado em torno do mais seguro par de médios que tem ao dispor, Vítor Carvalho e João Moutinho, os dois que menos arriscam, com a deslocação de Zalazar (ou André Horta) para a linha da frente. Este será sempre um SC Braga mais circular, mas menos contundente. Mais circular, mas menos permeável. Mais fixado na posse e no domínio territorial do que na chegada rápida e em supremacia à frente. Vai sofrer menos golos, porque vai ter mais bola e vai arriscar perdê-la com menos frequência, mas é bem possível que também marque menos. Estes três jogos – e o de Famalicão, que vem no meio – mostrarão se temos ou não candidato.
A “asneira” de Amorim. Rúben Amorim reconheceu ontem, depois da vitória fácil do Sporting contra o CD Tondela, que fez “asneira” quando falou no jogador que os leões tentaram neste mercado mas que já não vão conseguir, porque entretanto “foi para outro clube”. Parece que era o ala canadiano Tajon Buchanan, que entretanto o Inter Milão já contratou ao FC Bruges. Amorim é um caso raro de um treinador que não dá confiança aos jornalistas – até Guardiola tem os seus “confidentes”, tantas vezes transformados em arautos. Não fala, não aparece, não troca mensagens... Nada! E talvez isso depois influa na ânsia que ele revela de falar e de ser um pouco mais aberto do que devia nalguns temas, nas ocasiões em que surge à frente da comunicação social. Já aconteceu Amorim esticar-se e falar demasiado, acerca do seu próprio futuro, por exemplo (como assinalei aqui). Não creio, contudo, que esta revelação que nem o foi possa ter reflexos negativos. Pelo contrário. Anda toda a gente entretida a procurar saber quem foi o jogador que falhou, o que pode deixar mais aberto o caminho para tentar aqueles que ainda podem chegar. É o segredo da prestidigitação: fazer o público olhar para onde não vai acontecer nada para o surpreender noutro local.
A foto coaduna-se mais com Platoon, Os bravos do Pelotão ou se preferir Goodfellas Tudo bons rapazes, já a música do Peter Gabriel seria melhor Sledgehammer, Biko também não era má ideia atendendo há humilhação pública do eu quero posso e mando, mas os atos ficam para quem os pratica, fora isso adorei o texto.