O save de Amorim
A jovialidade da comunicação de Amorim é boa até o levar a esticar-se, como o adolescente que vai dormir a imaginar conferências de imprensa após umas horas a jogar FM. Só que essas não ficam no save.
Há quem diga que a pressa não é boa conselheira, mas isso nem sempre é verdade. Às vezes, com pressa, evitam-se situações penalizadoras nas quais incorremos se tivermos mais calma e tempo para agir. Foi o que sucedeu ontem com Rúben Amorim depois do Sporting-Farense. Quando ele se apresentou para a flash-interview, que alguém teve a ideia de fazer no meio do relvado, com placar de patrocinadores atrás e tudo, começou a cair uma bátega de água que o levou a abreviar respostas e até constrangeu o jornalista a fazer perguntas. Mesmo assim, a questão – inevitável – acerca das notícias de Inglaterra, que o colocavam numa (não tão) short list de potenciais sucessores de Erik Ten Hag no Manchester United, apareceu. E Amorim lá a aliviou para canto, como quem dizia “não me lixes agora com isso que está de chuva”. “Ao contrário do que fiz na época passada, este ano não vou falar sobre essas coisas”, disse. Fez bem. Só que quem está em direto na conferência de imprensa, que decorre uns minutos depois, não transmitiu a flash-interview e muitas vezes nem pôde vê-la. E ali a questão voltou a surgir, como era evidente que ia acontecer. Surgiu, aliás, duas vezes, que ali não chovia e já não havia pressa de despachar a coisa. “Tenho uma ideia acerca do que vou fazer no final da época, mas não vou agora dizer qual é, porque pode não acontecer”, revelou Amorim numa primeira ocasião. “Vou cumprir tudo o que está lá escrito no contrato”, afirmou na segunda oportunidade, quando lhe perguntaram acerca da possibilidade de algum clube bater a cláusula de rescisão, que é de 20 milhões de euros. São duas tiradas inoportunas, porque se a ideia é cumprir os dois anos de contrato que ainda lhe sobrarão nessa altura, não teria de o dizer, muito menos assim, dando azo a que a malta se ponha a adivinhar. E, das duas uma, ou esta é uma estratégia para fazer a equipa reagir, como a da “época do tudo ou nada”, que dias depois de a ter dito o treinador leonino veio agora justificar com o facto de sentir que a equipa precisa dessa pressão “para não se esconder”, ou a coisa foi um passo em falso que não faz nenhum sentido, porque volta a trazer para o futuro do Sporting o que a presença consolidada de Amorim teve o mérito de erradicar no presente, que é a instabilidade. É aqui que muitos de vós começam a divergir para o que, na minha perspetiva, não é essencial. Uns lembram que o Manchester United acaba de dar um voto de confiança a Ten Hag, outros consideram que Rúben Amorim não passa ainda de peixe miúdo neste mar de tubarões e que há muitos nomes mais credenciados do que ele na lista. A primeira questão, já o disse ontem, é uma questão de tempo – e de haver financiamento, sendo que muito mais do que os 20 milhões da cláusula de rescisão do português, o que mais pesaria seria o pagamento ao neerlandês para se ir embora. A segunda esquece que estas coisas não se decidem pela extensão do currículo, por um lado porque há nestes processos que ter em conta a “química” – que no limite até foi o que levou Varandas a contratar Amorim – e por outro porque muitas destas contratações se jogam antes mesmo de os treinadores serem equacionados, nas lutas de gabinetes entre grupos de influência. Tenho neste momento algumas dificuldades em acreditar que o futuro do Manchester United passe por Amorim, mas tenho mais certezas de que, na perspetiva leonina, ele falou demais acerca do tema. A jovialidade da comunicação de Rúben Amorim é um ponto a favor dele, mas só até ao momento em que ele se aproxima do adolescente que acaba uma sessão de Football Manager a altas horas da madrugada e vai para a cama a imaginar uma conferência de imprensa – muitas vezes estica-se e “fala” do que não devia, acabando por adormecer aliviado por saber que nada daquilo ficou no “save”. E esse é um luxo a que o treinador do Sporting não pode dar-se.
O Inácio centrocampista. O jogo com o Farense trouxe ainda a primeira aparição pública de uma experiência que Amorim já tinha feito na pré-época, contra o KRC Genk, que foi a subida de Gonçalo Inácio para o meio-campo. Ao contrário do que sucedera nesse desafio estival, os leões desta vez não mudaram a estrutura – aí Inácio tinha sido muito mais Stones, porque era central numa linha de quatro a defender e subia para o meio-campo quando a equipa tinha a bola – e limitaram-se a enxertar o defesa ao lado de Bragança no seu habitual 3x4x3, desta vez inclinado para a esquerda com a subida de Nuno Santos e o encostar de Matheus Reis à lateral a promover o 4x2x4 em início de processo defensivo. E o que Inácio mostrou foi suficiente para encorajar a repetição da experiência, até devido à escassez de opções para o setor intermediário, onde os leões só têm Hjulmand, Morita e Bragança e onde, mais uma vez, no bocadinho que jogou, Essugo mostrou que não está à altura da exigência e que tem de somar minutos com regularidade para não perder de vez o comboio. Forte em condução e na distribuição, inteligente na receção orientada a levá-lo para terrenos em que podia ajudar a equipa a ferir ofensivamente, Inácio passou o teste com distinção e leva a que a sua subida no campo só possa ter um senão. É que ele faz falta mais atrás, pela capacidade que tem de ver o jogo de frente e de meter passes progressivos a partir da primeira linha de saída. Seja onde for, uma coisa é certa: é cada vez mais difícil imaginar este Sporting sem Gonçalo Inácio. O que deve querer dizer que lá para o final da época também ele já deve ter uma ideia muito clara acerca do que vai fazer.
43 jogos depois, o Casa Pia. O Casa Pia voltou à divisão principal na época passada, depois de décadas de ausência, e seja fruto da competência da SAD ou do treinador, Filipe Martins, tem sido das equipas mais interessantes de ver e mais competitivas nestes 43 jogos que leva desde o regresso. À custa de uma identidade tática fortíssima, os gansos chegaram na época passada a ameaçar lutar por uma vaga europeia e estão neste momento a saborear dois empates nos terrenos de Benfica e SC Braga nos últimos dois jogos, o primeiro na Liga e o segundo na Taça da Liga. E tudo isto sem ter estádio, o que é ainda mais notável. Ora, 43 jornadas de campeonato depois, há hoje notícias de que as obras em Pina Manique poderão começar em Abril ou Maio, desde que haja, primeiro, licença da Câmara Municipal de Lisboa, o que se espera venha a acontecer esta semana, e depois dinheiro para as fazer. Agora que os resultados lhe resolveram a questão da equipa sem alma nem adeptos que tinha a competir no escalão principal – a B SAD – a Liga já devia ter enfrentado mais esta, a de uma equipa sem esqueleto, sem casa, e que assim vai continuar pelo menos até final desta segunda época. São dois anos a assobiar para o lado.
O show... e Textor. Não vi em direto o extraordinário Botafogo-Palmeiras, na madrugada de ontem, mas depois de saber o que tinha sucedido fui ver. O contexto era de perda da equipa que lidera o Brasileirão desde os primeiros dias, ainda com Luís Castro – já são só três pontos, com um jogo a menos, para o Palmeiras de Abel Ferreira e quatro para o RB Bragantino de Pedro Caixinha, mas com oito jogos por disputar está tudo em aberto. Os alvinegros chegaram a 3-0 na primeira parte e puseram a bota em cima do título. No segundo tempo, apareceram a competitividade do verdão e o talento de Endrick, o adolescente que já está de malas feitas para o Real Madrid. O Palmeiras reduziu para 3-1 e a 15’ do fim o Botafogo ficou reduzido a dez homens, por expulsão de Adryelson, aconselhada pelo VAR. Tiquinho Soares ainda falhou um penalti, que daria o 4-1 e a quase certeza do título, e golos aos 84’, 90’ e 90+9’ valeram ao campeão a épica reviravolta para 4-3. No final, Abel alongou-se num discurso comiserativo de honra aos vencidos que fica bem mas nem era o mais certo naquele momento, mas quem lhe roubou o palco foi John Textor, o milionário norte-americano que comprou o Botafogo e que parece já ter assimilado bem os valores mais negativos que tínhamos, por exemplo, no futebol português dos anos 80 e 90. “Isto é um roubo, este campeonato é uma piada”, disse, em inglês, ao repórter da Premiere que o entrevistava junto ao túnel de entrada para o balneário, exigindo a demissão de Ednaldo Rodrigues, o presidente da CBF. “Podem suspender-me que para a semana estou cá outra vez, porque o estádio é meu”, rematou, numa tirada que causa alguma vergonha alheia. O futebol tem a estranha capacidade de meter um hooligan dentro de qualquer um, até de quem certamente nunca o viu até ser dono de equipas.