Um mercado sem “vieirismos”
Pode discutir-se muita coisa acerca do mercado de FC Porto, Sporting ou SC Braga. O que é indiscutível é a imobilidade no mercado do Benfica, onde a primeira tarefa passa pelo desmame do "vieirismo".
Podemos chegar aqui hoje e discutir se um jogador tão diferente como Slimani justifica o alto investimento em salários que o Sporting vai fazer, se um futebolista tão inconstante como Edwards vale o que os leões por ele vão pagar ao Vitória SC, se faz sentido o FC Porto quase triplicar o que ia receber do SC Braga para ficar com Galeno e nisso gastar boa parte do que vai receber do Liverpool FC por Díaz, ou se é boa política os bracarenses continuarem a alienar os seus jogadores mais interessantes, deixando-os seguir para clubes que estão acima deles na tabela, adiando o assalto ao topo. Mas há uma coisa que é indiscutível: no Benfica, nada mexe. A prometida dieta de emagrecimento de um plantel majestoso mas desequilibrado ficou por aí mesmo, pelas promessas, que o mercado sem os “vieirismos” a que o Benfica se habituara nos últimos anos torna-se muito mais difícil de gerir.
Mas vamos por partes: quem ganhou este mercado? Aparentemente, o Sporting. Aliás, dos quatro da frente, foi o único a investir mais do que recebeu, mesmo considerando que Slimani chega a custo zero do Olympique Lyon. E atenção, que uma aquisição a custo zero não tem de ser necessariamente uma boa operação: basta que os elevados salários que o argelino vem receber, próximos do teto salarial do clube, causem incómodo em quem surge à frente dele na preferência do técnico para ficar o caldo entornado. Com Slimani, Rúben Amorim enfrenta dois desafios. O primeiro é torná-lo útil numa ideia de jogo com a qual ele não casa assim tão bem – esse pode resolver-se com treino. O segundo é gerir o bem-estar do balneário (e até o do próprio Slimani) face à divergência entre o salário e a utilização do argelino. Porque uma coisa é os atacantes que são mais frequentemente titulares olharem para Jovane e para Tiago Tomás no banco e acharem que está tudo como deve estar, outra bem diferente pode ser olharem para o banco e verem lá empatados os 1,2 milhões de euros anuais que Slimani vai custar.
Este segundo desafio resolve-se com vitórias – e é para isso que chega Edwards. O inglês que vem do Vitória SC por quase oito milhões de euros – e por metade do passe – pode ser muito importante, porque tem condições para ser o substituto de Sarabia na próxima época, mas também porque dá aos leões um incremento de capacidade no um para um ofensivo. É caro, para quem nem sempre é titular do Vitória SC, mas sendo um pedido expresso do treinador fica a ideia de que ele saberá como o rentabilizar. O que, no fundo, é o que vai pedir-se agora a Sérgio Conceição no que respeita a Pepê, mais até do que no que toca a Galeno. O FC Porto perde Díaz, o melhor jogador da Liga até este momento, recebe em troca 45 milhões de euros – e podem ser mais 15 – e poderá finalmente enfrentar o desafio que é mostrar que Pepê vale os 15 milhões de euros que pagou por ele ao Grêmio em Julho. Também o FC Porto está a funcionar numa lógica preventiva, que manda trazer o substituto antes da saída do titular – aquilo com que Conceição não contava era que o titular saísse já e ainda por cima por valores que tornam a operação difícil de entender. Se os dragões recebem 45 milhões por Luis Díaz, se nove desses milhões pertencem (20 por cento do passe) ao Junior Barranquilla, se 15 foram para Pepê e se agora se gastam mais nove em Galeno, não sobra muito. E quantidade não é necessariamente qualidade.
Mesmo que Galeno não se imponha imediatamente no FC Porto, o seu regresso ao Dragão – de onde Conceição o dispensara há dois anos e meio – contribui para mais um adiamento do projeto desportivo do SC Braga. Desde 2016, os bracarenses transferiram nove jogadores para um dos grandes. Saíram Danilo, Rafa e Boly em 2016/17, André Pinto e Battaglia em 2017/18, Loum em 2018/19, Paulinho em 2020/21, Esgaio e agora Galeno em 2021/22. Mesmo tendo em conta que Pinto saiu a custo zero, em fim de contrato, e que Danilo foi só emprestado, na volta do correio chegaram 65 milhões de euros que podem até servir os interesses de uma estratégia de evolução a longo prazo mas que vão custando o sucessivo adiamento do projeto desportivo e a ansiada entrada na discussão de títulos. Porque os títulos, além de trazerem bem-estar aos adeptos, são das coisas que mais contribuem para a valorização dos jogadores – e isso é o que o Benfica está a aprender às suas custas no desmame do “vieirismo”. Quando se fala de mercado e de Benfica o hábito é balizar as coisas por cima, o que Luís Filipe Vieira ia conseguindo através de acordos que tinha com empresários amigos – ou “parceiros”, como chegou a definir a sua relação com Jorge Mendes – e da conquista de troféus, que vinham valorizar os jogadores e ajudar quem os vendia.
O Benfica anda há alguns anos a comprar em alta, porque tinha a garantia de quem mexe no mercado de que venderia em alta também. A isso somava a conquista de títulos. As sempre tão faladas transferências de Renato Sanches ou João Félix foram feitas por cima, mas depois da conquista de campeonatos em que os jogadores foram fundamentais, dando margem para crer que muito mais viria a seguir. Sem ganhar nada desde Agosto de 2019 – quando venceu o Sporting na Supertaça – e tendo perdido a ligação vieirista aos empresários que mexiam no mercado do clube, o Benfica ficou agora bloqueado. Já se sabia que este mercado ia ser difícil na Luz, por uma razão muito simples: regra geral, os jogadores do Benfica desvalorizaram, o que torna complicado transferi-los sem perda de face, isto é, sem dar o braço a torcer, sem admitir vender abaixo do que se comprou (Everton, Yaremchuk...), ou sem abdicar de uma margem de lucro superior, que pode ser conseguida se o clube ganhar troféus (Darwin). Este desmame do “vieirismo” é a primeira tarefa de quem quiser mexer no mercado da Luz. E se não foi conseguido agora, assume foros de tarefa primordial até ao Verão.
"(...) diferente pode ser olharem para o banco e verem lá empatados os 1,2 milhões de euros mensais que Slimani vai custar(...)"
1,2 milhões de euros anuais?
Slimani, Galeno e Semedo parecem-me tiros ao lado, mas os resultados é que hão de ditar o sucesso ou insucesso das transferências. E tanto Conceição como Amorim têm muito crédito na recuperação e valorização de jogadores, por isso, é esperar para ver. No Benfica, a espera convém que seja sentada. Tiros, só de pólvora seca. O anunciado interesse de vários clubes em jogadores do Benfica parece mais uma mensagem posta a circular pela cúpula para sossegar os adeptos. "Estão a ver como temos craques, não compramos mal, e que podemos fazer dinheiro se e quando for preciso?". Custa-me a acreditar em tanto interesse e em tantos milhões, dado o rendimento desportivo do clube. Rui Costa defendeu o emagrecimento do plantel, mas na primeira oportunidade só lhe tirou Ferro. Não sei se assim o plantel continuará de boa saúde.