Os tiros para cima de Conceição
As palavras de Conceição acerca de Díaz não foram explosivas. Ele teve tempo para as pensar. Ontem, o treinador do FC Porto disparou para cima. E nem sempre os tiros para cima são tiros para o ar.
Há vitórias que chegam recheadas de frustração. A do FC Porto, ontem, contra o Marítimo, no primeiro jogo após a consumação da transferência de Luis Díaz para o Liverpool FC, feita bastante abaixo dos valores que tinham sido publicamente definidos pelos responsáveis da SAD portista, não impediu Sérgio Conceição de chegar ao fim a fumegar nem lhe temperou o ímpeto de tornar pública essa frustração. A resposta dada acerca do tema na ‘flash interview’ à Sport TV não foi a quente, porque a concretização do negócio chegara horas antes e pelo meio até houve um jogo como escape. A ‘flash interview’ foi, isso sim, a primeira ocasião que Conceição teve para expressar indignação com a amputação de que acabava de ser alvo. E se a indignação com quem está acima pode servir para mobilizar quem está abaixo – jogadores – há uma questão a sobrar: como é que Sérgio Conceição pode gerir o relacionamento com a SAD para os dois anos de contrato que lhe faltam?
Foram três segundos de silencio. Três segundos de semblante carregado de Sérgio Conceição entre o fim da pergunta acerca de Luis Díaz e o início da resposta. Três segundos em televisão são uma eternidade e estes três segundos foram ali colocados propositadamente, para dar um certo ‘gravitas’ à situação. Sérgio Conceição não usou aqueles três segundos para pensar no que ia dizer nem para ir à procura no canto mais empoeirado da consciência de algo que o impedisse de o dizer. De alguma coisa que o segurasse. O que ele disse foi pensado. Apesar do histórico explosivo do treinador, a frustração de perder aquele que tem sido o melhor jogador da Liga a 15 jornadas do fim e em condições diferentes das que tinham sido definidas em patamares superiores chegou para o levar a apontar e disparar sem receio de fazer vítimas ou de ser atingido pelo fogo de retaliação que aí venha. “Quando existe pouco planeamento ou não há [planeamento] temos que rever os objetivos”, disse Conceição.
E isso quer dizer o quê? Que no FC Porto há pouco planeamento? Quanto a isso, parece ser evidente que essa é a opinião do treinador, que não hesitou em empurrar os responsáveis – seja o presidente, o vice-presidente financeiro, seja quem for – para a linha de comboio. Que o FC Porto já não é favorito para a conquista da Liga? Isso, como é evidente, Conceição já não assume. Sem se deter, aliás, não deixou sequer que a pergunta lhe fosse colocada: “Faz parte daquilo que é o meu trabalho encontrar soluções”. Mas voltou a colocar a barreira entre ele e quem está acima, na SAD, quando enfatizou a realidade com que vive: “Hoje no banco tinha dois laterais, dois centrais e dois guarda-redes”. Se concordarmos que Conceição é um tipo explosivo mas geralmente explode no momento, não com temporizador programado para a próxima aparição televisiva, temos de entender o que ele disse ontem como forma política de intervir numa realidade que não lhe agrada. Não lhe agradam os erros cometidos acima, sejam eles em proveito próprio de quem erra ou por pura incompetência. Não lhe agrada ter de fazer o resto da época sem aquela que era a sua maior arma ofensiva. E assim sendo faz o que pode para tirar relevância a essa perda.
As palavras de Conceição, ontem, podem servir para unir o grupo. Para que os jogadores e os treinadores encontrem mais um “inimigo” externo – é interno, no clube, mas é exterior ao balneário – contra o qual se mobilizem, em busca de resultados. Não funciona tão bem como um incremento de qualidade, mas não há no mercado jogadores capazes de dar ao FC Porto aquilo que Díaz lhe dava, pelo menos no imediato. A Liga está muito bem encaminhada, com os nove pontos de avanço sobre o Sporting – que tem um jogo a menos – e um jogo que pode ser decisivo contra os leões no Dragão, daqui a menos de duas semanas. E os tiros de Sérgio Conceição podem alargar o efeito motivacional até esse jogo, até para responder ao efeito positivo que a vitória na Taça da Liga pode ter tido nos campeões nacionais no que respeita à crença no processo. Colocado perante esta necessidade urgente, contudo, Conceição teve de sacrificar o mais longo prazo. Quando proclama que o FC Porto é “um clube exigente” e que ele próprio também o é, está a dizer que não tem necessidade de aturar estes filmes. E o que fica em cheque são os dois anos de contrato que lhe faltam. Além da vertente desportiva – será o FC Porto capaz de atingir os objetivos sem a qualidade que lhe aportava Díaz? – o que mais curiosidade me provoca é a reação da SAD. Poderão Pinto da Costa e Fernando Gomes, o administrador responsável pelo pelouro financeiro, iniciar a próxima época com Conceição? Mais: poderão eles fingir que o treinador não disse nada, que aquela ‘flash interview’ nunca existiu?
PS - Não consegui, ontem, terminar o texto acerca do Campeonato de Portugal de 1932/33. Também aqui há alguma dificuldade em articular planeamento e objetivos, nomeadamente acerca do total de horas que tem cada dia. Peço desculpa pelo atraso. O texto seguirá entre hoje e amanhã.
Já há alguns anos que não existe planeamento, aqueles que saíram grátis diz muito do planeamento e antecipação dos FCP. Dá a sensação que só interessa a parte económica e interesses pessoais e menos na parte objectiva quera era fazer o clube crescer e tornar-se forte e campeão.
Penso que o Sérgio não devia ter dito em público mas compreendo a sua frustração, também como portista me sinto assim.
Caro António, relativamente ao seu planeamento ele se deveu a uma situação pontual, até por causa de um FDV mais longo, e não corresponde ao seu padrão. Já com o Porto o mau planeamento é sistémico. Basta lembrar que não há muitos anos, antes de jogadores saírem a custo zero e da intervenção da UEFA, o FC Porto se dava ao luxo de dar 20 milhões por Imbula.