Um devaneio de Verão
A contratação e o despedimento de Daniel Sousa por António Salvador só podem ser um devaneio de Verão. Nesta loucura, ficam em causa a qualidade do treinador e a estabilidade emocional do presidente.
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Ao quarto jogo de competição, com duas vitórias e dois empates, António Salvador perdeu a paciência e demitiu Daniel Sousa, o treinador que contratou em final de Maio para o lugar no banco que, bem vistas as coisas, nem se percebe muito bem como é que Artur Jorge chegou a aquecer por tanto tempo até se deixar querer pelo Botafogo e não se importar de sair como mau da fita. É verdade que, superada a barreira dos israelitas do Maccabi Petah Tivka, na Liga Europa, o SC Braga fez um jogo fraquinho contra o Servette (0-0 em casa) e não foi capaz de ganhar a um bom Estrela da Amadora (1-1, também na Pedreira), na estreia na Liga, mas há uma coisa que não pode ser ignorada: se o treinador é assim tão mau (e tem de ser mesmo muito mau para ser justificadamente despedido logo em meados de Agosto da sua primeira época), é preciso responsabilizar o presidente que lhe ofereceu um contrato de dois anos para assinar. Uma das duas coisas – ou a contratação ou a demissão – tem de ser vista como um exemplo de gestão danosa por parte de um presidente que elevou o SC Braga a um nível que o clube nunca conheceu no passado mas que depois o trava com devaneios e impulsos mais próprios de um tirano do que de um gestor racional.
Numa altura em que tanto se fala da passagem do futebol português para uma nova fase de modernidade, com as lideranças de Frederico Varandas, Rui Costa e André Villas-Boas, no SC Braga mantém-se a gestão à antiga, onde o mais importante é o instinto e salvar a face do líder. Acontecia muito no Sporting de Bruno de Carvalho – e ainda hoje há muita gente que nas redes sociais garante esta versão dos factos como verdade absoluta. O presidente era o Rei Sol e se a equipa depois não ganhava era por causa dos árbitros ou de treinadores incompetentes. Marco Silva era incompetente, Jorge Jesus era incompetente – e há até quem avance ao ponto de garantir que além de incompetentes eles eram desonestos, o primeiro por causa da ligação a um fundo de investimento que tinha parte do passe de alguns jogadores e o segundo em nome de uma aliança com Luís Filipe Vieira, depois alegadamente confirmada quando o treinador voltou ao Benfica. No fundo, aquilo em que os dois se transformaram foi em carne para canhão na trituradora que se destinava a manter o mito da infalibilidade do líder. É assim que se está em Braga. Não creio que possa haver razões suficientemente fortes para que se demita um treinador ao fim de quatro jogos, como aconteceu a Daniel Sousa. Mas se as há, é preciso ir mais longe e responsabilizar quem tomou a decisão de o contratar sem ser capaz de olhar para a pessoa e as entender.
O nome de António Salvador ficará para sempre ligado à subida de patamar do SC Braga no futebol português. Foi debaixo da liderança dele que um clube que antes só conhecera um par de momentos de glória – a Taça de Portugal de 1966 e alguns quartos lugares entre a década 70 e a década de 80 – se elevou a uma condição de desafiante dos três grandes que nem a sua massa adepta justifica. O SC Braga é hoje uma realidade muito mais consolidada no futebol nacional do que o Vitória SC, apesar de os vimaranenses meterem, em média, mais duas mil pessoas no estádio por jogo de campeonato em casa. Ainda na semana passada aqui chamei a atenção para o facto de, nos últimos dez anos, só por uma vez o Vitória SC ter ficado à frente do SC Braga na tabela final. Mas não é só isso que está em causa: nesses mesmos dez anos, o SC Braga ganhou duas Taças de Portugal e duas Taças da Liga, a juntar a uma primeira, que já tinha vencido em 2013. Além disso, jogou Liga dos Campeões e pontua regularmente para o ranking da UEFA. Nada disso é indissociável do trabalho de Salvador e da estrutura que ele lidera, seja pela habilidade que foi revelando nas operações de mercado, pela escolha dos parceiros certos para cada momento e pela compreensão da importância de que se revestem as infraestruturas, por exemplo, na capacidade da formação para dar frutos. E o SC Braga é o atual campeão nacional de sub19, foi finalista da Taça Revelação, em sub23, e ficou a um golo de subir a equipa B da Liga 3 para a Liga 2.
Tudo o que é mais difícil, já está lá. Faltará a capacidade de admitir que por vezes se cometem erros – e assumir a responsabilidade por eles. António Salvador foi, durante anos, o risco que todos os treinadores temiam e desejavam ao mesmo tempo. Porque do SC Braga ou se saía em conflito com o presidente, demitido em menos de um fósforo, ou então em alta, a caminho de um clube com outras aspirações. Salvador assumiu a presidência do SC Braga em Fevereiro de 2003 e um mês depois substituiu Fernando Castro Santos por Jesualdo Ferreira. Manteve o professor durante três anos e, embora ele tenha passado um par de semanas no Boavista pelo meio, no verão de 2006, a verdade é que foi dali que partiu para ser tricampeão no FC Porto (em 2007, 2008 e 2009). Nos primeiros dois anos do tricampeonato de Jesualdo, o SC Braga teve cinco treinadores, mas ao terceiro apostou numa via de sucesso com Jorge Jesus, que de lá saiu para ser campeão no Benfica. Em 2009 Salvador meteu as fichas em Domingos Paciência, que fez um segundo lugar no campeonato (em 2010) e chegou à final da Liga Europa (em 2011) antes de assinar pelo Sporting. Apostou em Leonardo Jardim em 2012 e transferiu-o para os gregos do Olympiakos, antes de ele suceder a Domingos e a Jesualdo em Alvalade e de ser, depois, capaz de levar o AS Mónaco ao título francês e a uma semi-final da Champions. Teve José Peseiro duas vezes, Sérgio Conceição numa (infeliz, por sinal), Paulo Fonseca antes da saída para o Shakhtar, mas também Jorge Paixão ou Jorge Simão antes de se lembrar de promover Abel Ferreira, que dali partiu para ser o treinador mais bem-sucedido da América do Sul nos dias de hoje. Não há-de ser sorte, que depois de Abel Ferreira Salvador também se lembrou de Rúben Amorim e até de Artur Jorge, que é o atual líder do Brasileirão com o Botafogo.
Que o homem tem olho, é inegável. Desde que Jesualdo Ferreira saiu do SC Braga para ser tricampeão nacional no FC Porto, os treinadores que Salvador escolheu ganharam 11 de 18 Ligas em Portugal (por Jesualdo, Jesus, Conceição e Amorim), três Copas Libertadores (Abel e Jesus), três campeonatos do Brasil (outra vez Abel e Jesus), uma Liga francesa (Jardim), um campeonato grego (Jardim), três campeonatos da Ucrânia (Fonseca), já para não falar de um campeonato de Chipre (Sá Pinto) e de uma Liga saudita (Jesus). Se isso chega para lhe permitir pôr e dispor à primeira má sensação, sem cuidar de deixar o tempo mostrar se o problema é mesmo o técnico ou se não terão sido alguns erros, por exemplo, na composição do plantel, já é questionável. É que nem todos estes campeões saíram de Braga a bem com o presidente.
O Braga quer ser campeão, tem um bom plantel (já á vários anos), tem excelentes infra-estruturas e está estável economicamente, mas com o Terminator de treinadores ao Leme, fica difícil...o António Salvador despede como ninguém e depois quer triunfar....não será fácil se mantiver este caminho!
A comparação com Bruno de Carvalho é um pouco forçada aqui. bruno de Carvalho teve 5 treinadores: Jesualdo Ferreira, Leonardo Jardim, Marco Silva, Jorge Jesus e Sinisa Mihajlovic. Jesualdo já lá estava e nunca contou, Leonardo Jardim saiu porque quis, Marco Silva terminou a época e, concorde-se ou não com a decisão e com os fundamentos mais ou menos patetas, saiu para se contratar Jorge Jesus (na minha opinião pessoal Marco Silva deveria sempre sair, mas não com todo aquele alarido e foi um erro ir buscar Jorge Jesus). Jorge Jesus saiu no fim da época após mais um falhanço grande e depois de toda a farsa de Alcochete, Sinisa Mihajlovic acabou por sair por culpa da comissão de gestão junto com Bruno de Carvalho.
António Salvador tem uma gestão mais próxima da de Pinto da Costa, mas sem a inteligência táctica do anterior presidente do Futebol Clube do Porto, esta contratação de Daniel Sousa com despedimento apenas uns meses depois, apenas por não ter ganho dois jogos, mostra que Savador é ao mesmo tempo o "pai" deste Sporting Clube de Braga, mas também quem o impede de crescer mais ainda.