Rien ne va plus!
Começa a Liga e do que me lembro é do Vítor de Sousa como croupier no Casino Royale do Herman José: “Renévápliú”! Só que o futebol é diferente e deixa mudar as apostas já com a roleta em andamento.
Palavras: 1145. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram)
A demissão de Tozé Marreco do comando técnico do Gil Vicente na antevéspera do início do campeonato é um exemplo ao mesmo tempo modesto, porque não faz primeiras páginas de jornais nem ocupa horas intermináveis nos diversos espaços televisivos dedicados ao futebol, e paradigmático daquilo que não devíamos viver num arranque de temporada. Pedro Proença, o presidente da Liga, que neste caso é mesmo um dos menos culpados, já escreveu aquele artigo que habitualmente faz publicar sempre que se inaugura uma nova edição da prova, um artigo a dizer que o Mundo é belo, que a Liga é esplêndida e que os patrocinadores teriam de ser muito burros para não quererem vir aqui despejar o seu dinheiro, mas da competição que vai começar pouco se fala. Até Pepe, um simples futebolista – e este qualificativo tem muito que se lhe diga... –, percebeu que o dia certo para decidir e anunciar ao Mundo que não vai continuar a jogar futebol era este, a véspera do início da competição.
Tal como fiz na época passada (e está aqui o texto para memória futura), vou publicar hoje à tarde a minha antevisão desta Liga quando ela tem de ser escrita, que é antes de começar a jogar-se. Passarei por todas as 18 equipas, identificando entradas e saídas, os onzes-base, os problemas que estão por resolver e os argumentos que as recomendam como forças a ter em conta, mas corro o risco de até ao fim do mês aquilo mudar tudo e a minha visão da coisa ficar ultrapassada. E por mais que me esforce – e acreditem que o tenho feito – não encontro uma razão válida para que o mercado não feche mais cedo, permitindo que adeptos, jogadores, treinadores, dirigentes e jornalistas encarem a Liga sabendo com o que vão contar, sem que se possa mudar as fichas de lugar depois de a roleta começar a andar. É que nem sequer colhe a ideia de que é para favorecer os negócios, porque os negócios tanto se fazem em Agosto como em Julho. Quando muito, poderia ser para permitir aos mais poderosos testarem já em competição as dezenas de soluções que estão a pagar, não o fazendo só nas pré-temporadas, que o inflar dos calendários tornou coisas desprezíveis. Quando as equipas faziam 40 jogos por ano, os de pré-época eram importantes. Hoje, que fazem 60, são meras unidades de treino – e ninguém decide sobre um reforço ou sobre as necessidades de uma equipa de competição com base no que viu num treino.
Claro que depois há aqui um problema acrescido: é que o mercado é global e as competições não começam todas ao mesmo tempo. Nem podem começar, porque aquelas que têm de ser interrompidas no Inverno, por causa do frio e da neve, precisam de arrancar mais cedo para culminarem, como as outras, lá para meados ou finais de Maio. Isto já para não mencionar os campeonatos que começam na Primavera e terminam no Outono. No Mundo ideal, qual seria a linha vermelha no chão, a data a partir da qual não haveria mais transferências? O início das “Big Five”, que este ano, com exceção da Bundesliga, atrasada para 23 de Agosto, arrancam todas no fim-de-semana de 17 e 18? Mas onde é que isso deixava Ligas como a nossa, que abrem uma semana mais cedo, ou equipas que já andam há um mês a jogar pré-eliminatórias das competições da UEFA? Ainda assim, a extensão do mercado em todo o seu esplendor até inícios de Setembro é um dos fenómenos mais mal explicados e geridos do futebol mundial. É que, tirando aí uma meia-dúzia de treinadores, os dos grandes de Inglaterra e pouco mais, todos vos dirão que, se pudessem decidir, fechavam as negociações antes de começarem as competições. E no entanto não são eles que usam mais essa extensão de período negocial, pois também têm o hábito de fechar os plantéis a entradas muito antes, deixando apenas as saídas daqueles com quem não contam para a última, não vá o Diabo tecê-las e o titular fazer uma rotura de ligamentos.
No ano passado, do Top10 de transferências mais caras do Verão, as dez acima de 70 milhões de euros, quatro fecharam-se em Julho (Rice, Bellingham, Havertz e Szoboszlai), outras duas (Gvardiol e Højlund) fizeram-se na primeira semana de Agosto e mais três (Caicedo, Kane e Neymar) até meio do mês, quando começaram as grandes Ligas. A contratação de Randal Kolo Muani pelo Paris Saint-Germain ao Eintracht Frankfurt, por 95 milhões de euros, foi a única a entrar para este top feita em cima do fecho do mercado, a 1 de Setembro, depois de o franco-congolês ter feito três golos nos primeiros três jogos da equipa alemã. Este ano, o mercado tem estado mais parado, que ainda não se fez uma só transferência acima dos 70 milhões de euros, e há a expectativa de ser nestas últimas três semanas que as coisas vão mexer. E é isso que deixa boa parte dos nossos clubes em suspenso. O Sporting tem Gyökeres, Diomande e Inácio dependentes dos humores dos clubes mais ricos, mas também não mostra argumentos para ir buscar Ioannidis. O Benfica resignou-se a vender o passe de João Neves abaixo das suas expectativas iniciais, por ver que se quisesse desfazer-se de António Silva ainda teria de fazer um desconto maior, mas está a enfrentar dificuldades normais para colocar os excedentários a valores que não sejam irrisórios e mantém, ao que parece, uma última esperança de poder recuperar João Félix, se o Atlético Madrid não conseguir transferi-lo em condições que sejam minimamente aceitáveis para quem tanto pagou pelo jogador. O FC Porto viu a baixa global do mercado travar saídas de que precisa tanto, mas ao dia de hoje não sabe até quando pode contar com gente como Diogo Costa, Galeno ou Francisco Conceição, porque provavelmente um deles vai mesmo ter de sair. O SC Braga tem Banza em leilão e depois, por aí abaixo, todos têm ainda pontas soltas que acabam por ser inimigas de uma definição mais clara daquilo que podemos esperar deste campeonato.
A bola começa a rolar, logo à noite, no Sporting-Rio Ave. Esse devia ser o momento em que se marca a entrada nutro tempo, o tempo dos jogos: “Rien ne va plus!”, anuncia o croupier. Ou, como dizia Vítor de Sousa, o Antímio Trafaria do Casino Royale de Herman José, “Renévápliú!” Só que o futebol é diferente e, por aqui, gosta-se que os apostadores tenham a possibilidade de mudar o sítio das fichas depois de a roleta começar a rodar.