Tirar o jogo do armário
O FC Porto deu uma hora de avanço com a insistência na famosa “tática do pirilau”, com toda a gente dentro e os laterais abandonados. Só quando se decidiu a ocupar as alas é que empatou com o Estoril.
O FC Porto deixou pelo caminho mais dois pontos, na estrada que os dragões quererão que conduza à renovação do título de campeões, mas que pode hoje complicar-se, caso o Benfica e o SC Braga vençam as suas partidas da sétima jornada da Liga. Pressionada pela pesada derrota com o FC Bruges na Champions, a equipa de Sérgio Conceição não foi além de um empate a uma bola com um Estoril que, até à primeira substituição feita pelos campeões, aos 59’, estava a ser claramente a melhor equipa em campo. Mais uma vez, o FC Porto colocou demasiada gente por dentro, numa versão Século XXI da famosa “tática do pirilau”, de Paulo Autuori: aos dois centrais, em patamares sucessivos, seguiam-se dois médios de cariz mais defensivo, dois médios criativos e os dois pontas-de-lança, desenhando um armário, daqueles altos e compridos. Só com a entrada de Galeno, aos 59’, o futebol do FC Porto saiu do armário, passando a ter as opções de criação por fora que até então lhe tinham faltado e facilitavam a missão aos donos da casa.
A primeira parte do FC Porto foi paupérrima do ponto de vista ofensivo. É certo que a equipa terá tido níveis de atividade sem bola superiores aos que se lhe viram nas categóricas derrotas com o Rio Ave ou o FC Bruges – fez exatamente o mesmo número de faltas (oito) e de ações defensivas no meio-campo adversário (13) nestes primeiros 45 minutos do que nos 90’ ante os belgas, por exemplo. Contra o Rio Ave fechara com as mesmas oito faltas e 12 ações defensivas para lá do meio-campo. Mas isso só satisfará quem vê futebol como se fosse uma luta de cães açaimados. No plano da criação, a primeira parte do FC Porto no Estoril foi nula: o primeiro remate saiu aos 32’ e o total de golos esperados (xG) destes 45 minutos foi de 0,2. Tudo por culpa de um posicionamento que tinha tudo para correr mal. A saída de bola era feita pelos dois centrais – e Pepe, ontem poupado, nisso é melhor que Fábio Cardoso –, com os laterais projetados desde muito cedo. À frente dos centrais posicionavam-se Uribe e Eustáquio, com Franco na meia-direita e Pepê na meia esquerda a optarem por vir colocar-se quase sempre dentro, à frente destes, em vez de abrirem e, assim, obrigarem o meio-campo do Estoril a alargar também a sua amplitude.
A ideia de Conceição passaria certamente por ter os seus jogadores mais criativos próximos dos dois pontas-de-lança, ontem Taremi e Evanilson, de forma a potenciar o jogo curto entre eles e a presença na área, que tão importante tinha sido, por exemplo, na vitória contra o GD Chaves. O problema é que a bola não chegava lá. Como Rodrigo Conceição, ontem em estreia como titular, aberto na direita, e Zaidu, do outro lado, ficavam muito na frente, era relativamente fácil aos dois extremos do Estoril, Tiago Araújo e Rodrigo Martins, defenderem por dentro e, ao mesmo tempo, cortarem o ângulo de passe para evitarem que a bola entrasse nos alas do FC Porto. O resto, o Estoril resolvia com três médios colocados em triângulo, muito perto uns dos outros no momento defensivo, tornando extremamente difícil que o adversário conseguisse jogar dentro do bloco e levando-o a bater demasiadas vezes longo na frente. Metido dentro deste armário, o FC Porto via o seu jogo reduzido à dimensão agonística, à capacidade que revelava – ou não – de pressionar a saída de bola do opositor, de forma a eventualmente criar uma situação de perigo em contra-transição. Não aconteceu, pelo menos na primeira parte.
E não aconteceu porque a equipa do Estoril foi sempre segura na saída. Tal como Conceição, Nélson Veríssimo deu ordens aos seus dois laterais para se projetarem em simultâneo no momento de início de construção, mas fazia-o com uma ideia clara: obrigar os laterais do FC Porto a ficar com eles e, dessa forma, tirá-los daquela primeira zona de pressão. Dessa forma, o Estoril, que saía com os dois centrais, encontrava sempre forma de levar a bola redonda aos pés de Francisco Geraldes, que aparecia numa segunda linha – mais pela direita na primeira parte, mais pela esquerda na segunda. Os donos da casa eram sempre capazes de manter a largura, com N’Diaye pelo meio e João Carvalho aberto do outro lado – e de, desse modo, dispersarem a pressão portista. E que belo jogo fez Francisco Geraldes. É curioso que tenha sido escolhido como melhor em campo pela transmissão da Sport TV e que, depois, avaliando friamente as estatísticas da Goal Point, tenha tido um rating mediano. Mas este é um caso perfeito para ilustrar que nem tudo no futebol pode ser reduzido à frieza dos números, que um drible, mesmo que seguido de um passe transviado, pode não resultar em nada no imediato, pode até baixar o rating de um jogador, mas tornar-se importante no que toca ao condicionamento psicológico do adversário. E, nesse aspeto, o médio estorilista abriu o livro.
Com o jogo lançado nestas bases, foi o Estoril quem esteve sempre melhor durante o primeiro tempo. O primeiro remate perigoso da partida pertenceu a Rodrigo Martins, que aos 21’ veio da esquerda para o meio e chutou cruzado, a rasar o poste da baliza de Diogo Costa. Aos 29’, na sequência de uma recuperação alta de N’Diaye, Tiago Gouveia deixou a bola à mercê de Erison, que no entanto viu a tentativa de fazer golo frustrada por uma boa mancha de Diogo Costa. Na recarga, o próprio Tiago Gouveia colocou a bola fora do alcance do guarda-redes do FC Porto, mas apenas para a ver esbarrar no poste direito da baliza. E dois minutos depois, foi outra vez Tiago Gouveia quem espalhou o pânico na defesa portista, batendo David Carmo com uma bela vírgula mas vendo o guardião adversário impedir-lhe a finalização. São fortes os dois extremos do Estoril. Bons defensivamente, fortes fisicamente, competentes no um para um e na finalização... Não haverá muitas equipas na Liga Portuguesa com um par de extremos tão interessante como o formado por Tiago Gouveia e Rodrigo Martins. Nem, sobretudo, com ideias para os utilizar.
Do FC Porto, entretanto, nada – a não ser dois golos anulados, em minutos quase seguidos, aos 33’ e aos 36’, por fora-de-jogo, no primeiro caso de Eustáquio, que cruzou para o autogolo de Pedro Álvaro, e no segundo de Zaidu, que rematou ele próprio após tabela com Taremi. E foi nisso que chegou o golo do Estoril, aos 41’. David Carmo fez um mau passe em início de construção, Joãozinho recuperou a bola junto à linha de meio-campo e, depois de correr uns metros, cruzou largo para o outro lado. Tiago Gouveia bateu Zaidu com uma boa receção e, de ângulo muito apertado, chutou em vez de cruzar. Diogo Costa ainda tocou na bola, talvez pudesse ter feito mais, mas não é justo considerá-lo no rol dos culpados. Era, de qualquer forma, um golo natural, face ao que as duas equipas estavam a mostrar em campo. Melhor o Estoril, perdido o FC Porto.
Esperar-se-ia que Sérgio Conceição mexesse logo ao intervalo, mas não. O treinador portista voltou com os mesmos, apenas reforçando a necessidade de aumentar a intensidade de jogo, de os seus jogadores serem mais rápidos e decididos a chegar a cada bola dividida. O jogo do FC Porto continuou a não ter muito critério, mas pelo menos criava condições para fazer valer a quantidade de gente absurda que colocava em zonas de perigo. E aos 51’ os dragões criaram a sua primeira ocasião de golo: Franco lançou Zaidu por alto na esquerda, este devolveu a bola para a zona da meia-lua, onde Eustáquio foi mais rápido a amortecer para Taremi do que N’Diaye a desfazer o lance com um chuto para o quintal. Recebendo a bola do peito do médio, o iraniano nem pediu licença e, em vólei, chutou à barra. Ainda não era, mesmo assim, o FC Porto quem mandava inteiramente no jogo. E isso percebeu-se logo a seguir, aos 55’, quando Rodrigo Martins assinou uma grande arrancada pela esquerda e, vendo a desmarcação de Geraldes nas costas de Zaidu, que fechava dentro, meteu-lhe a bola à frente, de trivela. O médio do Estoril teve o segundo golo nos pés, mas este foi-lhe negado por Diogo Costa, com uma defesa com o pé esquerdo.
Conceição tinha mesmo de mudar e terá reservado a última meia-hora do jogo para isso. Tirou do campo André Franco, pouco feliz no regresso ao estádio onde se revelou, para meter Galeno, bem aberto na esquerda. O sistema até podia ser o mesmo, o tal 4x2x2x2, mas só o facto de Galeno encostar mais à linha já vinha desestabilizar toda a organização defensiva do Estoril – e encorajava Pepê a fazer o mesmo à direita. Os primeiros seis minutos de Galeno em campo tiveram três ocasiões de golo para o FC Porto empatar, todas a começar nele. Aos 63’, ganhou as costas de Tiago Santos e deu a bola a Taremi, que viu a finalização prejudicada por uma má receção. Um minuto depois, um cruzamento dele feito da linha de fundo e mal desfeito por N’Diaye permitiu a entrada de Eustáquio na zona de tiro, valendo o desvio de Vital, para canto. E aos 65’, foi a responder a um novo cruzamento do reforço que Evanilson subiu mais que toda a gente, cabeceando ligeiramente ao lado do poste direito, com Dani Figueira batido.
Veríssimo trocou de ponta-de-lança, mas quem precisava de mudar ainda mais era o FC Porto, que aos 72’ chamou ao relvado Toni Martínez e Verón e, aos 82’, já com o Estoril reduzido a dez, por expulsão de N’Diaye, ainda lá meteu Grujic e Namaso. O FC Porto jogava já só com dois defesas, os dois centrais, ainda que Uribe estivesse perto para alguma emergência. Mais à frente, abria Verón na direita (ou Pepê, que alternavam, com o outro por dentro) e Galeno na esquerda, mantinha Martínez na área, com Grujic, Namaso, Taremi e o que sobrasse entre Pepê e Verón a tentarem ligações interiores. O Estoril já se reorganizara em 5x4x0, abdicando do ponta-de-lança, porque precisava de mais um defesa-central – entrou Lucas Áfrico. Mas as ocasiões de golo iam-se sucedendo. Verón, aos 80’, cabeceou ao poste esquerdo, após livre de Eustáquio. Toni Martínez, aos 81’, recebeu de Uribe e chutou para defesa de Dani Figueira. O próprio Uribe, aos 84’, viu um remate perigoso desviar na barreira defensiva estorilista e tirar Figueira do lance, acabando a bola por sair sobre a barra. Até que veio o penalti, numa mão infantil de Joãozinho, aos 90+1’. Taremi aproveitou para empatar o jogo e ainda podia tê-lo ganho, aos 90+10’, quando Galeno chutou para uma defesa incompleta de Dani Figueira e o iraniano viu a bola passar-lhe debaixo da bota, quando tinha pela frente uma recarga que parecia fácil. Seria, ainda assim, um castigo demasiado pesado para o Estoril, que fez por merecer o ponto conquistado.
Arbitragem – Sem erros de maior, a arbitragem de Luís Godinho: o único terá sido a expulsão, com duplo amarelo, de N’Diaye, quando a entrada que ele protagonizou sobre Verón seria para vermelho direto. O efeito prático, ainda assim, era o mesmo. Os dois golos anulados ao FC Porto foram bem invalidados – havia dúvidas só no primeiro, porque entre o último toque de Pepê e a ação de Eustáquio, que está fora-de-jogo, a bola bateu em Rodrigo Martins, mas foi um toque casual. Não teve razão o Estoril nas queixas de dois penaltis, pois não há qualquer falta sobre Erison (logo ao 1’) nem sobre Geraldes (aos 55’). E o penalti assinalado é correto. A mão de Joãozinho é tão evidente como pareceu infantil, só faltando perceber se o jogador portista que jogou a bola imediatamente antes (Namaso) era ou não um dos muitos que estavam em fora-de-jogo. Não era, pelo que foi valiosa a intervenção do VAR – já que o auxiliar tinha dado off-side. Por fim, quanto ao tempo prolongado de descontos, repito aquilo que escrevi, por exemplo, aquando do Atlético Madrid-FC Porto – e aí o FC Porto não quereria que houvesse descontos sobre os descontos. Godinho deu sete minutos de compensação – talvez um exagero... – mas interrompeu o jogo por causa do penalti/fora-de-jogo aos 90’56’’. Com a intervenção do VAR, o jogo esteve parado até aos 98’30’’. Um total de sete minutos e 34 segundos. Mandaria a lógica que se jogasse pelo menos até aos 114’34’’, pelo que na verdade ainda ficou a faltar um minuto.
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