Renovar? Voltem amanhã!
Pinto da Costa pode mudar todos os nomes da lista, que há uma coisa que nele não vai mudar nunca. A retórica de combate aos inimigos que o querem “lixar”. Os reais e os que ele agita como possíveis.
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A ouvir o discurso com que Pinto da Costa apresentou a candidatura a presidente do FC Porto, ontem, lembrei-me de uma placa que estava na parede de uma das lojas a que ia a mando da minha mãe enquanto criança. “Queres fiado? Volta cá amanhã!”. Naquela reta final da década de 70 em que eu fazia os recados lá de casa, Pinto da Costa chegou a diretor do departamento de futebol do FC Porto e o FMI entrou em Portugal para ser uma espécie de “troika avant la lettre”, a falta de liquidez da nossa economia era o tema do momento e quem pudesse e para tal tivesse lata ficava a dever. No FC Porto de hoje, apesar das contas estarem em desalinho, o tema das eleições parece ser o da renovação. O clube tem o mesmo líder há 42 anos, com ele se tornou ganhador a níveis nunca antes por ali conhecidos ou sonhados, mas começou a ver crescer no seu seio uma oposição que o desafia, seja porque acha que ele está a perder qualidades e a ser manobrado por quem se aproveita da sua figura, seja por já não se rever na retórica de combate de que ele não abdicará nunca, porque lhe está no sangue, seja ainda por ter de repente reparado que à volta dele cresceram organismos que, através da coação, impedem o pensamento livre e fora da caixa – quando na verdade eles sempre lá estiveram. Pinto da Costa prepara-se para remodelar os corpos sociais, falando-se com insistência nas trocas de Fernando Gomes e Adelino Caldeira pelos mais jovens João Rafael Koehler e Hugo Nunes – o que já implicará um rejuvenescimento de mais de 60 anos – mas a verdade é que ele até podia apresentar-se a eleições com o coro infantil da Casa da Música que a forma de pensar da sua direção continuaria a ser a mesma. As eleições de Abril do FC Porto não serão só para escolher entre Pinto da Costa, André Villas-Boas ou Nuno Lobo. Servirão para que o clube, os seus sócios, decidam no que acreditam e que clube querem. Se querem a maneira combativa de Pinto da Costa, o contra tudo e contra todos que o líder atual continua a agitar a cada vez que se pronuncia em público acerca do que quer que seja, ou a maneira moderna da oposição. Uma não tem que estar certa e a outra errada – é uma questão de convicção e qualquer um de nós terá de ter as suas acerca de tudo nesta vida. As de Pinto da Costa, já se viu ontem no Coliseu do Porto, permanecem imutáveis. Do palco de onde proferiu o discurso – e teve o cuidado de dizer, sem mencionar o rival, que o fazia sem teleponto, como se isso fosse minimamente relevante – lançou labaredas em direção a vários destinatários. A André Villas-Boas porque depois de ter sucesso ali foi para o Chelsea: não esteve no FC Porto, passou por lá. A Angelino Ferreira, candidato na lista de AVB, porque foi com ele como responsável pelas contas que viveu os momentos mais difíceis, quando esteve impossibilitado de pagar salários aos funcionários. À comunicação social lisboeta – e até ao JN – porque tratam mal o FC Porto e a sua candidatura em particular. A Joaquim Oliveira, um dos apoiantes de André Villas-Boas, porque não quer que os direitos televisivos dos jogos do FC Porto voltem a ser vendidos ao desbarato. Até a Antero Henrique, que não apareceu em nada relacionado com estas eleições mas de quem se diz ser a eminência parda por trás da candidatura rival, porque o ex-diretor geral do FC Porto é agora diretor desportivo da Liga do Qatar e tem linha direta para o emir que comprou o Paris Saint-Germain, agitando o fantasma de uma eventual tomada de posição do dinheiro árabe no clube caso ele próprio não esteja lá para defender a supremacia do poder dos sócios. Pinto da Costa recandidata-se com uma equipa nova, mas uma mensagem clara e antiga: se queres renovar, passa por cá amanhã.
Conceição e as contas. A grande surpresa da tarde foi a presença de Sérgio Conceição no ato da apresentação da candidatura do presidente que o contratou como jogador e, depois, como treinador. O abraço sentido e a emoção mal contida dos dois quando se cruzaram já não dão para manter o treinador fora da luta eleitoral, onde ele parecia tender a colocar-se pelas suas últimas declarações. Conceição está com Pinto da Costa e nem precisa de dizer mais acerca do tema, que a partir daqui vai ser mais um a combater com o futebol jogado pelo tempo de antena nas conferências de imprensa que dá semanalmente. Essa foi a vitória de Pinto da Costa na tarde de ontem, uma tarde em que voltou a explicar mal a questão das contas, baralhando – e creio que só pode ser propositado – resultados do exercício anual com a questão dos capitais próprios. Já o tinha feito na entrevista à SIC (escrevi sobre ela aqui). Por um lado é impossível justificar a situação financeira catastrófica em que a SAD se encontra (175,9 milhões de euros de capitais próprios negativos, um recorde do futebol nacional) com a decisão de empurrar a venda de Otávio para uma data posterior ao fecho do último exercício. Isso atenua, sim, o resultado negativo (47,6 milhões de euros) do exercício de 2022/23. E atenção que até a insinuação de que recusou alienar os passes de Pepê e Diogo Costa, os dois maiores ativos do clube neste momento, pode ser curta para explicar as contas – que ainda não são públicas – do primeiro semestre de 2023/24, porque já foi neste semestre que caíram as compras de Nico González, Alan Varela, Fran Navarro ou Iván Jaime. Há dinheiro da Champions a cair e isso certamente ajudará e permitirá um resultado semestral positivo, mas sempre demasiado curto para virar a questão dos capitais próprios. Esta só pode ser revertida com um negócio de uma magnitude tão grande como os das alavancas que têm permitido ao FC Barcelona, por exemplo, inscrever jogadores. Pinto da Costa já o prometeu e diz agora que não pode revelar detalhes por causa da proibição da CMVM, mas caso se trate de um gigantesco adiantamento de receitas, que venham a dificultar a capacidade de o clube se financiar no futuro, ou da venda de parte de uma ou várias das suas participadas, este parece ser um assunto demasiado relevante para ser decidido inapelavelmente nos últimos dias de um mandato que vai ser avaliado em eleições.
A polícia em Famalicão. Vamos a ver se nos entendemos. Entre polícias e criminosos, estou e estarei sempre ao lado dos polícias. Os polícias colocam todos os dias a vida em risco para nos defender, para defender a lei, uma lei que no seu texto fundamental – a constituição – lhes veda, por exemplo, o direito à greve. É justo? É injusto? Ninguém chegou a este ponto do texto para saber o que eu penso de política ou de questões sociais e laborais. A verdade é que um polícia pode concordar ou discordar da lei, mas tem que a fazer cumprir. Sim, os polícias são, regra geral, mal pagos – mas não somos todos? No caso deles isso é mais premente, porque todos os dias correm riscos de levar um tiro, o que ainda faz com que cresça mais o respeito que lhes devemos. A única coisa que não quero nunca ver num polícia são expedientes pouco claros para defender seja o que for, por mais legítima que seja a reivindicação. A baixa médica metida pela esmagadora maioria do contingente policial que ia assegurar a realização do FC Famalicão-Sporting de sábado, forçando o adiamento do jogo, criando um problema de datas para a sua realização e, mais relevante, abrindo caminho ao caos que levou a um ferido grave quando desse caos se aproveitaram os atrasados mentais que usam o futebol para mostrar que são isso mesmo (atrasados mentais) é um expediente pouco claro. A partir dali, a polícia tem a minha solidariedade nas reivindicações que faz, mas perdeu uma coisa: o meu respeito.
Cabral meteu a segunda. Não é só por questões genéticas, que o levam a ter aquele ar assim mais pesadão, mas Arthur Cabral lembra-me sempre uma carrinha de mercadorias numa ladeira íngreme. É assim em termos de velocidade de deslocação e começa a ser assim na sua afirmação na equipa do Benfica. Já todos tínhamos visto que o avançado brasileiro, em campo, demora a arrancar, mas que depois, vencida a inércia, não é fácil de parar. Com a continuidade no onze de Roger Schmidt está a começar a mostrar-se um bom reciclador de bolas, sempre competente na ligação com os outros homens da frente. Não é um ás da contra-pressão, bem pelo contrário, que os sprints curtos que isso exige serão sempre um problema para ele, tem momentos em que parece mau finalizador – o cruzamento que lhe permitiu o cabeceamento trapalhão ao poste, ontem, merecia melhor sorte, da mesma forma que o golo de bicicleta na Amadora foi assim meio de canela... – mas já meteu a segunda velocidade também na sua afirmação no onze do Benfica. A posição de ponta-de-lança deixou de ser alvo do rodízio que o alemão promovia a cada jogo, no qual quem jogava de início raramente satisfazia e cedia a vaga a quem tinha entrado do banco para o onze seguinte. Hoje, por mais golos que Marcos Leonardo faça nos instantes finais, o onze do Benfica tanto pode começar por trás, por Trubin, como pela frente, por Cabral.