A lição João Marques
João Marques, um dos mais promissores jovens da Liga, vai trocar o Estoril pelo SC Braga, que pagará três milhões e meio de euros. Uma bagatela, face às compras e vendas que envolvam os grandes.
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A janela de transferências de Inverno fechou em Portugal na quarta-feira e, logo na quinta, abriu a de Verão, quando o SC Braga anunciou a contratação de João Marques, um dos mais promissores jogadores do Estoril. Os minhotos vão pagar três milhões e meio de euros pelo jovem de 21 anos, numa manobra de antecipação que serve para explicar uma série de atuais dinâmicas do mercado e qual é o papel do clube liderado por António Salvador, enquanto está naquele purgatório entre o céu dos grandes e o inferno dos outros. João Marques pode ser uma excelente adição ao plantel do SC Braga, porque encarna a duplicidade entre o médio e o atacante que faz falta a equipas que queiram tornar-se difíceis de desmontar. Tem golo, tem último passe, não é um extremo mas pode jogar a partir da faixa, não é um avançado mas até joga na frente. Bem trabalhado, pode ser um pouco aquilo que atualmente representa Ricardo Horta na equipa de Artur Jorge. E, assim sendo, a primeira coisa que salta à vista é o valor da transferência, baixo para o jogador de que se fala. Por Koindredi, dez jogos (e 563 minutos) na Liga, o Estoril vai receber quatro milhões de euros do Sporting. Mas João Marques, que é internacional sub21, que é mais novo, é titular e joga mais à frente, 19 jogos (e 1359 minutos) na Liga, cinco golos e quatro assistências, valeu menos 500 mil euros do que o médio francês. Parece estranho, mas ajuda-nos a entender o mercado, que vai muito para lá da competição nos cafés entre adeptos que contam os milhões angariados pelos seus clubes como se fossem deles ou das teorias da conspiração que culpam sempre as “máquinas de propaganda” pelos valores que uns conseguem e outros não. Aqui estamos a falar de um mesmo clube vendedor e o que isto nos esfrega na cara é que o valor de um jogador depende também de quem está interessado. Qualquer clube vendedor no mercado interno sabe bem que tem um preço para os grandes e outro, mais baixo, para os restantes. E não é por causa de nenhuma embirração – é porque numa venda conta sempre o dinheiro disponível da parte de quem compra. E o SC Braga, que já se comporta como grande em muitas coisas, por enquanto ainda consegue aparecer no mercado com as vestes mais humildes, com boné amarrotado na mão em frente ao peito, com lata de pedir desconto, aproveitando este ínterim em que isso ainda é possível para enrobustecer o plantel, quase como faziam os três grandes antes de a globalização e o caso Bosman mudarem o futebol. Quem acompanhava o futebol nos anos 70 e, até, em certa medida, na década de 80, sabe bem como as coisas se faziam em termos de mercado: sempre que aparecia um novo projeto de craque, no Barreirense, no Varzim, fosse onde fosse, um dos três grandes deitava-lhe logo a unha. Fazia-o nem que fosse para o ter na sua equipa de reservas, que pelo menos assim tinha a garantia de que ele não iria reforçar nenhum dos rivais. Muitos jogadores se perderam nesta dinâmica de competição entre os clubes mais poderosos. Só que o futebol, entretanto, mudou. Primeiro, essas promessas começaram a ser detetadas também por clubes do estrangeiro – e muitos perdem-se agora lá fora, quando dão passos maiores do que a perna. Depois, essa competição, vinda de clubes que pagam pelos jovens craques, forçou o Benfica, o FC Porto e o Sporting a terem de ser mais criteriosos nas suas escolhas. Já não apontam a tudo o que mexe... Em consequência disso, passaram a apurar mais os projetos de jogador e, simultaneamente, a vender para os grandes mercados, onde quem tem dinheiro está interessado nos craques que já passaram com sucesso esta primeira barreira de seleção. Daí nasceu uma prosperidade pelo menos aparente, que faz com que a cada vez que se apresentam cá dentro em busca de reforços, quem está prestes a vender-lhes também suba a bitola naquilo que lhes pede. E é aí que aparece o SC Braga, que vai sendo capaz de dar ao seu plantel uma profundidade que num dos grandes custaria muito mais dinheiro. Aproveitem, que não vai durar para sempre. Aliás, mesmo visto na perspetiva do SC Braga, mau seria que assim acontecesse.
As razões do Vitória SC. António Miguel Cardoso, presidente do Vitória SC, lamentou ontem, em entrevista à Rádio Santiago, que a UEFA tenha bloqueado a parceria com a V Sports, que é a empresa dona do Aston Villa. “Estamos impossibilitados de nos relacionarmos. Eles não podem emprestar-nos jogadores, não podem financiar-nos”, queixou-se. Quem costuma ler-me com regularidade sabe que sou frontalmente contra a multipropriedade nos clubes de futebol – ainda que esteja pode descobrir a melhor forma de a impedir – e que não acho, sequer, que essa situação seja boa para os clubes portugueses, porque a partir do momento em que comecem a ser meras barrigas de aluguer dos poderosos deixarão de ter espaço para desenvolver os próprios talentos e perderão essa via de se financiarem. Sempre que um Aston Villa coloque em Portugal, por empréstimo, uma jovem promessa africana ou sul-americana que descobriu e quer testar, há um jovem formado localmente que perde espaço e uma possível transferência futura que fica mais longe. Quem está a ver pode até achar que é bestial ter o músculo financeiro dos milionários que operam na Premier League a ajudar, mas o que isso faz é apenas tornar os clubes mais dependentes desse músculo (e expliquei a coisa de uma forma mais detalhada aqui). Agora há uma coisa na qual Cardoso tem razão. Não pode haver regras diferentes para uns e para outros. Até me parece duvidoso que a UEFA aja apenas quando os clubes se qualificam para as provas europeias, como foi o caso do Vitória SC e do Aston Villa, que estavam ambos inscritos na Liga Conferência deste ano, mas depois não faça nada acerca dos impérios que alguns grupos e fundos estão a construir pelo Mundo (e há uma descrição detalhada na secção Donos da Bola) só porque os clubes em questão não estão nas suas competições internacionais. Mas o presidente do Vitória SC lançou a questão Girona FC. Se, como tudo indica que vai suceder, o clube catalão chegar à Liga dos Campeões, como fica a relação com o Manchester City ou mesmo com Pere Guardiola?
Mainoo na altura certa. Antes de ser destruído para dar lugar a um condomínio, o rinque de cimento em que passei horas infindáveis a jogar à bola na adolescência caíra tão em desuso por parte das sucessivas “gerações das consolas” que sucederam à minha, possivelmente uma das últimas que ainda passava os dias na rua, que as ervas daninhas começaram a brotar entre as placas de cimento e o sítio já mais parecia um matagal. O que nos vale é que, nesta era de concentração de poder nas mãos dos poderosos, isso também continua a acontecer com os talentos, que aparecem nas equipas mais caras com o descaramento de quem simplesmente é melhor. É cedo ainda para dizer que Kobie Mainoo, 18 anos apenas, será um desses casos, mas se o golo ao Newport County, uma finalização limpa ao ângulo inferior, abrira a janela da esperança, o golaço que fez ontem, aos 90+7’, em lance individual com que resolveu o jogo do Manchester United em Wolverhampton, já é quase uma certificação. O United perdera a vantagem de dois golos (2-0 e 3-1) e deixara-se empatar com a ajuda de Sarabia e Neto, mas do meio-campo apareceu Mainoo. Evitou um primeiro, driblou um segundo para o lado de dentro e dali mesmo, de fora da área, meteu um remate em banana, a entrar junto ao poste mais distante das redes de José Sá para o 4-3. A reconstrução passa por ele.