Radiografia aos candidatos
O primeiro jogo entre candidatos revelou perfil e defeitos de SC Braga e Sporting. Os minhotos precisam da velocidade de Djaló entre senadores. Os leões, se querem ser cínicos, não podem perdoar.
Acabou empatado o primeiro confronto entre candidatos, um SC Braga-Sporting que quase não teve situações de golo e cuja responsabilidade não inibiu as equipas de se mostrarem próximas da sua identidade e de revelarem aqueles que, para já, são os seus maiores defeitos (pode ver aqui o Flash). A um SC Braga convencido da superior capacidade de definição dos seus senadores e preocupado em controlar o espaço interior – por isso saltou do onze Djaló para entrar Pizzi, capaz de se juntar aos dois médios e a Ricardo Horta e Abel Ruiz por dentro de maneira a controlar a posse – opôs-se um Sporting mais capacitado na exploração das entrelinhas, muito por força da movimentação de Pedro Gonçalves e da boa leitura de jogo e do passe vertical de Hjulmand. Marcando primeiro, os leões também puderam envergar o fato que para eles está a ser preparado por Rúben Amorim, que é o do controlo das vantagens através do abaixamento do bloco, aproveitando a qualidade e a conexão da sua estrutura recuada e dessa forma potenciando a capacidade para lançar furiosos ataques à profundidade por intermédio de Gyökeres. Um deles chegou a dar um segundo golo (anulado), mas a verdade é que a noite de desacerto do sueco e dos que com ele se associavam – muitas más decisões e imprecisões técnicas – deu ao SC Braga tempo para retificar e reentrar na discussão de um resultado que na verdade nunca esteve fechado. Artur Jorge não viu a equipa melhorar com dois pontas-de-lança, mas terá entendido que por mais poder de influenciar os jogos que os seus experientes definidores tenham, em muitas alturas esta equipa vai precisar de pedir a revolução que é a introdução nela de Djaló, um Bruma do outro lado. Em Alvalade lamenta-se a perda da oportunidade para a equipa se isolar na frente, mas o empate acabou por castigar a imprecisão na aplicação do cinismo que Rúben Amorim pensa ter encontrado com a chegada do avançado sueco. Quando a estratégia passa por aí, não se pode perdoar. E este Sporting ainda perdoa muito.
Cruza até te cansares. O FC Porto arrancou a ferros o empate (1-1) contra o FC Arouca (e o Flash do jogo está aqui), graças ao quarto golo (em sete) marcado para lá do minuto 90, e não é preciso ver que em quatro dos seus cinco jogos oficiais desta temporada a equipa de Sérgio Conceição esteve a perder para se perceber que os sinais de produção coletiva são tão preocupantes como acaba por ser reconfortante a sua garra e vontade de ir depois em busca dos resultados. O que o fim de tarde nos mostrou foi uma equipa do FC Arouca confortável durante boa parte do desafio, a conseguir sempre ligar as transições com os três homens da frente até ao momento, que tem sido inevitável, em que os dragões adotam o modo kamikaze e se põem num 2x3x5 que tem como maior mérito a acumulação de gente na área e o forçar do recuo das linhas opositoras. O Plano A de Conceição está a falhar por défice de criação e de pressão: o segundo problema esteve na base da forma como os adversários conseguiam sempre encontrar Jason, Mujica e Cristo e desenvolver ataques apoiados; o primeiro levou a equipa a 45 minutos em que só de bola parada se mostrou ameaçadora. E quando tudo o mais falha, o FC Porto passa a acumular gente na área e a cruzar bolas para lá de forma repetitiva e minimal. Ontem, ainda valeu o empate, mas não é maneira de chegar ao sucesso de forma reiterada.
Empresta-me o seu telemóvel? As imagens do árbitro Miguel Nogueira ao telefone, a falar com o VAR, que estava a mais de 300 quilómetros de distância, já entraram para a categoria de memes, que a internet e as redes sociais não perdoam. Não é isso que me preocupa, nem tão pouco a alegada “má imagem” que o incidente dá do futebol em Portugal. Não é por causa disso que ninguém quer os direitos televisivos da nossa Liga no estrangeiro – afinal de contas, se há uma coisa em comum a quase todos os programas de maior audiência acerca de futebol neste momento é haver gente a ridicularizar-se a si mesma e ao jogo em si em todos eles. E a malta vê. Embora tenha razão Vítor Bruno, o treinador-adjunto do FC Porto, quando diz que aqueles minutos finais do FC Porto-FC Arouca são “uma caricatura do futebol em Portugal”, é preciso ter a noção de que o problema ali não foi o árbitro nem tão pouco a verdade desportiva, que foi defendida na medida do possível com a indicação dada pelo VAR de que Taremi tinha simulado uma falta na área. O futebol português tornou-se caricatural porque se vulgarizaram as simulações, seja para ganhar penaltis ou cartões para os adversários, levando a múltiplas intervenções do VAR e, depois, à necessidade de tempos de compensação como os 22’ que se jogaram a mais no Dragão e a comunicados dos clubes a manifestar indignação acerca dos jogos dos rivais. A mim já nada disso me surpreende. A única coisa que me surpreendeu, ontem, foi o árbitro ser a única das mais de 46 mil pessoas presentes no estádio que não viu as imagens do lance, porque o terminal onde devia vê-las não estava a funcionar. Ali ao lado, nos dois bancos, havia os já vulgares tablets com que toda a gente acompanha as repetições. Na bancada, toda a gente teria um smartphone por onde podia fazer a mesma coisa. Miguel Nogueira não tinha nada – com a agravante de que era ele que tinha de decidir. E isso, sim, é uma caricatura, seja porque é inconcebível a Liga não ter um equipamento de reserva para estes casos, seja porque perante a arte do engano levada a cabo pelos jogadores, o que se critica é que se recorra a meios já arcaicos como um telemóvel para o desfazer.
‘Bora partir isto tudo. A ação conjugada de Di María, Rafa e João Mário, somada à infelicidade de Jorge Fernandes no autogolo do 1-0 e à expulsão de João Mendes logo a seguir, foi a chave da vitória fácil do Benfica sobre o Vitória SC, que era o líder do campeonato até apanhar 4-0 na Luz (e pode ver o Flash acerca do jogo aqui). Os três mostraram que se completam: a arte das trivelas do argentino desvia as atenções das ligações de Kokçu com Rafa, cuja capacidade de acelerar por dentro tem ultimamente sido servida por uma melhor capacidade de decisão, e encontra contraponto na retração de que João Mário é capaz, no passo atrás que solta os companheiros porque lhes garante uma base de estabilidade. Mais uma vez, quando quis chamar ao jogo o desequilibrador que é Neres, Roger Schmidt abdicou de João Mário e partiu o jogo – e tal como sucedera contra o Gil Vicente, em Barcelos, perdeu o controlo da situação. Desta vez não houve sequer calafrios, que o Vitória estava com dez homens e já a perder por 4-0, o que também permite pensar que a quebra do Benfica se tenha ficado a dever sobretudo ao desligamento global da equipa. Mas que dá que pensar, lá isso dá.
Uma má lista. Quando Artur Jorge levou João Moutinho a Atenas, integrado na comitiva do SC Braga que ainda não podia defender em campo, porque não estava sequer inscrito, estava a favorecer a integração mais rápida do reforço na equipa e a potenciar o espírito coletivo. Quando Roberto Martínez chama João Cancelo e João Félix, zero minutos de competição à data da convocatória, está a fazer a mesma coisa. Uma seleção também é – ou é antes de mais nada – uma equipa e, apesar de não jogar com a mesma frequência, tem as necessidades das equipas de clubes quanto à construção de grupo. Já expliquei na Live do Futebol de Verdade da última sexta-feira (que pode ver aqui) que não gostei da lista de Martínez, mas não foi por nela figurarem Cancelo e Félix, que fazem parte deste grupo, o que faz com que tanto eles como a equipa tenham tudo a ganhar com a sua integração. A lista de Martínez não é, para mim, uma boa lista porque, tendo dois jogadores que ninguém sabe bem como vão responder, foi reduzida dos 26 convocados da última janela de jogos para 24 agora. Não é uma boa lista porque, não tendo Guerreiro nem Nuno Mendes, ostraciza os outros laterais/alas canhotos que poderiam ser chamados (Mário Rui, Nuno Santos...), dando-lhes a entender que não têm qualquer hipótese de lá chegar. Não é uma boa lista porque, ignorando jogadores que estão em grande momento agora (Bruma, Paulinho..), continua a ignorar outros que já mostraram que são mais do que fogachos, como Matheus Nunes ou Pedro Gonçalves. Roberto Martínez está a mostrar na prática aquilo que já tinha deixado à vista de quem queria ver enquanto era selecionador belga (e que pode ver explicado aqui): se se queixavam de que Fernando Santos era conservador, pois bem, ele é muito mais.