Hoje fechamos mais cedo
O mercado fecha hoje, mas toda a gente fez o seu trabalho com tempo. Os quatro candidatos ao título já não dependem de entradas significativas, o que pode transformar o último dia numa pasmaceira.
Pensar nas horas de fecho de mercado implica imaginar os diretores de futebol rodeados de relatórios de observação, submersos em folhas de Excel com verbas disponíveis, a atualizarem em permanência as plataformas online em que falam uns com os outros e a atenderem vários telemóveis em simultâneo. Pois não é essa a expectativa para a noite de hoje de quem decide nos nossos maiores clubes. O trabalho está quase todo feito e os decisores bem podem marcar um jantar de família ou uma noite no cinema. Quer isto dizer que não há lacunas? Não. Elas existem e até podem vir a ser preenchidas, provavelmente com empréstimos de ocasião – e, pensando melhor, à conta disso se calhar não é boa ideia irem ao cinema, que o telefone pode tocar. Essas lacunas não são é tão prementes a ponto de justificarem investidas kamikaze nas últimas horas de um mercado que, regra geral, foi muito bem trabalhado pelas melhores equipas nacionais. O Benfica, por exemplo, parece estar curto nas laterais da defesa, onde já se viu que Ristic não conta e não há uma verdadeira alternativa a Bah, mas a maior esperança dos adeptos encarnados é a de que o FC Barcelona não consiga resolver os problemas gigantes de contabilidade que enfrenta a ponto de não poder avançar por João Félix, originando assim o regresso do menino-prodígio a casa, por empréstimo do Atlético Madrid. Aqui entre nós, mais do que Félix, não faria mais sentido o Benfica pensar no empréstimo de Cancelo, também ele pendurado à espera de uma qualquer alavanca de Laporta e especialista numa função em que realmente o plantel de Schmdit está curto? No FC Porto, com a contratação de Ivan Jaime e a permanência anunciada de Taremi – e o futuro nos dirá se a reunião com Pinto da Costa serviu para alinhavar a renovação que impeça que ele saia a custo zero no final da época ou se foi apenas uma tentativa de resolver problemas de comissões depois aproveitada para fazer propaganda de união e comprometimento –, o plantel ficou mais rico, tornando até um pouco excêntricos os desejos de fazer regressar Francisco Conceição. É certo que se perderam Uribe e Otávio e que isso aconselha uma nova forma de encarar o plano básico de jogo, mas a maior dificuldade pode ser a tradicional desconfiança de Sérgio Conceição face aos novos jogadores, que levam sempre tempo a entrar nas contas. David Carmo, por exemplo, ainda está à espera. Em Braga, o mercado foi de fartura, com o acionamento das opções de compra de Niakaté, Victor Gomez e Bruma e a contratação de última hora de João Moutinho a somar-se a outras que já tinham sido feitas, garantindo que talvez com exceção da baliza e da lateral direita haja duas opções de qualidade quase semelhante para cada posição. Aliás, o problema pode até ser de excesso, o que terá levado os bracarenses a posicionarem-se no mercado na tentativa – difícil – de vender em alta jogadores como Al Musrati. No Sporting, por fim, as entradas não foram muitas, mas foram cirúrgicas: um avançado possante, um médio forte e circulador e um lateral-direito. Fica a ideia de que continua a faltar profundidade a meio-campo, uma vez que a terceira opção para aqueles dois lugares é um Bragança regressado de lesão prolongada e a quarta é Essugo ou o recuo no campo de Pedro Gonçalves. Ainda assim, o principal problema deste Sporting parece mesmo ser a falta de gente capaz de desequilibrar a partir de trás. E se a contratação de Fresneda pode prenunciar a mudança de sistema preferencial para o 4x4x2, isso implica a perda da maior vantagem competitiva que os leões vinham tendo sobre os rivais, que era a sua capacidade para jogarem de cor.
Foi o que podia ser. Acabou por não correr mal, o sorteio da Liga dos Campeões. É verdade que o SC Braga foi parar a um grupo que, com o Real Madrid e o SSC Nápoles, lhe dá poucas perspetivas de sair vivo, mas até os minhotos podem olhar para a crise de lesões madridista – Courtois, Militão, Vini Jr. – ou para os riscos de desagregação italiana após a saída de Luciano Spalletti e sonhar com uma proeza. O Union Berlim, à partida o rival na disputa de uma vaga na Liga Europa, já se viu na época passada que está ao alcance da equipa de Artur Jorge, que ainda por cima se reforçou bastante. O Benfica enfrentará uma importante sessão de terapia do reencontro, o da equipa com o Inter que a eliminou nos quartos-de-final da época anterior e o do treinador com o RB Salzburgo que lhe serviu de trampolim e que é a base teórica viva do seu jogo de contra-pressão. A chegada da Real Sociedad, vinda do Pote 4, veio complicar as contas, mas não é por isso que portugueses e italianos deixam de ser favoritos. Por fim, o FC Porto parece ser quem tem a tarefa mais facilitada. Por mais orgulho nacionalista que possa ter a elevar-lhe a performance, o Shakhtar sem brasileiros será sempre uma sombra daquele que chegou a brilhar na Europa, e o Royal Antuérpia construído por Overmars e van Bommel era um dos refrescos que havia no sorteio. Resta o FC Barcelona, mas para ser encarado com duas ideias. Uma é a de que há dois anos seguidos que os catalães caem na fase de grupos, na primeira eliminados por Benfica e Bayern e na segunda por Bayern e Inter. A segunda é que ainda não se sabe muito bem o que vai ser este Barça – e essa terá de esperar pelo menos até logo à noite e ao encerramento do mercado.
Um bom sorteio, parte II. Hoje calha ao Sporting a vez de ir às sortes, na Liga Europa. Os leões não viram materializar-se o milagre que seria entrarem no Pote 1 – conspiração neerlandesa, pois precisavam que entre o PSV, na Champions, ou o Ajax, na Liga Europa, um deles caísse, mas ambos seguiram em frente – e entrarão no sorteio como a equipa mais credenciada da segunda faixa, o que desde logo poderá levá-los a ter de enfrentar um dos tubarões que este ano estão na competição. Há Liverpool FC, AS Roma, Ajax, Villarreal CF ou Leverkusen para evitar – se bem que, tal como no sorteio da Champions, a escolha não seja assim tão simples, pois o emparelhamento com o Liverpool FC, por exemplo, garantiria desde logo que não viria de lá o Brighton quando se tratar de sortear as equipas do Pote 3. A Liga Europa, no entanto, tem uma nuance relativamente à Champions: é que só o primeiro lugar de cada grupo garante a entrada direta nos oitavos-de-final, pois os segundos ainda terão de a disputar com um dos terceiros classificados dos grupos da prova mais prestigiada. Portanto, para os portugueses, o melhor mesmo é apontar aos mais fracos de cada pote. Ideal era vir de lá o Rangers entre os cabeças-de-série, o Maccabi Haifa ou o Sheriff do Pote 3 e qualquer um que não seja o Toulouse FC, o AEK Atenas ou o Panathinaikos do grupo menos valorizado.