Onde se joga o futuro
Só há uma forma realista de evitar a perda de uma vaga na Liga dos Campeões em 2024. É os nossos clubes aceitarem que precisam de manter o compromisso europeu mesmo que caiam na Liga Europa.
A infelicidade do FC Porto em Madrid, na quarta-feira passada, impediu o pleno das equipas portuguesas na primeira jornada da fase de grupos das competições europeias. Dir-me-ão que o Benfica não fez mais do que a sua obrigação, ao ganhar em casa à equipa mais fraca do seu grupo, mas o Sporting e SC Braga sempre foram vencer fora – e, no caso dos leões, com a nuance importante de estarem num grupo que aparenta ser extremamente equilibrado. No entanto, chegamos ao final da semana e não ganhámos um milésimo de ponto aos Países Baixos. Numa semana quase perfeita. Este vai ser um ano difícil para quem anda atento aos rankings e de exigência máxima para quem entra em campo. Não só a partir de hoje, nos jogos da fase de grupos, mas também depois, quando crescer a dúvida entre o compromisso europeu e a exigência no plano interno.
Nesta primeira semana, as equipas portuguesas somaram seis pontos – que as vitórias, para efeitos de ranking, continuam a valer dois pontos apenas. Esses seis pontos dividem pelas seis equipas que se apresentaram de início nas competições europeias e dão exatamente 1,000 pontos de ranking. Na mesma semana, os neerlandeses viram o Ajax ganhar ao Rangers na Champions, o PSV empatar em casa com o Bodo Glimt e o Feyenoord perder no terreno da Lazio, ambos na Liga Europa, e ainda o Alkmaar vencer fora o Dnipro, na Liga Conferência. Ao todo, somaram cinco pontos, mas dividem-nos só por cinco, o total de equipas que tinham à partida, o que resulta exatamente no mesmo total a adicionar ao ranking: 1,000. Quer isto dizer que, após uma semana excelente em termos globais, Portugal continua a 2,051 pontos dos Países Baixos, que nos ultrapassaram no ranking da UEFA neste Verão, quando deitamos fora a boa pontuação de 2017/18.
Em causa está a presença europeia na temporada de 2024/25. Na próxima época, descansem, estará tudo na mesma, que a UEFA exige que as equipas entrem nas respetivas competições nacionais já a saberem quantas vagas haverá disponíveis para cada competição europeia, pelo que a distribuição para 2023/24 já foi feita, de acordo com o ranking no final da época de 2021/22 – e nesse Portugal ainda estava à frente dos Países Baixos. Portanto, já se sabe: o campeão nacional terá acesso direto à Champions – e como cabeça-de-série –, o segundo vai também direto para a fase de grupos e o terceiro segue para as pré-eliminatórias. Sucede que para as provas da UEFA de 2024/25, a temporada em que subirá ao palco a nova Liga dos Campeões, conta a classificação no final de 2022/23. E nessa muito dificilmente voltaremos ao sexto lugar. O que implica que, no ano em que a Champions alarga de 32 para 36 equipas, em vez de duas diretamente qualificadas e uma terceira a disputar as pré-eliminatórias vamos ter só uma na fase de grupos e uma segunda nas pré-eliminatórias.
Há, é verdade, a possibilidade de ainda ficarmos com alguma das duas vagas que serão atribuídas aos melhores clubes no ranking a cinco anos que não se qualificam diretamente, mas ela é bastante remota: se aplicássemos a regra a este ano, por exemplo, essas vagas iriam para o Manchester United (nono no ranking a cinco anos) e para a AS Roma (décima-primeira), surgindo o FC Porto em 16º, o Benfica em 26º, o Sporting em 28º e o SC Braga em 35º. Se já fossemos sétimos no ranking, o Sporting teria tido de jogar as pré-eliminatórias e o Benfica teria 15 lugares entre ele e a qualificação para a Champions, acabando relegado para a Liga Europa.
Ora, além de poder vir a desencadear o aumento dos decibéis nas guerras entre clubes, que verão estreitar o funil de acesso aos milhões, esta situação levará também à perda de capital em termos de notoriedade internacional para as nossas maiores marcas. E sim, aqui estou a pensar muito para o futuro, quando esse capital-notoriedade for mesmo de importância vital, quando um dos critérios para o acesso ao topo do futebol europeu for o reconhecimento por parte do público internacional. Porque já se sabe que este reconhecimento vem muito das vezes que esse público é confrontado com as equipas, o que aumenta exponencialmente na Liga dos Campeões.
Se olharmos para o histórico de Portugal no ranking da UEFA, temos duas explicações para o que está a acontecer ao nosso futebol. Uma é a evidência de que o ranking está mal feito, por deficiência na valorização dos pontos e dos bónus vindos da Liga dos Campeões e as outras competições, digamos assim, secundárias. É por isso que este sistema tem promovido constantes alternâncias entre sexto e sétimo classificados – antes Portugal e Rússia, agora Portugal e Países Baixos. Quando um país sobe ao sexto lugar, passa a meter mais equipas na Champions e a ter mais dificuldades em pontuar, porque os adversários são muito mais fortes, enquanto que aquele que baixa à sétima posição, além de passar a ter o foco numa mais acessível Liga Europa, onde os pontos são mais “baratos”, passa a ter menos uma equipa ao todo, o que implica ainda que o total de pontos passa a dividir por menos um, gerando um resultado mais elevado. Essa, no entanto, é a explicação que não podemos controlar. Até porque há por aí quem defenda que esta questão não se deve à incompetência mas sim à vontade da UEFA promover essa alternância.
Resta-nos olhar para a outra explicação, a que podemos controlar. O que muita gente não sabe – nem se lembra – é que, apesar de tanta conversa acerca das Big Five, das cinco Ligas mais poderosas do Mundo, não há muito tempo Portugal passou quatro anos consecutivos no quinto lugar, à frente da França. Aconteceu entre 2012 e 2016, já durante o período em que o estado do Qatar tomou conta do Paris Saint-Germain, ainda que na fase inicial desse investimento. Nesse período, não tínhamos na mesma uma classe média que engrossasse as nossas pontuações, o que me leva a crer que esse é um caminho, mas não é, de todo, o único capaz de elevar o ranking nacional. O que tivemos, por essa altura, foi o FC Porto e o SC Braga na final da Liga Europa de 2011, o Benfica na meia-final desse ano e, depois, na final de 2013 e de 2014, e o Sporting na meia-final de 2012. Quatro destas seis equipas começaram a jogar na Liga dos Campeões – as exceções foram o FC Porto de 2011 e o Sporting de 2012 – mas não desligaram das tarefas europeias quando baixaram à Liga Europa. É por isso que o futuro do futebol nacional não depende de uma só variável – e que muito dele se jogará depois do Ano Novo, quando algumas das nossas equipas tiverem eventualmente de lidar com a frustração de terem sido relegadas para a segunda competição da UEFA.
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